Documento para o Diretório Nacional do PSOL : Derrotar Bolsonaro nas ruas! Rumo à Greve Geral!

Texto de conjuntura nacional apresentado na reunião do Diretório Nacional do PSOL realizado nos dias 25 e 26 de Maio, assinado por Plinio de Arruda Sampaio Júnior, Liliana Maiques , CST, LS e Alternativa Socialista

 

Derrotar Bolsonaro nas ruas! Rumo à Greve Geral!

 

A eleição de Bolsonaro para a Presidência da República só pode ser compreendida à luz da chegada da crise econômica no Brasil, do aprofundamento da ofensiva do capital, da dinâmica de polarização aberta pelas manifestações de junho de 2013, da crise da Nova República e da experiência dos governos petistas. Não foi um “raio em céu azul”.

Num contexto de aguda crise (econômica, social e política) e de forte polarização política, o ex-capitão conseguiu, apoiado numa competente estratégia de comunicação virtual e num programa simples e direto (resgatar os valores da família tradicional, acabar com a criminalidade, recuperar a economia e extinguir a corrupção), capitalizar: a) os diversos ressentimentos presentes em parcelas da população; b) o brutal descontentamento popular com o PT e o governo Dilma; c) a rejeição ao regime.

Mesmo liderando as pesquisas (com a saída de cena de Lula, preso em Curitiba) e com sua conversão ao ultraliberalismo, ele não conseguiu conquistar no primeiro turno o apoio da maior parte da burguesia. Todavia, na segunda volta, teve sucesso em obter o suporte da classe dominante (não da totalidade).

Por outro lado, já no primeiro turno, teve êxito em atrair amplas parcelas da classe trabalhadora e dos setores médios. No segundo turno, ampliou ainda mais sua presença em tais estratos sociais. Sua vitória só não foi mais folgada por conta da presença do PT no Nordeste e das massivas mobilizações pelo “Ele não!”, lideradas pelas mulheres na primeira volta, e pelo “Vira voto”, encabeçadas pela juventude no segundo turno.

Para além de tais questões, sua eleição foi facilitada pela suspeita facada, que bloqueou os ataques de seus adversários num momento crucial do primeiro turno; pela condescendência do PT, que o poupou de ataques para garantir o “segundo turno dos sonhos” entre Haddad e Bolsonaro (acreditava que seria mais factível vencer a disputa enfrentando o ex-deputado federal); e pela postura subserviente ao lulismo de Boulos, que poderia ter disputado o voto anti-regime e crítico ao PT caso se apresentasse como uma alternativa anti-sistêmica.

De todo modo, a responsabilidade principal pela vitória de Bolsonaro recai sobre o PT. Não só por conta de sua tática eleitoral, mas principalmente graças à política praticada pelo partido durante mais de dez anos de governo. O apassivamento da classe, a integração social pelo consumo, o fortalecimento de várias expressões do fundamentalismo religioso (em nome da governabilidade) e a desmoralização do ideário de esquerda (muito identificado pelas massas com o PT) cobraram seu preço. Em grande medida, o crescimento do bolsonarismo é resultado dos governos do PT.

 

Os primeiros meses do governo Bolsonaro

O revés eleitoral não significou uma derrota histórica da classe trabalhadora. A classe foi abatida nas urnas, mas não nas ruas. Sua capacidade de luta, de virar o jogo, não foi aniquilada. Os primeiros meses do governo Bolsonaro demonstraram isso.

A marca do governo até aqui tem sido a instabilidade. Por um lado, ele ainda não conseguiu consolidar uma maioria sólida no Congresso Nacional, sendo reiteradas vezes derrotado em votações importantes. Tem tido desentendimentos com o judiciário, que resiste à agenda ultrarreacionária no campo dos “costumes”. Enfrenta uma paralisia administrativa, provocada pela incompetência e pelas disputas intestinas entre as alas “olavista” e “militar” no âmbito do Executivo Federal e uma crise política que levou à queda de dois ministros. Sofre críticas constantes de parte importante da mídia burguesa (Globo, Folha de São Paulo etc.) e, mais recentemente, de parcela de sua base social (o cantor Lobão, MBL, Janaina Paschoal etc.). Por outro lado, diante da persistência das crises econômica e social, deteriorando as condições de vida da maioria da população, e do descrédito proporcionado pelos escândalos de corrupção (envolvendo membros do governo e familiares do presidente, especialmente Flávio Bolsonaro) e pela relação com as milícias, suspeitas de envolvimento no assassinato de nossa companheira Marielleamarga uma crescente perda de apoio popular.

