Previdência 2003–2019: O Brasil no “rumo certo” . . .

Disponível em Contrapoder Oct 29 · 

Por Démerson Dias *

A coerência é fundamental na política. Política refere-se à coisa pública.

Se mudamos de ideia em questões políticas importantes, é preciso dizer claramente, contextualizar, explicar. Se vai convencer nossos parceiros não depende de nós. Mas a incoerência, mesmo que não seja admitida, ou percebida, produz consequências tão graves quanto a dimensão que possuem.

O tucanismo inaugurou o alinhamento do Brasil com a submissão neoliberal conhecida como consenso de Washington. Embora tenha parecido se contrapor, o período lulista ampliou o volume de migalhas que caíam da mesa do banquete. Ensinou aos benevolentes sacerdotes da religião do mercado que era possível seguir desentranhando os pobres e ainda contentá-los apenas com uma pequeníssima fração a mais de migalhas.

O mundo não contava com a troca de guarda na Sociedade Mont Pèlerin. Depois de 2008 está claro que o neoliberalismo vai sangrar a humanidade, mas se esgota, porque o que era possível exaurir dos pobres até o presente ciclo, alcança seu limite e, necessariamente, será preciso reorganizar as sociedades em novos patamares de exploração (ou de utopias). Hayek deu passagem a Misses, é a liquidação urgente e generalizada. Saldão final do ciclo capitalista.

Do lado de cá, é a derrota (reconhecida, ou não) das esquerdas que pretendiam, humanizar o capitalismo, conciliar interesses antagônicos entre predador e presa (nós entrando com a carne e eles com os dentes).

Alguns de nós estamos atônitos, como foi possível, tão rápido e fácil, aprovar mais esse desmantelamento do patrimônio público e oferecê-lo como oferenda ao deus mercado.

Lamento não estar solidário com essa “novidade”. Esse 23/10/2019 na história do sistema previdenciário brasileiro não existiria da mesma forma se em 14/12/2003 quatro parlamentares (a senadora Heloisa Helena-AL e os deputados João Batista Babá — PA, Luciana Genro — RS e João Fontes — SE) do principal partido de esquerda do país não tivessem sido expulsos. São simbologias que expressam as coerências de cada qual. Naquele momento o PT garantiu à religião do mercado que, no espectro político brasileiro, não existia força política capaz de derrotar a destruição do sistema previdenciário brasileiro. E o resto de nós ainda não sabe o que fazer dezesseis anos depois.

Não é acaso, acidente, ou descuido. Uma parcela do mundo político, quase todo ele, na verdade, confia que o mercado irá levar a civilização à bonança. Não bastaram 1929 e sua versão revista e aprimorada em 2008. Nem as mortes, bombas e cassetetes que espremem sangue e sonhos pelas ruas de Santiago.

O Brasil realmente está no rumo certo, já é possível começar notar a extensão e profundidade do abismo.

* Démerson Dias. Funcionário da Justiça Eleitoral de São Paulo desde 1987. Ex-dirigente sindical no judiciário federal 1989 e 2007. No TRE-SP atuou nas áreas de licitações, informática, apoio à magistratura e arquivo geral.

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