Caminhoneiros – Um tsunami joga o governo na lona

Sem desabastecimento de apoio popular, o movimento dos caminhoneiros foi um verdadeiro tsunami que paralisou o governo. Nem os acordos com setores patronais conseguiram pôr fim à greve. Segundo O Globo, nos bastidores do Planalto se ouvia: “a sensação reinante é que o governo foi atropelado pela greve dos caminhoneiros, ficou zonzo e ainda terá de […] evitar novos protestos”.

por Adolfo Santos


 

A greve dos caminhoneiros, que durou 10 dias, foi um fato político colossal que escancarou a crise do já moribundo governo Temer. O movimento dos caminhoneiros foi um verdadeiro tsunami que paralisou o governo durante os dias da greve. Nem mesmo o acordo com setores patronais e de pouca representatividade, assinado em 24 de maio, conseguiu pôr fim à greve. Segundo Valdo Cruz, analista d’O Globo, nos bastidores do Planalto faziam a seguinte análise: “a sensação reinante é que o governo foi atropelado pela greve dos caminhoneiros, ficou zonzo e ainda terá de administrar o rescaldo da crise para evitar novos protestos”. Não poderia ser diferente quando centenas de piquetes, espalhados por todo o Brasil, passaram a controlar o fluxo de cargas que determina a vida da maioria dos brasileiros.

Imagem de Goionews

Piquete de caminhoneiros em rodovia de Goiás.

O movimento, que entre suas reivindicações mais visíveis questionava os abusivos aumentos do preço do óleo diesel, culminou em importantes vitórias políticas e econômicas. Entre outras medidas, obrigou o governo Temer a reduzir o preço do combustível, que fica congelado por 60 dias, e a editar uma serie de decretos para satisfazer as demandas dos caminhoneiros, como as relativas à questão dos fretes. Claro que, agora, essas medidas deverão sair do papel, o que no caso do preço do combustível será uma batalha a ser vencida. Mas esse acordo questionou um dos pilares do ajuste deste governo: a política de preços da Petrobrás atrelada ao preço do dólar e do barril do petróleo, um mecanismo imposto pelos grandes acionistas da estatal para valorizar suas ações e obter grandes lucros. O governo prometeu manter os lucros da Petrobrás, só que até agora não sabe bem de onde vai tirar esses recursos e mira novamente as áreas sociais. Daí a queda de Pedro Parente, queridinho do mercado e idealizador deste sistema sinistro para favorecer os grandes investidores, ignorando o papel social que a Petrobrás, como empresa estatal, deve cumprir para com a população trabalhadora.

Temer tentou, primeiro, a deslegitimação na mídia em tom feroz. Em segundo pronunciamento, anunciou concessões em tom manso. Após isso, por mais 4 dias a greve continuou atropelando o governo

Mas não só o governo sai mais fraco depois desta greve. O regime em seu conjunto dá sinais de debilidade. Assim como o governo, não tem pilares fortes sobre os que se sustentar. Recheado de denúncias por corrupção, o Congresso, além de não ter moral nem credibilidade, tenta tomar distância do governo para não se contaminar com a impopularidade de Temer. O STF nem apareceu na greve, nem interveio para resolver. Seu papel continua se limitando a administrar a enxurrada de denúncias de corrupção contra os principais partidos e suas lideranças, prendendo e liberando dirigentes políticos e empresariais, na tentativa de proteger o regime de um desastre maior. E as próprias forças armadas não conseguem ter um papel relevante nem em questões de segurança, como demonstra a falida intervenção federal/militar no Rio de Janeiro, nem cumprem um papel de destaque no próprio governo Temer onde detêm importantes cargos.

Sem desabastecimento de apoio popular

A greve dos caminhoneiros contou com um massivo apoio popular. Segundo o Datafolha, 87% da população apoiava a greve e as reivindicações dos caminhoneiros, ou seja, nem o desabastecimento, que atingiu sobretudo a população trabalhadora, fez com que a greve se tornasse impopular. Pelo contrário: em vários piquetes de rodovias, a população saia em passeata dos bairros para apoiar a greve levando mantimentos e solidariedade aos piqueteiros. E outras categorias, como motoboys, taxistas, motoristas de Uber e até de vans em muitos estados se somaram aos protestos expressando sua insatisfação com o governo e suas políticas econômicas.