A raiz de tal instabilidade é própria agenda extremista de Bolsonaro, que dificulta muito a construção de uma nova hegemonia. Isso porque, em primeiro lugar, ela potencializa as disputas inter-burguesas. A burguesia está unificada em torno do ajuste fiscal, que tem como carro chefe a reforma da previdência. Mas não tem uma posição comum sobre os outros pontos do programa do ex-capitão. Causa descontentamento em parte significativa dela a falta de foco no ajuste (ora colocado pelo governo como prioridade, ora secundarizado em prol de pautas “ideológicas” como a flexibilização da posse e porte de armas, a perseguição às universidades etc.). Em segundo lugar, ela tem pouca capacidade de atrair, no médio prazo, parcelas relevantes das classes subalternas, já que não oferece nada para tal setor social (empregos, salários dignos, saúde, educação, segurança etc.), apenas discursos de ódio. Em terceiro lugar, não consegue dar resposta à crise econômica, responsável pelo desemprego recorde e pelos índices alarmantes de aumento da pobreza.

Nesse contexto, não demorou muito para as massas retomarem as ruas. Já no mês de março, aconteceram as primeiras manifestações questionando Bolsonaro.  No 8 de março e, principalmente, no dia 22 de março milhares de pessoas saíram às ruas. Foram diversos setores da classe, como garis, servidores públicos, metalúrgicos, tendo como vanguarda a educação básica. Foi um verdadeiro esquenta para o que veio depois.

Finalmente estourou no dia 15 de maio (15M) uma grande jornada de lutas. Indignados com os cortes anunciados pelo governo federal na educação, estudantes e profissionais do setor lideraram as mobilizações, catalisando o descontentamento de diversos segmentos. Foi a maior onda de protestos desde 2013, reunindo milhares de pessoas em todo o país.

Tal jornada de lutas teve algumas características positivas distintas de 2013. O 15 M teve uma característica fundamental que foi a irrupção de um importante setor da classe, que foram os profissionais da educação, ao lado da massa de estudantes. Apresentou uma pauta mais definida, contra o governo federal. Além disso, não houve rejeição às bandeiras e demais símbolos de entidades do movimento social e partidos.

Diante da instabilidade do governo e da magnífica entrada em cena das massas, está colocada a possibilidade real ocorrerem manifestações ainda maiores, com o eixo contra os cortes na educação e contra a reforma da previdência, culminando numa forte Greve Geral no dia 14 de junho. Agora, vai ser muito difícil para centrais sindicais pelegas desmontarem a Greve. E, se ela ocorrer de fato, se abrirá uma nova conjuntura. Bolsonaro – que já está fragilizado – ficará na corda bamba. De qualquer modo, a perspectiva é de acirramento da luta de classes.

 

O caráter do governo Bolsonaro

Os primeiros meses de governos do ex-capitão demonstraram inequivocamente que, apesar da promessa de “mudar tudo o que está aí’, seu objetivo é revitalizar o que há de mais arcaico na história do Brasil – o reino dos negócios como princípio organizador da vida social, o conservadorismo e o autoritarismo mais descarados.

Porém, Bolsonaro não é um fascista. Tampouco seu governo é fascista.  Várias vertentes da extrema direita adotam discursos anticomunistas, racistas, homofóbicos e autoritários. Muitas se utilizam, inclusive, de métodos violentos. Entretanto, o fascismo vai além disso. É corporativista e ligado ao grande capital financeiro e monopolista. Mais do que isso: tem como traço distintivo sua capacidade de mobilizar a pequena burguesia e o lumpem-proletariado contra a classe trabalhadora, de modo a quebrá-la. Por isso, exige a formação de um partido e de milícias fascistas. Ele ganha relevância num quadro em que os meios tradicionais da burguesia (aparelhos ideológicos e forças estatais repressivas) não são mais suficientes para conter a classe trabalhadora e em que é necessário contar com uma força “extra”. Uma vez no governo, o fascismo se apodera de todas as alavancas do poder político e estende seus tentáculos para todos os terrenos da sociedade.

Bolsonaro não tem um partido estruturado atrás de si. Nunca trabalhou para isso. Já mudou de partido várias vezes, conforme seus interesses eleitorais pragmáticos. Também não tem seu poder lastreado em organizações paramilitares de massas. Além disso, não advoga o antiliberalismo e nem o corporativismo. Ao contrário, abraçou o ultraliberalismo. Quanto ao governo, o grupo político de Bolsonaro está muito longe de se apropriar do conjunto do Estado, tanto é que tem enfrentado dificuldades na relação com o parlamento e o judiciário.

