Um debate com a companheira Luciana Genro e os companheiros do MES

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A militância do PSOL foi surpreendida pela participação de Luciana Genro no ato convocado pela cúpula do PT e dos governistas em Porto Alegre, cujo eixo era “Fora Cunha, não ao golpe!”. Surpreendeu, pois a companheira vinha defendendo sistematicamente a necessidade de um “terceiro campo”, alternativo aos blocos do PT e do PSDB. Além disso, encarnou na campanha de 2014 uma postura independente e de esquerda frente à falsa polarização Dilma/Aécio (como esquecer aquele “linha auxiliar uma ova!”). Luciana sempre se referia as jornadas de junho e recentemente citou o “que se vayan todos” argentino como um exemplo, defendendo colocar “abaixo este regime político e suas instituições”. Porem, subitamente, a nova postura de Luciana fortaleceu a US na linha de participação nos atos em defesa de Dilma no dia 16/12, num momento em que essa manifestação governista estava sendo questionada pela ala esquerda da Frente Povo Sem Medo (Bloco de Resistência Socialista, Construção, Juntos e RUA), setor que definiu não participar do dia 16/12.

O inusitado é que foi Luciana quem primeiro rompeu com a resolução do V Congresso do PSOL que negava a participação do PSOL em atos em defesa de Dilma. Sendo que o texto que fundamenta sua participação na manifestação Lulista de Porto Alegre foi feito por meio da definição de que estamos diante de um “golpe”. O mesmo pode ser visto nos textos de outro importante dirigente do MES, o companheiro Roberto Robaina. A justificativa é que há uma mudança na situação após o voto secreto e as tentativas de Temer/Cunha para avançar no impeachment da Dilma. Um golpe ao estilo “Paraguai”. Mesmo assim nos chama atenção que Luciana Genro e o MES não tenham ainda uma posição sobre os atos do dia 16/12 já que com essa argumentação o mais lógico era marchar sempre com os governistas, na defesa do mandato constitucional de Dilma.

Nem golpe de 64, nem golpe “ao estilo paraguaio”

Ninguém em sã consciência pode acreditar que o Brasil estaria à beira de um golpe militar tipo o de 1964 ou pior do que aquele golpe, coisa que só existe nos textos dos setores governistas e da cúpula do PT e PCdoB. Por isso foi inacreditável ver Luciana Genro amplificando os argumentos governistas da forma como está expresso no texto “Contra o impeachment e sem medo de se misturar, mas com uma política independente”.

Luciana Genro e os dirigentes do MÊS falam ainda de outro tipo de golpe. Seria um suposto “golpe” ao estilo do “Paraguai”, cujo objetivo seria impor ou forçar o impeachment da presidente. Bem, isso é a primeira coisa que discordamos, pois não tem nada que iguale a situação atual do Brasil com a situação paraguaia daquela época. Lembremos que em junho de 2012 o senado daquele país destituiu por 39 votos a 4 o presidente Lugo, eleito em 2008, após 61 anos de domínio do partido colorado, corrupto, ditatorial e pro imperialista.

O Tribunal Superior Eleitoral reconheceu a legitimidade da movimentação, e assim, o vice de Lugo, o liberal Franco foi empossado presidente. Ou seja, os setores mais poderosos da burguesia paraguaia através da unidade do partido colorado e o liberal, com o apoio de latifundiários e sojeiros, amparados nas multinacionais como Monsanto e outras, num ato repudiável e ilegítimo, depuseram o presidente eleito. Não se trata nesta nota de entrar no mérito do governo Lugo, que não se resistiu, aceitou sua destituição, nunca falou que havia sido vítima de um golpe e declarou em dezembro daquele ano que Federico Franco poderia “ser o líder que devolvesse a paz e a tranqüilidade ao país”.

A diferença do Paraguai de 2012, o que caracteriza a situação atual da burguesia brasileira, é a sua absoluta falta de alternativa e a crise e divisão em torno da saída política. Pois se existe uma férrea unidade quanto ao ajuste contra o povo, não tem unidade sobre quem terá a força suficiente para aplicá-lo. A burguesia está debatendo se Temer será capaz e terá a força suficiente para impor o terrível ajuste que todos eles aspiram. Ou se convêm deixar Dilma e apostar que de uma vez por todas faça o “dever de casa”. Sem perder de vista que outras hipóteses podem ocorrer ou vir a se impor.

