A derrota do PT e o desgaste da velha república burguesa

Por Diego Vitelo e Michel Tunes, da CST-PSOL

As eleições municipais confirmaram a existência de um processo de ruptura das massas com o PT e demonstraram a legião de indignados, que ‘não vota em ninguém’, ou seja, se abstêm, votam branco ou nulo. O resultado expressa, nas urnas, de forma distorcida, indireta e deformada, a insatisfação com os efeitos da crise econômica e social; com o país, em recessão desde 2014; com o aumento do custo de vida; a queda do rendimento médio real dos trabalhadores e o avanço do desemprego. Ao mesmo tempo, os escândalos de corrupção são fatores de irritabilidade, pois revelam esquemas que favorecem privilégios para políticos e executivos.

O repúdio, de ampla parcela da população, aos políticos que governaram o país nos últimos anos, atacando direitos e roubando dinheiro público, foi expresso nas principais capitais, afetando os maiores partidos da república, especialmente, o PT.

Em São Paulo, os que ‘não votaram em ninguém’ somam 3.096.186 eleitores, enquanto o candidato Dória (PSDB), eleito no primeiro turno, teve 3.085.181 votos. No Rio de Janeiro, somaram 42% do eleitorado, no primeiro turno – totalizando 1.866.621 eleitores; enquanto Crivella (PRB) e Freixo (PSOL) tiveram 842.201 e 553.424 votos, respectivamente. Em Belo Horizonte, foram 741.915 votos em ‘ninguém’, enquanto João Leite (PSDB) teve 395.952 e Alexandre Khalil (PHS), 314.845 votos. Ou seja, os dados não deixam dúvidas, existe um processo de ruptura de massas com o PT e um desgaste da falsa democracia burguesa e seus “mecanismos de representação”, cujas raízes estão conectadas com a revolta popular de junho de 2013 e às greves e lutas, desde então. Indicam ainda: não existiu uma alternativa política que capitalizasse esse imenso descontentamento.

PT: a derrota eleitoral dos traidores da classe trabalhadora

O PT foi o grande derrotado das eleições municipais. Das 630 prefeituras que o partido ganhou, em 2012, passou para 256, em 2016. Nos principais centros urbanos, o PT sofreu uma imensa derrota. Em São Paulo, onde dirigia a prefeitura, Haddad não conseguiu nem ir a um segundo turno. No Rio, a candidata apoiada pelo PT, Jandira Feghali (PCdoB), que levou Dilma para seu palanque, obteve pouco mais de 3% dos votos. No coração da classe operária brasileira e berço do PT, o ABC Paulista, o PT sofreu expressiva derrota. Os atuais prefeitos de Santo André e Mauá, Carlos Grana e Donizete Braga, passaram para o segundo turno em segundo lugar e em seguida perderam a eleição. Em São Bernardo, após 8 anos à frente da Prefeitura, o candidato Tarcísio Secoli, do PT, ficou em terceiro lugar. Em Diadema, também ficou fora do segundo turno.

Esse rechaço ao PT explica-se pela política nefasta que o partido implementou nos últimos 13 anos, passando a ser um gerente dos negócios do grande capital e traindo os interesses dos trabalhadores. Seus governos aliados ao PMDB e escórias da política brasileira (Maluf, Collor, Temer, Cunha, Renan, etc), servindo ao capital e curvando-se aos esquemas corruptos explicam esse desgaste do PT. Mais recentemente, com o aprofundamento da crise econômica, a então presidente Dilma aplicou um duríssimo ajuste fiscal, por meio das Medidas Provisórias (MP’s), restringindo direitos previdenciários e trabalhistas, num gigantesco estelionato eleitoral.

O PSOL não foi uma alternativa

O PSOL não conseguiu capitalizar a enorme crise do PT e o fenômeno expresso pelo ‘voto em ninguém’. Por exemplo, nos bastiões operários no ABC Paulista, o PSOL não elegeu nenhum vereador e as candidaturas a prefeito tiveram pequenas votações. Na cidade de São Paulo, Luiza Erundina obteve um fraco resultado. Em Porto Alegre, Luciana Genro ficou atrás de Raul Pont, em que pese ter começado a campanha em 1º lugar, nas pesquisas.

