Rio 2016 | Olimpíadas para quem?

Adolfo Santos (CST/PSOL-RJ)

Faltando menos de cinco meses para o início da Olimpíada Rio 2016, poucos são os sinais na cidade sede de que está perto de começar o maior megaevento que se realiza a nível mundial. O golpe de efeito calculado em 2007 e 2009, por Lula, Cabral, Paes e tantos outros políticos, quando venderam a alma ao diabo para sediar a Copa 2014 e as Olimpíadas 2016, não lhes serviu de muito. A expectativa destes políticos era gerar uma grande simpatia ao redor destes eventos para capitalizar eleitoralmente e aproveitar as grandes obras para, em conluio com as empreiteiras, fazer polpudos negócios.

Mas, a profunda crise econômica e política, que explode em meio de uma corrupção sistêmica escandalosa, geraram um cenário diferente. Hoje, o centro da atenção não passa pelo ritmo das obras Olímpicas, pelo interesse com os atletas que irão participar, nem pela quantidade de medalhas de ouro que poderemos obter. Não “somos todos olímpicos” como tenta fazer crer a campanha criada pela Globo para, no embalo emocional, ganhar audiência para suas transmissões. São outras as preocupações que concentram a atenção: a corrupção desenfreada, o descaso com a saúde e a educação pública, a greve dos professores, a luta dos secundaristas, o desemprego, a alta da inflação, a luta contra os despejos, os sistemáticos alagamentos por falta de obras públicas. Esses problemas cobram dimensão e se colocam por cima do suposto orgulho de pertencer à “Cidade Olímpica”.

Não poderia ser diferente. A experiência com a Copa 2014 com obras superfaturadas, algumas ainda inacabadas, com estádios caríssimos convertidos em verdadeiros elefantes brancos e sem o legado prometido, não deixam lugar para a euforia. A começar pelo orçamento. As Olimpíadas repetem a história mentirosa de que as obras seriam financiadas majoritariamente pela iniciativa privada. O dossiê que apresentava a candidatura do Rio para sediar os Jogos Olímpicos, calculava os custos do evento em R$ 28,8 bilhões, hoje essa suma ascende aos R$ 39 bi e se estima que o custo final alcance os R$ 44,4 bilhões sendo que, comprovadamente, a maior porcentagem desses gastos sairá dos cofres públicos.

Sabendo que a responsabilidade das obras de infraestrutura, estádios e legados projetados para este megaevento, como o Porto Maravilha, estão em mãos das empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato, como a Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Mendes Júnior e Carioca, deveríamos exigir uma imediata auditoria desses contratos para desvendar o verdadeiro custo dessas obras e quanto dinheiro pode ter sido desviado para a corrupção. Vejamos por exemplo as obras do Centro Olímpico de Tênis. Em dezembro de 2015, o prefeito Eduardo Paes inaugurou a obra, cujo custo total era de R$ 191 mi, declarando que apenas faltava 10% para sua conclusão. Agora, por atrasos, acaba de romper o contrato com a construtora anterior e, sem licitação, acordou com a Volume Construções a finalização da obra num valor de R$ 63,4 milhões, ou seja, mais de 30% do valor total, sendo que em dezembro já estava 90% concluída.

Também, como aconteceu no Mundial 2014, as Olimpíadas, por exigências do COI – Comitê Olímpico Internacional, gozará de isenções fiscais bilionárias. Em seu blog, o jornalista esportivo José Cruz denuncia: “Os Jogos Olímpicos Rio 2016 terão isenção fiscal de cerca de R$ 3 bilhões, praticamente 10% do rombo previsto para o Orçamento da União de 2016, na casa de R$ 30 bi. Segundo o portal Contas Abertas, a renúncia fiscal para a Olimpíada é maior do que o valor de isenção destinado ao programa Minha Casa, Minha Vida, que tem previsão de R$ 662 milhões para o próximo ano”. Este “presente”, concedido ao COI e às empresas a ele vinculadas foi estabelecido pela Lei 12.780 de 2013, votado por esse Congresso corrupto e aprovada pelo governo Dilma do PT/PMDB.