Do nosso ponto de vista, a definição que existiria em andamento um golpe ao estilo da destituição de Lugo no Paraguai, significa se somar ao coro governista e formular uma justificativa para chamar as massas a se mobilizar em defesa de Dilma. São argumentos como esse – golpe ao estilo 1964 ou ao “estilo paraguaio” – que são utilizados pelos governistas para agrupar setores de esquerda na defesa do governo petista. Eles sabem que o puro e simples “fica Dilma” é incapaz de agrupar forças políticas para além do núcleo oficialista e burocrático. Essa tática foi reafirmada por um importante e influente jornalista do campo governista, o Breno Altman, no texto “Frente Contra o golpe não deve ser em defesa de Dilma”. Ou seja, para os Lulistas a melhor forma de defender Dilma e seu mandato é camuflar isso por meio de uma simpática campanha em defesa da “legalidade democrática”. Com a vantagem de que setores governistas podem tentar posar de “progressistas” e tentar estimular ilusões sobre a possibilidade de “disputa dos rumos do governo” e/ou “mudanças de orientação” ao estilo do estelionato do segundo turno de 2014 (aquela da “Dilma Guerrilheira”, do “muda mais”). Breno Altman fala explicitamente em “Não ao golpe, fora Cunha, muda Dilma”, política que com certa nuance é semelhante a do dia 16/12. Uma manifestação que não devemos participar. Por isso nós, da CST, estamos combatendo na mesma trincheira dos que definiram não participar do dia 16/12, como é o caso da ala esquerda da Frente Povo Sem Medo, dos companheiros do JUNTOS, dos companheiros de todas as forças do bloco de esquerda em Niterói e do diretório do PSOL do Rio de Janeiro.

Dilma e o PT são de direita, neoliberais, conservadores e pro-imperialistas!

Porém, há questões politicas imediatas que seguem em discussão há muito tempo na esquerda. A fundamental é o caráter do PT e do governo Dilma. Pois a polêmica sobre o impeachment, o dia 16/12, as frente orgânicas com os petistas, estão conectadas a essa questão. Agora, por exemplo, isso se materializa na errada avaliação de que Dilma expressa um mal menor frente a Michel Temer, como se supostamente a Agenda de Temer, “a ponte para o futuro”, fosse mais ortodoxa que a Dilma. Como se o PT aplicasse uma ajuste mais brando e o PMDB um ajuste mais duro. Os fatos desmentem essa falsa polarização. PT e PMDB aplicam juntos o ajuste formulado por Levy (um representante do sistema financeiro com ligações com o PSDB). Governaram juntos durante todos os últimos anos e compartilham governos patronais terrivelmente anti-operários como os do Rio de Janeiro que demitiram os garis grevistas da COMLURB. Uma das principais pautas do plano Dilma/Levy, a reforma da previdência, é também parte da Agenda de Renan, de Cunha, de Arminio Fraga, enfim, de todos os que se dizem situação ou oposição dentre as maiores siglas dessa república das empreiteiras e dos bancos. Com ou sem Dilma, teremos que seguir lutando contra os ataques e a corrupção. Por fim, é importante não esquecer que até recentemente todos os grupos de esquerda que erroneamente votaram em Dilma no segundo turno a criticam por acatar a politica econômica do PSDB, ou seja, por aplicar um duro ajuste econômico neoliberal pra lá de ortodoxo e recessivo.

É preciso se posicionar contra o dia 16/12, para construir uma verdadeira saída pela esquerda!

Entendemos que a companheira Luciana Genro e a direção do MES erraram politicamente ao participar daquele ato da cúpula petista. Entendemos que não agiram corretamente ao não debater no PSOL a ida de Luciana nessa manifestação integralmente governista. Sabemos que Luciana é dirigente do MÊS, mas desde a campanha de 2014 ela voltou a se tornar um patrimônio de todo o partido, já que durante a eleição foi sua principal porta voz nacional. Por isso suas ações não podem ser decididas somente pela sua corrente, já que comprometem o conjunto do PSOL. E Luciana comprometeu todo o PSOL com sua presença naquele ato. E errarão de novo se não definirem claramente contra o ato governista do dia 16.

O Diretório do PSOL-RS reunido neste sábado não votou nada! Nenhum indicativo para sua militância. E segundo o ditado popular, “quem cala, consente”. Isso os coloca na mesma política da Unidade Socialista, que tanto criticamos juntos até bem pouco tempo.
Após a ida de Luciana à citada manifestação governista, Luiz Araújo faz um chamado à militância a não ficar em casa, e chama a defender Dilma no dia 16/12, junto ao PT, a CUT e a UNE. Infelizmente, nunca vimos Luiz Araújo chamar a militância a não ficar em casa para apoiar as ocupações dos estudantes paulistas, nem o vimos chamar a militância para apoiar nenhuma das muitíssimas greves que sacodem o país. E infelizmente ficamos enfraquecidos e desarmados para a batalha contra a US por conta do anti-exemplo que veio de Porto Alegre. Ficamos à direita da resolução da própria US que – até agora – chama apenas ao dia 16/12 e não a todas as manifestações “contra o golpe”.

Esperamos que Luciana e a direção do MES reflitam e mudem de orientação. Sigam o exemplo de Juntos, da APS, da Insurgência, da LRP, da TLS, da LS, da ala esquerda da Frente Povo Sem Medo, do Encontro Municipal de Niterói e do Diretório do Rio de Janeiro do PSOL, e de todos e todas que se pronunciaram publicamente chamando a não participar dos atos governistas do 16/12.

