Greve da Educação/RS – um balanço necessário

Foto: Caco Argemi/Cpers

Uma das maiores greves da história do CPERS, com amplo apoio popular, foi desencadeada no final de 2019. O poder do movimento desestabilizou o governador Eduardo Leite (PSDB), fissurou a sua base aliada na Alergs, escancarou os interesses de classes na sociedade (com os pequenos e médios comerciantes apoiando a greve enquanto que as federações empresariais apoiavam o pacote do governo), atraiu as atenções de todo o Brasil e encheu de esperança e confiança uma categoria maltratada que amarga o pior salário entre os estados do país. Mas como uma greve dessa magnitude termina esvaziada proporcionando ao governo Leite aprovar com tranquilidade (a Alergs sequer foi gradeada como nos tempos do governo Sartori) o maior ataque da história ao funcionalismo e ao magistério gaúcho? Para a Direção Central (PT, PCdoB, PDT) a culpa é da base que retornou espontaneamente e da maioria parlamentar do governo. Nós do Combate e da CST temos outra opinião.

A política da Direção Central resultou na derrota da categoria

Quando o pacote do governo se tornou público, a orientação da Direção Central para a categoria foi de que assim que ele fosse protocolado a greve seria deflagrada. Uma linha estranha para quem tratava o governo como uma “fortaleza” por causa da maioria parlamentar. Assim, em vez do sindicato construir a greve e evitar a entrada do pacote na Alergs, sua atuação era pautada pelo governo. Aliás, a completa falta de vontade política de construir uma forte mobilização contra o governo já começa no Congresso da entidade, em Bento, que não aprovou uma linha sequer sobre plano de lutas para a categoria. Nesse meio tempo, os núcleos da oposição começaram a fazer visitas em escolas para mobilizar e apresentar o pacote.

Finalmente o pacote foi protocolado, o governador viajou aos EUA, pago pela Fundação Lemann (uma relação que deveria ser apurada), e a greve foi declarada diante de uma multidão em frente ao Palácio Piratini. Os atos diários em todos os cantos do Estado e o apoio popular desestabilizaram Eduardo Leite que passou a dar declarações desencontradas na imprensa, às vezes explicitando suas intenções. Também retaliou com o ilegal corte do ponto e quis manter a qualquer custo a votação do pacote. O poder da greve gerou profundo desgaste ao governo (sua desaprovação ultrapassou 80% em Porto Alegre) e criou fissuras em sua base. O rei estava nu e a sua “fortaleza” rachada. Cientes de que a prepotência do governador poderia derrotar o pacote, as raposas velhas do MDB sugeriram transferir a votação para o final de janeiro.

A Direção Central surfava na onda ao mesmo tempo em que rejeitava ações mais radicalizadas, não alimentava a greve, fomentava ilusões institucionais (Justiça, Câmaras de Vereadores) e eleitoreiras (“nossa resposta será nas urnas em 2022”, enquanto no aqui e agora faz o jogo do governo). Com a transferência da votação para janeiro, a DC tentou encerrar a greve antes do Natal, deu férias coletivas e fechou o sindicato. O governo mantinha o corte de ponto avalizado por decisão do Tribunal de Justiça que rejeitou ação do CPERS. Contra a vontade da Direção Central, a oposição iniciou uma campanha de pedágios solidários para ajudar colegas que tiveram corte de salário. Nas duas semanas em que o sindicato ficou fechado, outros ataques foram desferidos contra a educação pública sem que a categoria tivesse uma orientação. Foi o caso da nova matriz curricular que retira conhecimentos de estudantes e resultará na demissão de até 20% do quadro.

A categoria ficou à deriva, a greve suspensa no ar. A Direção Central buscava negociar com o governo o corte de ponto para encerrar a greve. Percebendo o cenário de desmobilização, o governo postergou a negociação e condicionava o pagamento dos dias parados à recuperação dos dias de greve. É verdade que não houve acordo assinado com o governo. Mas, novamente, era ele que pautava o movimento. Nenhum protesto, ato ou visita às escolas foi construído. A senha para a categoria retornar às aulas estava dada. As condições para encerrar a greve haviam sido construídas pela Direção Central desde dezembro e com o fechamento do sindicato. Foi só ratificar em assembleia, no dia 14/1.