A população pobre e trabalhadora que se dane

Tampouco o legado prometido trará benefícios para a população pobre e trabalhadora. Orlando dos Santos Junior, professor do IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional), da UFRJ, pesquisador do Observatório das Metrópoles e um dos coordenadores de um extenso documento sobre o legado da Olimpíada declarou: “Esse Projeto Olímpico está, na verdade, a serviço de um projeto de cidade excludente, na medida em que obras e intervenções são feitas sem participação popular, com favorecimento a grandes empreiteiras…” Reiterou que os cariocas “… estão perdendo a oportunidade de promover uma cidade mais justa, mais integrada. Estamos muito distantes de promover uma Olimpíada da integração social e estamos efetivamente vendo uma política de exclusão social sendo implementada na cidade do Rio de Janeiro”.

Com efeito, apesar da Carta Olímpica estabelecer “o princípio de não discriminação” e respaldar a ideia de que os Jogos deixem um legado positivo às cidades sedes, assim como obrigá-las, mediante um código de conduta a respeitar os direitos humanos, esses princípios não estão sendo aplicados no Rio de Janeiro. Um dos maiores símbolos desse desrespeito aos direitos humanos foi a remoção da Vila Autódromo. Com métodos truculentos e covardes, o prefeito Eduardo Paes mandou cortar água e luz, demolir casas, espancar mulheres e crianças, expulsar moradores e acabar com a história de vida de dezenas de famílias que ainda não foram indenizadas nem realocadas de forma a compensar os graves prejuízos sofridos.

No que refere à segurança, o pesquisador Orlando dos Santos Junior denuncia “… o Projeto Olímpico está associado à ideia de vender o Rio de Janeiro como uma cidade segura, […] Mas na verdade, o projeto está associado a um processo de grande violência junto aos territórios populares, sobretudo aos jovens negros, que são as principais vítimas”. O dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas RJ e do Observatório das Metrópoles denuncia que “a política de segurança para a Olimpíada de 2016 é baseada na guerra, em extrema violência, na militarização e no racismo. Há uma política de genocídio, no sentido que a intervenção nas favelas é tão violenta que está associada ao sistemático assassinato de jovens negros”

A própria secretaria de saúde do estado de Rio de Janeiro atesta estas denúncias contra direitos elementares da população como demonstra a reportagem da jornalista Gabriela Saboia da CBN investigando a falta de medicamentos: “A Secretaria de Estado de Saúde do Rio deixou de fornecer materiais para a Unidade de Pronto Atendimento de São Gonçalo, na Região Metropolitana, para economizar para as Olimpíadas de 2016. O bloqueio dos insumos é revelado em documentos aos quais a CBN teve acesso com exclusividade. Em maio deste ano, o Instituto dos Lagos Rio, organização social que opera a UPA do bairro Jardim Catarina, solicitou à secretaria de Saúde oito reanimadores ambulatoriais adultos, utilizados em pacientes com problemas respiratórios”.

O meio ambiente que se dane. Além de destruir parte de uma área de preservação ambiental, com a construção de um campo de golfe, para favorecer projetos imobiliários ligados às empreiteiras, acaba de ser anunciado que “nenhum dos grandes projetos ambientais ligados às Olimpíadas será concluído antes do início dos Jogos”. A prefeitura do Rio de Janeiro não conseguiu cumprir o principal projeto a nível ambiental: a despoluição da Baía de Guanabara. Agora, abandonou o projeto de recuperação de rios cariocas anunciado como legado da Rio-2016 para a cidade, compromisso assumido no chamado caderno de encargos dos Jogos Olímpicos de 2016. Em verdade, a execução desses projetos ambientais prometidos ao COI (Comitê Olímpico Internacional) parou no final do ano passado, após sucessivos atrasos. Por conta desses atrasos, a prefeitura do Rio rescindiu o contrato que mantinha com o consórcio formado por duas construtoras, a Andrade Gutierrez e a Carioca Engenharia. Ambas estão envolvidas em esquemas de corrupção apurados na Operação Lava-Jato. (Fonte: Vinicius Konchinski, UOL/RJ 17/03/2016)