Em nível nacional, o PSOL compôs uma frente social e política com o PT e PCdoB. No auge da crise política, as correntes Unidade Socialista, Insurgência e deputados, como Freixo e Jean Wyllys, construíram os atos em defesa de Dilma e de Lula e deixaram em segundo plano a batalha contra o ajuste fiscal, que o governo petista vinha aplicando contra os trabalhadores. Isso identificou o PSOL ao ‘cadáver decomposto’ do PT. Essa unidade com esses partidos odiados pela classe trabalhadora impediu o PSOL de se postular como uma alternativa de massas.

Além disso, o PSOL não é o partido das greves e das lutas da classe trabalhadora. A maioria de suas correntes não apresentou as reivindicações da classe trabalhadora, nas eleições, centrando em propostas para ‘melhorias’, dentro da lei e da ordem burguesa. Em geral, o PSOL manteve-se restrito aos setores mais abastados da classe média, os mais identificados com a política central desses grupos, baseados em eixos democráticos ou de opressões, desvinculadas de uma perspectiva de classe e dos ataques que os governos aplicam. Pior que isso, foram as sinalizações à direita, durante o segundo turno – Marcelo Freixo e Edmilson Rodrigues deixaram explícito, o objetivo de não entrar em choque contra os interesses dos empresários. Um PSOL light e palatável. Algo que merece profunda reflexão.

Não sabemos se uma política classista permitiria vencer as eleições. Como em toda greve, ou ocupação, pode-se vencer, ou não. Independentemente dos votos, essa política correta ajudaria a construir um campo alternativo dos trabalhadores e do povo para enfrentar de forma consequente o ajuste fiscal de Temer. Possivelmente, um amplo setor iriar sair mais consciente, organizado e coeso para enfrentar o novo governo burguês, em caso de derrota.

O PT de Lula e Dilma é de esquerda?

Para a maioria do PSOL, o PT integra um campo de ‘esquerda e progressista’. No entanto, o PSOL nasceu fruto da traição de classe, cometida pelo PT. Lula e Dilma aplicaram políticas neoliberais a serviço dos bancos, agronegócio e empreiteiras. Poderíamos partir da carta de Lula ao povo brasileiro; da indicação de Henrique Meirelles (ligado ao PSDB) à presidência do Banco Central; da privatização da Previdência, aprovada através do esquema do “mensalão”; do Código Florestal ruralista, elaborado por Aldo Rebelo; a Ebsher, que privatizou os Hospitais Universitários… PT e PCdoB adaptaram-se à corrupção da republica burguesa. Nas eleições de 2016, o PT coligou-se com o PMDB em mais de mil municípios e, no segundo turno de Porto Alegre, o PCdoB apoiou o PMDB. Nas eleições, na Câmara dos Deputados, o PT votou no PMDB, no primeiro turno, e no DEM, no segundo. Dilma governou com Katia Abreu – a chefe dos ruralistas. Teve como ministro, Joaquim Levy, um dos elaboradores do “programa econômico”, de Aécio Neves, para as eleições de 2014. Ou seja, o PT e o PCdoB encabeçaram um governo de direita, conservador, fisiológicos e neoliberal. É importante lembrar que os principais ataques do governo ilegítimo de Michel Temer foram formulados nos governos do PT/PCdoB. A PEC 241, teve sua ideia formulada por Palocci e foi apresentada por Dilma, em fevereiro deste ano (Novo Regime Fiscal); a reforma da previdência foi retomada por Dilma, em 2014; a reforma trabalhista era um objetivo de Lula, que Dilma deu encaminhamento por meio do Programa de Proteção aos Empresários(PPE), que reduzia o salário dos operários nas fábricas.

As urnas mostram uma “onda conservadora”?

A análise feita por diversos setores da esquerda é que as urnas mostram um “fortalecimento do conservadorismo”. Nos últimos anos, conforme o PT foi perdendo força, esses setores passaram a propagandear essa linha. Nós discordamos dessa visão porque ela ainda identifica o PT com a esquerda e erra ao explicar a perda de votos do PT, como fruto de um “avanço conservador”.