Os ataques do governo não cessaram. Escolas, turnos e turmas seguiram sendo fechados. Um acordo individual foi criado no qual se aceitava o desconto parcelado de uma greve recuperada e quem não aceitou o acordo teve desconto no contracheque de janeiro. Com a categoria recuperando aulas e sofrendo assédio ficaria mais difícil mobilizar. Alertamos, junto com outros setores da oposição. Infelizmente foi o que se deu. Na segunda-feira da semana em que a mobilização foi retomada, ocorreu um ato que saiu do Tribunal de Justiça e terminou na Praça da Matriz, onde fica o Palácio Piratini e a Alergs. Os poucos ônibus que vieram do interior retornaram no final da tarde do mesmo dia. Para tentar se livrar da responsabilidade da derrota a presidente Helenir, sem autorização da categoria, sentou à mesa com o MDB, base aliada do Leite, e o líder do governo, Frederico Antunes (PP), para aceitar uma emenda de redução mínima de danos no plano de carreira, dando aval do CPERS para a retirada de direitos. A situação foi tão inusitada que até a bancada do PT, partido da Helenir, votou contra a emenda do MDB. Tal traição vem sendo embalada como o heroísmo possível diante da “fortaleza” que é o governo Leite. Nada mais falso como pudemos constatar.

O papel da CNTE nesse processo

Além de toda a traição da DC, nossa greve também foi fragilizada porque ficamos isolados nacionalmente. Existe uma crise da educação no país inteiro e enquanto estávamos lutando aqui, outros estados também ensaiaram mobilizações. A CNTE, que é dirigida majoritariamente pelo PT, simplesmente se manteve em silêncio com relação a isso, não organizou um calendário que unificasse as lutas no país. No ano de 2019, chamou apenas um dia de paralisação e nada mais, mesmo com um tsunami da educação explodindo com atos multitudinários em todo o país.
Na plenária intercongressual, em dezembro, aprovou um dia nacional de luta para 18 de março de 2020, mas até agora nada está sendo construído. Isso é muito ruim visto que Bolsonaro/Guedes já preparam mais uma rodada de pacotes com o Plano Mais Brasil, que entre outras coisas vai significar mais corte de investimento em educação básica. É preciso que esse dia de luta seja muito forte e que não seja o único. Depois do 18/3, a CNTE deve apostar nas mobilizações e seguir com mais calendários unificados para enfrentar os ataques que o governo Bolsonaro prepara para a Educação.

Por uma chapa unificada da oposição de esquerda

Greves encerradas na marra, não alimentadas para morrer de inanição, esvaziadas, desmontadas, abandonadas. Do Pepsi On Stage ao Pacote da Morte, a atual direção do sindicato vem sendo uma verdadeira organizadora de derrotas. Nem mesmo a sua política eleitoreira tem sido bem sucedida, vide a eleição de 2018 que terminou entre Sartori e Leite, e para a qual não houve sequer uma campanha de voto nulo.

A ofensiva decidida do capital sobre a educação pública, que visa a sua privatização, exige uma direção que atue com firmeza na sua defesa. A oposição de esquerda do CPERS possui correntes combativas que sempre que atuam unificadas conseguem ganhos para a categoria, como na histórica e vitoriosa ocupação do Centro Administrativo do Estado, em 2016, ocorrida por iniciativa da oposição e contra a vontade da Direção Central.

O momento é extremamente grave e exige, mais do que nunca, que seja apresentada uma alternativa política à categoria sob pena da dispersão, da desmobilização, do desânimo, do abandono da carreira, etc; facilitarem o trabalho de Eduardo Leite de destruir a todos nós. Por isso pedimos às distintas correntes da oposição de esquerda que deixem as diferenças de lado e se unifiquem em uma grande chapa para as eleições do CPERS.

Filie-se ao CPERS!

Muitos colegas têm como primeira forma de protesto diante de uma traição de uma direção sindical o abandono do sindicato formalizado através da desfiliação. Partilhamos do inconformismo e indignação, mas achamos essa forma de protesto equivocada pois o seu efeito é o contrário do pretendido. Com menos filiados a burocracia sindical tem mais facilidade de se manter no poder e aprovar as suas propostas nas assembleias enquanto que a oposição se enfraquece. Fazemos um chamado a todos que desejam se desfiliar que se mantenham filiados e a todos que ainda não o são, que se filiem. Somente participando é que poderemos mudar os rumos do sindicato.

Seguir mobilizados é a nossa saída

Nossa categoria tem um histórico lindo de lutas e conquistas. Essa greve, apesar de ter sido desmontada e traída, é motivo de muito orgulho e demonstra que nossa força está nas nossas próprias mãos. O ano já começa com muitos ataques vindos do Eduardo Leite e outros do Bolsonaro, e precisamos seguir impulsionando mobilizações, paralisações e greves para enfrentar à altura e não sofrer mais derrotas.
Enquanto categoria composta majoritariamente de mulheres, a Direção Central tem que construir o 8/3 e a greve internacional de mulheres. Temos que construir e participar também do 14/3, exigindo justiça por Marielle e Anderson. É inadmissível que os culpados, milicianos que têm relações com a família Bolsonaro, sigam impunes. E, por fim, o 18/3 é uma data importante para a educação. Finalmente a CNTE convoca um calendário nacional unificado. Para tanto, a DC deve chamar assembleia e construir, junto à base, uma paralisação para este dia com um grande ato estadual em Porto Alegre.

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