A saída de eleição gerais é incorreta, não fala em mobilização e tira o foco das lutas.

Não sabemos como foi a coluna do MÊS no ato da cúpula petista de POA, nem vimos suas bandeiras e muito sabemos se houve um panfleto ou intervenção colocando sua posição de eleições gerais. Mas ainda que tenham levado essa proposta, nosso entendimento é que ela é incorreta. A situação econômica para os trabalhadores e o povo está cada dia mais dramática. Boa parte dos governos estaduais e, provavelmente o do RS, estão parcelando salários e não sabemos se pagarão o 13º. Isso também deve ocorrer em muitos municípios. A “Pátria Educadora” segue com sua política de reestruturação das escolas, o que significa menos e piores escolas e professores mal pagos. No RJ, o governo do PMDB/PT investe nas Olimpíadas mas retira verbas da educação, da cultura, da saúde, pelo qual é provável que daqui a alguns anos tenhamos um aumento no número de analfabetos; os estudantes de SP deram aula de luta; a UERJ está ocupada frente à falta de verbas que impede seu funcionamento; em Angra dos Reis a patronal prepara a demissão de mais de 2 mil trabalhadores metalúrgicos dos estaleiros, e assim poderíamos seguir enumerando as demissões, baixos salários, catastrófica situação da saúde pública, etc, e inúmeras greves e ocupações por parte de trabalhadores e da juventudes.

Mas nos textos de Robaina e de Luciana não se fala uma palavra de greves, de lutas, dos ataques em curso, nem tem propostas para unificar e fortalecer estas lutas heróicas. Pelo contrário, chamam a que Dilma antecipe as eleições, pois essa seria a saída concreta frente a esta situação: Ou seja, chamar o povo a votar na expectativa que seja a própria Dilma quem antecipe as eleições. Um admirador da Luciana, Carlos Pegurski, Técnico-administrativo da UTFPR, escreveu: […] “Se há um ensinamento a tirarmos de junho de 2013, é que as respostas para uma nova sociedade não passarão pelos meios oficiais, burocráticos. Passarão pelas ruas e não pelos gabinetes. Serão fruto de uma ebulição espontânea e não pela via domesticada dos movimentos tradicionais. Terão vida própria.

A juventude que foi para as ruas em 2013 não assistiu as lutas sociais do século passado, que passaram pelas molduras da institucionalidade dos movimentos sociais (igreja, partido, sindicato). Hoje, essa não é mais uma condição. O sentido se inverte. São as igrejas, os partidos, os sindicatos que devem estar atentos ao que acontece e dar conta do novo. Quem quiser agarrar o hoje com as mãos rígidas pode deixar passar entre os dedos o frescor das primaveras das mulheres e dos estudantes ou das greves que atropelam direções reticentes.”
Nos parece que os companheiros da direção do MES, com os quais compartilhamos visão parecida das jornadas de junho de 2013, hoje estão mais preocupados com as eleições de 2016, com o tempo de TV, com mostrar programas sobre as “Cidades que queremos” e não com as lutas e greves. Esquecendo que também, se a esquerda participa corretamente tendo como eixo a ação direta das massas, poderá capitalizar eleitoralmente. Essa é a lição que nos deixa a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores da Argentina, ou o processo que deu origem a primeira vitória do Syriza na Grécia, que ocorreu após um poderoso ascenso e mais de uma dúzia de greves gerais (oportunidade desperdiçada pela horrorosa capitulação de Tsipras à Troika).

Então por isso uma pressão intensa pelas eleições “gerais”, sem apostar e estimular a mobilização permanente dos trabalhadores, da juventude e setores populares não conseguiremos construir alternativas às saídas conservadoras dos campos Petista e Tucano. Somente tendo como eixo a mobilização podemos resolver a crise do ponto de vista dos trabalhadores e do povo. As instituições estão questionadas e não devemos revitalizá-las, como pretendem os partidos da burguesia e políticos do PSDB e DEM com propostas de novas eleiçoes.

Por fim há um problema fundamental na ideia de eleições gerais. É que para conquistá-la é preciso derrubar Dilma e toda a linha sucessória da república, juntamente com os mandatos do Congresso. E para isso é preciso uma mobilização superior à de junho de 2013. E se ela ocorrer, como é a nossa aposta, não haverá necessidade de desviar a indignação das ruas para as urnas.

Então do que se trata é unir as forças de esquerda, construir uma frente social e politica que expresse um terceiro campo operários e popular, para unificadamente lutar contra os ataques e formular um plano econômico de emergência para o país. No imediato entendemos que isso passa por uma reunião ou plenária nacional de todas as organizações, parlamentares, movimentos sociais e juvenis, que não foram ao dia 13 com os tucanos e nem vão ao 16/12 com os petistas. Espaço de articulação que poderia ser realizado em São Paulo ou no Rio de Janeiro.

15/12/2015
Secretariado da CST-PSOL

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