A prática do esporte amador que se dane. No esportivo tampouco vai ficar um legado para a população carioca usufruir a pratica do esporte ao alcance de todos. Ninguém acredita que equipamentos esportivos como o Estádio de Remo da Lagoa, o Campo de Golfe (Barra da Tijuca), o Parque Olímpico (Barra da Tijuca), o Maracanã, o Estádio de atletismo Célio de Barros, o Parque Aquático Júlio Delamare, e a Marina da Glória (Aterro do Flamengo) poderão ser utilizados pela população em geral. Ficarão longe do espírito amador que deveriam inspirar as Olimpíadas e que poderiam incorporar amplos sectores da população à prática do esporte. Em primeiro lugar porque a maior parte dessas obras, realizadas com financiamento público, serão privatizadas, como já ocorreu com o Maracanã, mas além disso, porque muitas dos equipamentos existentes foram demolidos. “Assim, o esporte, ao invés de ser um direito fundamental vinculado à cultura, à educação, à saúde e ao acesso à cidade, se transforma em um negócio que beneficia grandes grupos empresariais. E usando a força simbólica que o esporte tem, os governantes legitimam um projeto de cidade que gera especulação imobiliária, entrega equipamentos públicos para grupos privados e promove desigualdades sócio espaciais”, denuncia o Dossiê sobre as Violações ao Direito ao Esporte.

Não vamos pagar a conta Olímpica

A pesquisa “Jogos Olímpicos – percepção e engajamento”, da Hello Research, divulgada no site HuffPost Brasil, mostra que a Olimpíada do Rio de Janeiro parece não empolgar em nada o brasileiro. Faltando menos de 150 dias para a abertura do maior evento esportivo do planeta, apenas 24% se dizem animados com os Jogos. Além da falta de ânimo, para 82% dos entrevistados, o dinheiro investido nos Jogos Olímpicos deveria ser empregado na solução de problemas reais para ajudar a população. E 75% acredita em desvios de verbas públicas nas obras. (Fonte: Eco-Debate)

Essa pesquisa demonstra que os grandes desafios do Brasil e do Rio de Janeiro não estarão nas pistas de competições Olímpicas. Tudo indica que os principais eventos se darão nas ruas, na luta contra a corrupção sistêmica, contra o ajuste econômico do governo, contra a epidemia de dengue, zika e chicungunya, por melhores serviços públicos na saúde, educação e transporte. Porém, a Olimpíada irá acontecer e temos que nos preparar para que o legado desse megaevento não seja só de dívidas e maior desigualdade. Temos que aproveitar para organizar a luta e denunciar os responsáveis desta catástrofe: os governos federal, estadual e municipal. É inconcebível que num estado e num município onde os professores e servidores públicos não recebem seus salários em dia, onde se cortam gastos com a merenda escolar, onde se param as pesquisas sobre o flagelo da zika por falta de recursos, se continue bancando um megaevento que não deixará benefícios à população.

A irresponsabilidade do governo está gerando um endividamento extra para a cidade, como explica a economista Sandra Quintela em entrevista ao site IHU: “No caso das Olimpíadas, a cidade do Rio de Janeiro quadruplicou seu orçamento nesse último período, não a partir da arrecadação de impostos, mas por um processo de endividamento do município.” Além do desequilíbrio financeiro, a economista cita o processo de privatização das cidades como sendo o resultado mais perverso do modo de conduzir a promoção desses eventos no país. “A reorganização das metrópoles a partir desses megaeventos esportivos visa exatamente privilegiar a especulação imobiliária e a privatização da cidade em todas as dimensões, por um processo brutal de exclusão e gentrificação* em nome da ‘cidade produto’, da ‘cidade mercadoria’, que precisa ser vendida como vitrine para esses eventos”

Por tudo isto, será necessário abrir uma ampla investigação sobre os contratos e os custos das obras realizadas para as Olimpíadas pelas empreiteiras da Lava Jato junto aos partidos investigados por corrupção como o PT e o PMDB. Para tanto, será necessária muita mobilização para pressionar e exigir a realização dessas investigações e poder determinar os fatos de corrupção e os responsáveis e beneficiados dos mesmos para aplicar as punições cabíveis e demandar a devolução do dinheiro aos cofres públicos. Desde já devemos exigir que se cortem todos os gastos oficiais para com os Jogos Olímpicos e que se destine esse dinheiro para honrar os salários atrasados dos professores e demais servidores públicos do estado e da prefeitura. Que os gastos com as Olimpíadas sejam assumidos pela iniciativa privada, tal como foi prometido. Ao final, não vamos pagar uma conta que não é nossa!

*Gentrificação: o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada.

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