Contra o patriarcado, sim. Contra o Capitalismo, também.

Reproduzimos uma polêmica das Mulheres de Izquierda Socialista (Argentina) com as companheiras do Partido Obrero, os dois partidos que conformam a FIT (Frente de Esquerda)

Debate com os companheiros do Partido Obrero sobre a luta contra a opressão às mulheres

Na última semana e com a multitudinária mobilização de Nem uma a menos no meio, alguns dirigentes do Partido Obrero têm expressado, através das redes sociais, sua posição com relação ao carácter que deve ter a luta das mulheres trabalhadoras.

As Mulheres de Izquierda Socialista, em nome de nosso partido, queremos polemizar fraternalmente com essa posição dos companheiros do PO, integrante da FIT, já que entendemos que denota um grave erro de análise que tem, como não poderia ser de outra maneira, repercussões políticas.

Os companheiros do Partido Obrero sustentam: “A luta não é contra o “patriarcado”, mas por terminar com toda forma de opressão e exploração, ou seja, com o capitalismo.”. Poderíamos ter escolhido outras expressões de características semelhantes; entendemos, porém, que essa frase engloba com bastante clareza a polémica.

Nós afirmamos que a luta é sim contra o patriarcado (sem aspas) e contra o capitalismo, porque entendemos eles como duas formas de dominação que se complementam para superexplorar as mulheres trabalhadoras e formam um mesmo sistema: o capitalismo patriarcal. A exploração capitalista é machista e patriarcal desde sua origem e em seu sentido mais profundo, como tem sido em todas as sociedades de classes. Não podemos perder nunca de vista isto.

Como marxistas, sabemos que a principal divisão da sociedade é a divisão em classes sociais: exploradores, por um lado, e explorados, pelo outro. Em ambos bandos há pessoas de todos os géneros, nações e cores. Reconhecer essa divisão antagônica da sociedade serve-nos para nos colocarmos sempre do lado dos explorados, sem exceção, e para lutar por mudar revolucionariamente as relações de exploração que degradam a imensa maioria da humanidade e a mantêm na miséria. Porém, como socialistas revolucionários/as, não só lutamos contra a exploração, mas contra todas as formas de opressão. E não só porque são injustas, mas porque no capitalismo ambas se combinam para esmagar duplamente os oprimidos. O capitalismo, mais ainda na sua época imperialista, aproveita todas as situações de opressão, noutras palavras, todas as “diferenças” culturais ou ideológicas que encontra ou cria na sua passagem para separar a classe dos explorados e imprimir distintos níveis de exploração. É assim como conseguem aumentar a extração de mais-valia nalguns setores sociais: os negros nos Estados Unidos, os palestinos em Israel, os bolivianos na Argentina, e as mulheres em todo o planeta.

É importante uma precisão neste sentido. Há exploração e há opressão, é verdade. Porém, não está certo dizer simplesmente que a opressão é machista e a exploração é capitalista. Ambas são as duas coisas ao mesmo tempo. Noutras palavras, a mulher que é oprimida no lar, também é explorada como dona de casa pelo seu trabalho não retribuído nas tarefas de reprodução, e a mulher que é explorada no trabalho assalariado -ao igual que seus companheiros homens- também é oprimida, particularmente recebendo salários menores, tarefas menos qualificadas, acosso laboral, etc.

O patriarcado, quer dizer, o sistema milenar que propicia a opressão das mulheres pelos homens, surgiu na passagem da barbárie à civilização com a instauração da família monogâmica e significou -em palavras de Engels- a maior derrota histórica das mulheres. Com o aparecimento desta opressão surgiu a primeira forma de propriedade privada e com isso, a primeira forma de exploração: “o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a do sexo feminino pelo masculino.” (…) “O homem é na família o burguês; a mulher representa na família o proletário”. A passagem à família monogâmica respondeu à necessidade de os homens estabelecerem a linha paterna e garantir a herança dos primeiros bens de propriedade privada que existiram. Quer dizer, o patriarcado não é simplesmente uma ideologia nem muito menos uma moda; é um sistema de opressão com bases materiais que se combina, em nossos dias, com o capitalismo para conseguir explorar em maior medida a metade da humanidade, as mulheres.

