O transporte é público, o nosso corpo não!

Bianca Damacena – Militante CST e doPSOL RS & Priscila Guedes – Militante CST e do PSOL SP

A cada dia que passa, cresce o número de mulheres que sofrem assédio dentro (e fora) de transportes públicos. Quando entramos em um ônibus ou trem/metrô lotado, já nos preocupamos logo em ficar em algum lugar “seguro”, onde não sejamos encoxadas ou alisadas. No entanto, sabemos que não estamos seguras e que o machismo possui distintas formas de nos agredir. Quando saímos do transporte, ainda nos preocupamos em chegar a salvo ao nosso destino, sem sermos abordadas e virarmos estatística nos índices de violência contra a mulher.

O Brasil é o 5° colocado no ranking de piores países para mulheres viverem, pois aqui as taxas de feminicídio e outros tipos de violência de gênero são muito altas. Segundo o censo do Senado Federal, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. São 130 mulheres por dia. E essas são apenas 10% das vítimas que denunciam.

Essas estatísticas ficam ainda mais difíceis de engolir quando percebemos que a violência estatal e judicial corrobora para que continuemos sendo violadas em nossos direitos: hoje a pena para estupradores é de 6 a 10 anos de reclusão, mas o que prima é a impunidade. Isso contribui, e muito, para que as vítimas decidam apenas (tentar) seguir a vida sem prestar queixas, pois acreditam que “não vai dar em nada”.

Além disso, a sub-notificação dos casos de violência contra a mulher também está relacionada ao fato de que enfrentamos uma segunda violência no momento da denúncia. Ainda são poucas as Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM) espalhadas pelo país e que, no geral, não contam com profissionais especializados. O machismo que se reproduz nesse espaço também faz com que se questione a vítima e o que ela estava fazendo ou vestindo e não o agressor. Os governos, como o de Temer (PMDB/ PSDB), que cortam verbas dos programas de combate à violência contra a mulher e seguem tentando cada vez mais atacar nossos direitos, são os principais responsáveis por essa situação.

No dia 29 de agosto, um homem se masturbou e ejaculou no pescoço de uma mulher em um ônibus que passava pela Avenida Paulista em São Paulo. O agressor foi preso em flagrante pelo crime de estupro, mas foi solto em seguida após a audiência de custódia. Na ocasião, o juiz, José Eugênio do Amaral Souza Neto, do Tribunal de Justiça de São Paulo, algeou que “não houve constrangimento ou violência”. O caso foi enquadrado como “contravenção penal”, de acordo com artigo 61 da Lei de Contravenções Penais de 1941. No sábado, o agressor, que já acumulava 17 acusações de crimes sexuais, voltou a cometer ato semelhante em um ônibus de São Paulo e novamente preso em flagrante. Dessa vez, sua prisão preventiva decretada.

Nas redes sociais, mulheres do país inteiro se indignaram e repudiaram a decisão tomada pelo juiz José Eugênio. Não aceitamos que tal ato não seja encarado como uma violência às mulheres. Não aceitamos que essa violência seja banalizada pela justiça machista e misógina, que é conivente com as diversas agressões contra nós mulheres, enquanto criminaliza o aborto, nos condena quando fazemos topless e nos questiona sobre o que estávamos vestindo quando somos vítimas de assédio.

Alguns debates surgiram a partir da repercussão desses casos. Em primeiro lugar sobre a própria definição do ato em si, pois diversos juristas alegam que, segundo a lei, o crime não caberia na tipificação de estupro, mas também reconhecem que o problema encontra-se na própria legislação. Segundo a professora de Direito Penal da FGV Maíra Zapater: “No meu entender, o caso configura estupro. É importante frisar que quando a lei penal passou a ter essa previsão do crime de estupro, uma alteração que aconteceu em 2009, ela criou um problema que é colocar dentro do mesmo artigo da lei condutas muito variadas quanto à gravidade. (…). A pena mínima de seis anos para o crime de estupro é uma pena excessivamente severa para um caso como esse. Mas como a gente não tem nenhuma categoria intermediária, o que alguns juízes fazem é dar essa outra denominação que é importunação ofensiva ao pudor. E aí, a meu ver, acabam dando uma classificação errada, porque por pior que seja o artigo da lei, o tipo penal é esse. Teria que ser pensada outra solução, mas não dizer que não houve violência.

O agressor Diego Ferreira de Novais (a esquerda); e o juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto (a direita)

Numa sociedade que espera que nós nos calemos frente aos casos de agressões e assédios sofridos, não é nenhuma surpresa que as leis não sejam claras sobre os casos de violência à mulher. O que fica claro é que, independente disso, a atitude do juiz José Eugênio do Amaral Souza Neto é totalmente machista e repudiável. Pois teria sido possível dar um outro tipo de encaminhamento ao caso que reconhecesse a violência sofrida pela vítima. Mesmo com as especulações de que o agressor sofria de problemas mentais algum encaminhamento deveria ter sido dado. O que mais espanta é que foram necessários de 18 casos de assédios contra mulheres para que alguma ação tenha sido tomada.

Não temos dúvidas que é necessário punir estupradores e feminicidas. Muitas vezes é a própria certeza da impunidade o que estimula que muitas mulheres sejam agredidas, violentadas e mortas. Ao mesmo tempo, também defendemos que é preciso que existam políticas de combate e prevenção à violência contra a mulher, que incluam campanhas públicas contra o machismo e a violência, o debate de gênero nas escolas, e ações educativas voltadas à sociedade de modo geral. É preciso parar de culpar as vítimas! É preciso que o Estado execute medidas preventivas e corretivas mais eficazes e duras. É preciso que tenhamos educação de gênero nas escolas para terminar de vez com a cultura do estupro.

Basta de violências contra as mulheres!

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