Vale notar que é um equívoco ainda mais grave considerar os eleitores de Bolsonaro como fascistas. A ampla maioria deles mal conhece seu programa. Os fascistas são uma ínfima minoria. Ao caracterizá-los dessa forma, abre-se mão de disputar a maioria da classe trabalhadora e dos setores médios, algo fundamental para a transformação socialista.

Por óbvio, isso não significa que não seja necessário combater a extrema direita e qualquer embrião do fascismo. Combater o governo de extrema direita e ultrarreacionário de Bolsonaro/Mourão/Guedes está na ordem do dia e é uma tarefa urgente. Mas a melhor forma de enfrentá-los não é assumindo a defesa do atual regime, junto com PT, PC do B, PSB (que votou pelo impeachment de Dilma), PDT e afins. Tal política deixa o terreno aberto para o fascismo (e outras expressões da extrema direita) crescer como a principal força anti-regime, capitalizando o descontentamento popular. O caminho correto é apostar na mobilização e construir uma alternativa classista, radical e socialista, que denuncie tanto a direita quanto a “esquerda da ordem”. 

Nesse sentido, pode-se enquadrar Bolsonaro no rol de governantes neoconservadores, de extrema direita, que têm pipocado pelo mundo (Trump, Duterte etc.). São, em geral, populistas de direita – algo bem próximo da localização política do ex-capitão.

 

As tarefas dos socialistas

A tarefa imediata dos socialistas é preparar o combate à ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e as liberdades democráticas. As lutas contra os cortes na educação e contra a reforma da previdência serão os primeiros grandes embates. É preciso aproveitar o momento de instabilidade do governo federal e o impulso das manifestações do 15M para preparar novos protestos massivos e uma grande Greve Geral no dia 14 de junho.

Não se deve confiar na boa vontade da maioria da centrais sindicais, que formalmente assumiram o compromisso de construir a Greve Geral. Boa parte delas (CUT, Força Sindical etc.) está apostando em negociações com o governo e com o Congresso para “melhorar” a reforma da previdência. Há o risco de ocorrer um novo desmonte da Greve Geral, como aconteceu em 30 de junho de 2017. Do mesmo modo, não se deve acreditar cegamente no empenho do PT e do PC do B na construção da Greve Geral. Os governadores de tais partidos têm flertado abertamente com a reforma da previdência. Tanto a atitude das maiores centrais sindicais quanto a postura dos governadores do PT e do PC do B têm prejudicado a luta contra a reforma. Assim, é fundamental investir na mobilização de base, de baixo para cima, com plenárias gerais (educação, sindicatos) e assembleias locais (por local de estudo, moradia ou trabalho). Esta é a melhor forma de garantir a paralisação nacional. Cabe ao PSOL convocar sua militância e colocar seus parlamentares a serviço dessa estratégia e construção.

A esquerda socialista deve evitar a armadilha, plantada pelo PT, de colocar como eixo dos protestos populares a consigna “Lula Livre”. Isso porque: a) Lula não é inocente, embora o processo que levou à sua condenação possa conter erros. Estabeleceu, ao longo de anos, relações não republicanas (espúrias) com setores da burguesia e com a máquina pública. Ao se associar à defesa do ex-presidente, os socialistas correm o risco de perder credibilidade junto às massas; b) A bandeira “Lula Livre” não tem aderência nas massas. Ao contrário, afasta setores populares e prejudica a luta contra o governo; c) Tal bandeira não unifica a esquerda e a classe trabalhadora. Contribui para a divisão, num momento em que é necessária a unidade de ação; d) Ela ajuda o PT em sua luta para se consolidar como a liderança da oposição a Bolsonaro.  

No atual contexto, o centro da luta política se deslocou, de modo ainda mais pronunciado, do parlamento para a luta extraparlamentar. Os socialistas devem, então, combater todas as iniciativas que buscam desviar o centro da oposição ao governo e as lutas populares para o terreno eleitoral.

Em defesa dos interesses dos trabalhadores e das liberdades democráticas, os socialistas devem buscar a mais ampla unidade de ação. Porém, não podem abrir mão de sua independência política. Ou seja, não devem deixar de se diferenciar, sempre que necessário, dos setores vacilantes ou traidores, que atrapalham o desenvolvimento da luta, e nem de apresentar o seu programa.