Em nossa opinião, a crise do PT é um fenômeno progressivo e não expressa um giro conservador das massas. Um fenômeno que atualmente se expressa majoritariamente no ‘voto em ninguém’, no descrédito dos partidos tradicionais e do próprio regime político, de 1988.  Um fenômeno que deixou os atuais prefeitos com menos representatividade para aplicar o ajuste fiscal e, por essa via, enfrentar as massas. O que está acontecendo é a decadência dos partidos e dos governos de conciliação de classes; dos que defendem ser possível ‘governar para todos’, como se fosse possível satisfazer os interesses de classe opostos da burguesia e do proletariado; que o Estado burguês seja ‘neutro’ e o capitalismo possa vir a ser humanizado, ou seja, acontece a decadência da estratégia reformista, dentro do sistema capitalista. Um projeto que ajudou a  fortalecer partidos como o PRB, de Crivela, estimulado com ministérios, cargos e emendas, durante os governos Lula e Dilma.

O PMDB, partido que governa a nação, também não teve bons resultados. Em primeiro lugar, porque precisou esconder o presidente Temer, durante toda a campanha. Não existiu nenhum candidato do PMDB, e nem da base aliada, que ousasse colar sua figura na de Temer. Segundo, porque o PMDB sofreu uma brutal derrota no Rio de Janeiro. O Rio foi a principal cidade governada pelo partido nos últimos anos e também o grande laboratório da política desastrosa, selada na aliança, de mais de 10 anos, com o PT carioca. E o PMDB nem sequer foi para o segundo turno. O PMDB também foi mal em SP. O grosso de suas prefeituras ficou localizado, em pequenas cidades.

O setor da velha direita que cresceu de forma expressiva foi o PSDB. A vitória importante no primeiro turno em São Paulo mostra isso. Outras capitas como Porto Alegre, Belém, e cidades operárias do ABC paulista, também. Mas é um fortalecimento conjuntural e limitado. As massas buscaram derrotar o PT e, erradamente, buscaram os tucanos e inúmeras outras siglas burguesas, pois não visualizaram uma real alternativa de esquerda. Em várias cidades, esse fenômeno se repetiu com partidos tão ou mais corruptos e ajustadores que o PT. Lógico que a direita tucana, com um discurso de oposição ao PT, e na ausência de um forte polo de oposição de esquerda, conseguiu ‘se dar bem’ em várias cidades importantes. O PSDB vai utilizar esse capital político eleitoral para aplicar o ajuste fiscal, no Congresso, nos estados e municípios, porém o ajuste é uma agenda impopular. Quando os novos prefeitos aplicarem as medidas de ajuste fiscal, seu apoio cairá, inevitavelmente. O próprio Dória, em SP, diz que pretende manter congelada as tarifas de ônibus, afirmando querer evitar novas mobilizações como as jornadas de junho de 2013. Doria sabe do que está falando porque o governador Geraldo Alckmin foi derrotado pela onda de ocupações secundaristas, recentemente.

Outro tema para o debate, de forma mais global, é sobre se existe um giro conservador na conjuntura no terreno das lutas. Vemos na histórica greve dos bancários, que atravessou as eleições; e o ascenso secundarista, que tem como ‘ponta de lança’ o Paraná, a expressão de importantes possibilidades para a esquerda, na luta de classes, no próximo período. Vitórias das lutas, como a prisão do bandido Eduardo Cunha, vão no mesmo sentido. Ou seja, será no terreno da luta de classes que se definirá a disputa entre o governo PMDB/PSDB e o movimento de massas.  Se existisse uma onda conservadora, como afirmam alguns setores, as massas estariam apoiando a PEC 241; a “Escola sem partido”, a Reforma da Previdência ou apoiando projetos do governo Temer. Não há nada parecido com issao. Portanto, seguir insistindo na ‘onda conservadora’, no discurso do medo, será funcional apenas para o PT se rearticular por meio de uma suposta frente ‘progressista’ contra os ‘conservadores’, nas eleições de 2018.

Construir uma alternativa de esquerda

A falência do PT e a crise da falsa democracia burguesa colocam a esquerda brasileira frente ao enorme desafio de construir uma alternativa política que consiga capitalizar a imensa indignação popular. Um campo alternativo ao PMDB/PSDB e ao PT/PCdoB, diferente de siglas burguesas como a REDE. Isso é importante para mostrar uma saída política aos lutadores que ocupam escolas, realizam greves, tomam as ruas contra a PEC 241. Algo novo que dialogue com os quase 40%  de eleitores que hoje não encontram saída nos partidos tradicionais e apresente um programa classista aos que votaram no PSOL, PCB e PSTU, nas principais cidades do país.

 

(texto publicado na edição nº 77 do Combate Socialista)

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