Vans escolares se somaram aos caminhoneiros e pararam avenidas de São Paulo e outras cidades

O desabastecimento causado pela greve foi gigantesco. Pela falta de combustíveis, ônibus deixaram de circular, serviços de bombeiros, polícia e ambulâncias ficaram restritos, voos foram cancelados, sem falar em produtos alimentícios e de remédios, que se tornaram escassos ou reduzidos. Escolas e universidades suspenderam as aulas e fábricas deram férias coletivas para seus empregados. De fato, o país parou. Para ser ter uma ideia, no feriado prolongado, somente 42% os hotéis no Rio de Janeiro estavam ocupados e muitas pessoas desistiram de viajar por conta da crise. Nada disto fez diminuir a simpatia com o movimento grevista! A população trabalhadora sentia a mesma necessidade dos caminhoneiros: derrotar este governo ilegítimo, corrupto e impopular, que tenta resolver a crise econômica descarregando brutais planos de ajuste sobre os mais pobres.

Intervenção militar: um grito de socorro 

Em meio deste espetacular movimento surgiram setores que pediam a intervenção militar no país, um pedido que foi deixando de ser uma bandeira exclusiva de pequenos setores reacionários, e começou a ser visto como uma possibilidade real por setores ligados ao movimento para tirar Temer e acabar com a corrupção. Muitos companheiros bem-intencionados, mas confusos, defendiam essa proposta nos piquetes. Porém, na medida em que explicávamos o perigo da mesma, conseguíamos deixar vários deles reflexivos, quando não mudavam de opinião. Mas esse debate vai além dos caminhoneiros. Na medida em que setores mais amplos da população, a partir da greve, podem começar a simpatizar com essa política.

Exército garante circulação de caminhões-tanque próximo a refinaria da Petrobrás em Paulínia, SP. Enquanto confusão sobre intervenção continuava, general ministro da Defesa prometia ‘ação rápida, integrada e enérgica’ nas rodovias. Imagem de Edilson Dantas / Globo

A heterogeneidade do movimento, a crise econômica e política, a falta de confiança provocada pelas traições das velhas direções como o PT, e a falta de alternativa pela esquerda (e até burguesa!) com alguma credibilidade, gera uma enorme confusão em amplos setores, como se expressou no movimento dos caminhoneiros. O que mais encontramos é a desesperança generalizada e o desespero, frente ao vácuo existente. Como diz a antropóloga Rosana Pinheiro Machado: “Pedidos de Intervenção militar são um grito de socorro de uma população descrente …Não é um pedido por uma nova ditadura, mas sim para parar com a roubalheira e dar rumo para um país desgovernado” (El País, 2/6/2018). Ou seja, não está associado a um regime opressor, mas à procura desesperada por uma saída que as libere da crise e da corrupção, algo que as velhas direções já não oferecem.

Muitos grevistas acreditavam que somente os militares poderiam acabar com a corrupção no país. Uma parcela apoiava Bolsonaro, existiam os que estavam pelo Fora Todos e a grande maioria não queria mais votar em ninguém, num sentimento de que “ninguém nos representa”. Dentre tudo isso, o que predominava era o Fora Temer e o nojo pela corrupção. O sentimento pró-militarista é difuso, mais vinculado à crise e à total ausência de alternativas do que a um clamor por um regime militar. É a expressão da falta de esperanças da população trabalhadora que pode levar setores da direita política e/ou militares, e ainda Bolsonaro, a ocupar parte desse vazio de direção. Por isso, necessitamos rejeitar com clareza essa proposta explicando pacientemente aos trabalhadores em que consiste uma intervenção militar e oferecer uma saída de classe.