No entanto, não se deve confundir a unidade de ação com a construção de uma Frente Política, estratégica. O grande desafio da verdadeira esquerda segue sendo formar um polo programático alternativo à direita tradicional e à ex-esquerda, com influência de massas, que coloque na agenda nacional as defesas de “direitos já” e de uma intervenção popular, de baixo para cima, nos rumos do país, em contraposição ao ultraliberalismo econômico e ao autoritarismo político de Bolsonaro. PT, PC do B e afins são a “esquerda da ordem” não têm compromisso com a transformação radical do sistema. Mais do que isso: são obstáculos para tal transformação. Portanto, devem ser superados em termos programáticos e políticos (a esquerda socialista deve suplantar a sua influência sobre a classe trabalhadora e os/as oprimidos/as).  Isso fica evidente quando se leva em conta tanto o passado (os governos de Lula e Dilma) quanto o presente (seus atuais governos) de tais partidos. Nesse sentido, foi um erro a constituição da Frente Democrática – Frente Política envolvendo PSOL, PCB, PT, PC do B e afins. Também foram equivocadas a formação do Bloco de Oposição na Câmara dos Deputados (PT, PSB, PSOL e Rede) e a participação de figuras públicas do PSOL no ato promovido no Rio de Janeiro pelo PT, com a presença de Haddad, no dia 10 de maio.

A tarefa dos socialistas é apostar na construção de uma Frente de Esquerda, formada por PSOL, PCB, PSTU, PCR e movimentos sociais combativos, capaz de apresentar uma saída anticapitalista para a crise da Nova República. As dificuldades são muitas. Será preciso superar a autoproclamação e o sectarismo, inclusive do PSOL. Mas é um desafio incontornável. Na ausência de uma alternativa anti-sistêmica, a provável desilusão com o governo Bolsonaro alimentará soluções ainda mais bárbaras.

Está na ordem do dia apresentarmos medidas emergências, como o não pagamento da dívida pública, destinando os recursos para a saúde, a educação, a moradia e a geração de empregos; lutar contra a reforma da previdência e em defesa da educação pública, contra os cortes; revogação das medidas antipopulares, como a EC 95, da reforma trabalhista e sindical; em defesa das pautas das mulheres e LGBTS; lutar por justiça para Marielle, Anderson e Evaldo; e, por fim, exigir investigação profunda de Flávio Bolsonaro, Queiroz e todos os envolvidos. Chega de impunidade aos corruptos!

 

Eleições 2020

A evolução da conjuntura é incerta. Não está descartada a possibilidade do naufrágio precoce de Bolsonaro (impeachment ou renúncia). Isso dependerá do desenvolvimento das contradições no “andar de cima” e das mobilizações populares contra o governo federal. Assim, é um grande erra priorizar nesse momento, em que o quadro está em aberto, a disputa eleitoral de 2020. O foco da esquerda socialista deve estar nas ruas, nas lutas contra Bolsonaro, em especial na Greve Geral de 14 de junho.

De todo modo, como estão proliferando na imprensa notícias sobre supostas alianças eleitorais envolvendo o PSOL para 2020, causando confusão e perplexidade na base militante, é necessário reafirmar que o partido não fará coligações com PT, PC do B, PDT, PSB, Rede, PV e outras agremiações ditas “progressistas” (além, é claro, dos partidos declaradamente de direita ou de centro-direita).

A constituição de Frentes Eleitorais para um partido de esquerda pressupõe alto grau de acordo político e programático. Está vinculada à formação de Frentes Políticas. É, portanto, diferente da unidade de ação, que tem um caráter pontual e na maioria das vezes defensivo.

Os partidos citados acima aplicam, sempre que governam, medidas contrárias aos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora. Vale citar, como exemplo recente, o caso da Bahia. O governador Rui Costa, do PT, não só declarou ser favorável à reforma da previdência, como cortou verbas das universidades estaduais e o ponto dos/as professores/as que entraram em greve para protestar contra tal medida. Isso tudo no contexto dos ataques de Bolsonaro à educação e do “levante dos livros”! Esse caso não é exceção. No Nordeste, os governadores do PT aplicam ajustes neoliberais contra o funcionalismo e pactuam com o governo Bolsonaro.

Nesse sentido, o PSOL buscará construir, tanto nos processos eleitorais quanto fora deles, uma Frente de Esquerda, com PSTU, PCB, PCR e movimentos sociais combativos. Somente tal Frente será capaz de apresentar uma verdadeira alternativa socialista. Além disso, apenas ela terá condições de disputar tanto o “eleitorado progressista”, que desde o início rejeita Bolsonaro, quanto a parcela da classe trabalhadora que equivocadamente votou no ex-capitão (cada vez mais descontente com o presidente, mas ainda refratária ao PT). 

 

Plinio de Arruda Sampaio Júnior

Liliana Maiques

CST

LS

A Alternativa Socialista

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