Através também de redes sociais, o companheiro Jorge Altamira da direção do Partido Obrero, declarou que não estava certo “penalizar” o machismo. Com certeza, nossa tarefa não é penalizar. Porém, nos parece sim importante discutir que o machismo é uma ideologia que as classes dominantes utilizam como falsa consciência, porque é funcional ao interesse capitalista, por isso temos que denuncia-lo e combate-lo. Recordemos simplesmente o caso do feminicídio conhecido no ano passado no qual um capataz assassinou uma das garotas que trabalhava na fazenda e declarou ter feito isso porque: “ela não me registrava, me ignorava”. Isto não é possível ser explicado só pelas relações econômicas de exploração, é preciso compreender o conteúdo profundamente patriarcal das relações humanas nas quais a mulher é objeto de uso do homem. É verdade que entre um proxeneta que trafica mulheres e um operário metalúrgico, embora ambos possam ser machistas, há um abismo. Ao burguês ou ao mafioso que vive do tráfico de mulheres, nós queremos que seja perseguido, que vá preso, acabar com seu repugnante “negócio”. Ao operário, nós queremos educa-lo, explicar para ele pacientemente que sua inimiga não é a mulher, mas os patrões. Como destaca lucidamente Evelyn Reed: “No curso de nossa luta e como parte da mesma, reeducaremos os homens que tenham sido induzidos a acreditar cegamente que as mulheres são por natureza o sexo inferior, devido a algumatara em sua estrutura biológica. Os homens deverão aprender que seu chauvinismo e sua superioridade são outras das armas em mãos dos patrões para conservar o seu poder.” 

É importante entender que não alcança só com abrir o guarda-chuvas de: lutamos contra toda forma de opressão e exploração. A luta democrática pela emancipação das mulheres tem especificidades próprias iniludíveis. Tanto é assim, que na Argentina, está se desenvolvendo um importante crescimento das lutas do movimento das mulheres por reivindicações específicas. A tarefa de os/as socialistas revolucionários/as não pode ser negar essas reivindicações particulares e coloca-las no mesmo saco de todas as reclamações sociais. As lutas democráticas do movimento de mulheres têm um conteúdo profundamente antigovernamental, anticlerical e progressivo que temos que desenvolver e não negar. Faz já muitas décadas, os partidos operários da Segunda e da Terceira Internacional têm se encarregado de discutir as melhores tácticas para somar às mulheres operárias a suas fileiras. Tirar especificidade a suas lutas, empurra as mulheres trabalhadoras que estão sendo parte agora desta vanguarda que sai às ruas, não a nossas fileiras, mas às de nosso inimigos de classe que, como vemos, têm sim política específica para elas.

As Mulheres de Izquierda Socialista somos parte das lutas feministas que estão se desenvolvendo. Coincidimos muitas vezes, embora com debates, junto a companheiras do Plenário de Trabalhadoras, de Pão e Rosas, da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto, e de muitas outras organizações de mulheres. Se, como expressam estes dirigentes do PO, não tivéssemos que lutar contra o machismo e o patriarcado, teríamos que falar para milhares de mulheres que estão saindo mobilizadas para as ruas que renunciem a suas palavras de ordem contra a violência machista, pelo Nem uma a menos, o acosso laboral (repugnante expressão cotidiana do machismo) e todas as palavras de ordem concretas que se levantam contra o machismo e o patriarcado.

Sabemos que não haverá plena emancipação das mulheres até não acabar com a exploração capitalista e que triunfe a revolução socialista. Isso, porém, também não significa automaticamente o triunfo contra as relações de opressão patriarcais. Por isso, a tarefa dos/as socialistas revolucionários/as deve ser a de empurrar a lucha antipatriarcal antes e depois do triunfo da revolução. Apoiamos as luchas de todo tipo das mulheres no mundo todo, e dentro do movimento feminista nos alinhamos junto às mulheres da classe trabalhadora para acabar com a opressão e a exploração, na luta pelo Socialismo.

Mulheres de Izquierda Socialista na Frente de Esquerda

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