O papel das direções

A greve dos caminhoneiros começou isolada, sem apoio das principais centrais sindicais. Só a Conlutas e a CTB desde o início haviam declarado apoio ao movimento. A CUT, após alguns dias de greve, limitou-se a declarar apoio formal ao movimento, negando-se a unificar as lutas em curso e a convocar uma greve geral. Por sua vez, dirigentes do PT usaram as redes sociais contra a greve, dizendo que era locaute patronal, que os caminhoneiros haviam apoiado o Fora Dilma. Esta postura desastrosa dessas direções está vinculada a sua política de acordão com o governo Temer para proteger os acusados de corrupção e manter o regime político. Caso houvesse uma greve geral, poderíamos estar diante da queda do ilegítimo governo Temer e era justamente isso que essas direções queriam evitar. Por isso, a políticas dessas direções foi uma grande traição.

Petroleiros em greve de advertência, dias antes da queda de Pedro Parente, então presidente da Petrobrás. Nas assembleias, CUT e FUP defendiam ser ‘quase impossível’ dialogar com caminhoneiros.

Infelizmente o PSOL não teve uma política unificada para rodear de solidariedade a greve dos caminhoneiros e impulsionar a construção de uma greve geral capaz de derrotar o governo e seus planos de ajuste. Em quase todos os estados, sensibilizados, militantes e dirigentes psolistas participaram dos piquetes com espírito de luta, como fez nossa corrente, com Babá à frente. O próprio Boulos, corretamente, editou um vídeo de apoio, mas em caráter pessoal.  Mas essa participação, sem uma centralidade, sem uma política e orientação clara de nosso partido para apoiar o movimento e tentar, a partir dele, construir uma luta maior, diminuiu a possibilidade de influenciar e se apresentar como uma alternativa – não somente para os caminhoneiros, mas para os amplos setores da população trabalhadora que via com simpatia esse movimento e suas justas reivindicações.

Ainda há tempo de uma nova greve geral

Não haverá saída de fundo se não tiramos Temer e derrotarmos seu plano de ajuste. Para tanto, é necessário continuar a batalha para construir uma nova greve geral e um plano econômico alternativo a serviço dos interesses da população trabalhadora.  A greve dos caminhoneiros deu um novo fôlego à luta dos trabalhadores, como demonstrou a greve dos petroleiros. Infelizmente, a política da FUP, ligada à CUT, não foi a de unificar com a greve dos caminhoneiros, mas de tentar se separar dela, se recusando a unificar. Com isso, permitiu que o governo e a justiça fizessem uma ofensiva para desarticular a greve já isolada. Ou seja, foi a política dessa direção que se negou a unificar e impediu fortalecer uma luta que as bases queriam travar para derrotar o governo.

A crise continua aberta e novas batalhas se avizinham. O governo quer pagar o subsidio aos combustíveis, que custará mais de R$ 13 bi tirando esse dinheiro das áreas sociais, como saúde e educação, o que significará mais ajustes e mais crise.

Os ricos que paguem pela crise! Não ao aumento da gasolina e ônibus! Não aceitamos pagar novamente a conta do diesel! Contra a inflação, por um aumento geral de salários!

Para isso é necessário defender um plano econômico alternativo que comece pelo não pagamento da dívida, que consome quase a metade do orçamento. Se deixarmos de pagar os juros e amortizações exorbitantes da dívida apenas alguns dias, haverá dinheiro para atender as demandas dos caminhoneiros e de outros setores da população. A única forma de resolver os problemas da grave crise econômica é a auditoria e suspensão do pagamento da Dívida Pública. Só assim teremos dinheiro para atender as demandas da saúde e educação públicas, geração de empregos, aumento salarial, de bolsas para os estudantes, etc.  Junto a isso, defendemos uma Petrobrás 100% estatal e pública sob o controle dos trabalhadores.

Como parte dessa luta, temos que ir construindo uma saída de classe para aplicar esse plano: um governo dos que nunca governaram, dos de baixo, das organizações que lutam, como os professores, os servidores públicos, os metalúrgicos da Renault e da Mercedes Benz, dos caminhoneiros, do PSOL, da Conlutas, dos sindicatos combativos que lutam contra o governo.

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