Luta pelo Liberalismo Social ou Avançar?

Disponível em Contrapoder Nov 3 

Dizem que o capital, estruturalmente, possui um braço direito e um braço esquerdo.

Quando necessário, usa o braço esquerdo, como fez com o Partido dos Trabalhadores.

Usou o Partido, como seu braço esquerdo, fazendo a conciliação de classes em proveito do capital, até que este se exaurisse e, quando não mais o servia, mandou-o para o descarte. Lembremos que Lula, antes de assumir a presidência, assinou a Carta aos Brasileiros, no qual se comprometia a honrar todos os compromissos com o capital financeiro. E, assim foi feito nestes 13 anos, mesmo que a dívida especulativa levasse 43% do PIB. Em seu primeiro mandato, com muitas crises, coligou-se com pequenos partidos de aluguel, como o PR, PL ou PTB. No seu segundo mandato, já coligado ao PMDB, o Brasil viveu um boom econômico com a alta dos preços das commodities no mercado internacional e o incremento com o comércio chinês. Neste mandato, permitiu-se o aumento de políticas sociais. O governo se demarcava como liberal-social.

Porém, o capitalismo internacional passou por mais uma crise a partir de 2008 que perdura até hoje. O Brasil, como tinha reservas financeiras e um bom crescimento do PIB, buscou contornar a crise agregando ao liberalismo-social o chamado “neodesenvolvimentismo”. Ou seja, apoiou as grandes empresas através da renúncia fiscal, como fez com a indústria automobilística e apoio do BNDES para as grandes empreiteiras e, ao mesmo tempo, apoiou o crédito para as classes populares. Novamente, conciliou classes e agradou a todos. Contornou-se provisoriamente a crise, mas esta novamente viria com força em 2013. Nas eleições de 2014, Dilma prometeu para a esquerda o que não realizaria e, logo depois de eleita, anunciou medidas de ajuste conservadoras e de direita.

Porém, antes, em julho 2013 tivemos grandes manifestações de rua no Brasil. Sem um direcionamento político, rejeitando partidos e fazendo uma verdadeira “feira de reivindicações”, 2013 já demonstrava o descontentamento difuso da população. Deste período, surgiram posteriormente manifestantes à direita, que aprenderam a ir para as ruas e, à esquerda, com novos movimentos urbanos se organizando de novas formas “horizonteis”, negando lideranças, partidos e sindicatos. Porém, a falta de organização e lideranças levou estes movimentos “horizontais” a um rápido desgaste.

Ainda neste momento de crise estrutural e conjuntural do capital, as disputas foram se acirrando, com a incorporação hegemônica de grupos governistas e grupos oposicionistas, com pitadas até de fascismos, se defrontando. Ressalte-se que estas manifestações ainda foram circunscritas a setores de classe média e de movimentos sociais organizados, não atingindo a maioria das classes populares no Brasil que priorizavam a sua luta pela sobrevivência. No meio desta crise, os grupos se acirram e os conservadores pedem, e conseguem, o impedimento da presidenta Dilma, em um enorme erro de avaliação da direita, que assumiu um governo em crise, tentou medidas antipopulares e, de certa forma, fizeram crescer o Lulismo na oposição. Ao mesmo tempo, este quadro abriu espaço para um governo truculento e sem programa definido em campanha, como o de Bolsonaro.

Bolsonaro era um deputado que se destacava em agredir verbalmente mulheres, indígenas, o meio-ambiente, os trabalhadores e a comunidade LGBTs. Cresceu com um discurso anticorrupção e centrado em questão morais conservadoras. Porém, na presidência, estas suas ações estão sendo amplificadas e ele já se atritou com governos conservadores de nações poderosos como Macron e Merkel, já rachou seu partido e está em atrito com os maiores meios de comunicação e com o STF. Entregou a economia de seu governo para um ministro ultraliberal que está fazendo reformas antipopulares.

As esquerdas, dos mais diversos matizes, estão esperando o desgaste do governo Bolsonaro pelo próprio Bolsonaro e se apegando na “liberdade de Lula”, para que este faça o contraponto e organize a oposição popular e de esquerda. O medo de um “golpe neofascista” parece descartado devido a própria incapacidade de liderança de Bolsonaro para tal empreitada. Seria mais fácil pensar em um golpe de direita contra Bolsonaro e na ascensão de seu vice Mourão.

Reconheço que devido ao irracionalismo das ações de Bolsonaro e de diversos ministros, como o da Educação, Meio-Ambiente e Relações Exteriores, fica difícil buscar qualquer análise lógica para os destinos deste governo. E este é um problema real.

Mas as esquerdas socialistas, que querem mudanças profundas, que não se contentam apenas com o liberalismo-social do Lulismo, devem começar a apresentar propostas, ter uma ação propositiva e não retraída. De resistência em resistência estamos ficando no mesmo lugar. Não apresentamos propostas, apenas defendemos o que está aí contra a sua destruição ultraliberal. Precisamos avançar.

A grande questão é: os trabalhadores, os oprimidos e as classes populares, devem dar novo crédito aos governos social-liberais e defender a democracia formal com algumas políticas sociais? Tirar o braço direito do capital e colocar o braço esquerdo? Gastar energias nesta disputa ou devem “ir além” exigindo “outra democracia” e “outro estado” que seja popular, democrático e que contemple os interesses dos trabalhadores na luta de classes.

Esta é uma questão posta.

Antonio Julio de Menezes Neto

Professor na UFMG

 

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