Entrevista com o economista Rodrigo Ávila, da Auditoria Cidadã da Dívida — Campanha A vida acima da dívida

Para compreender o sistema sobre o qual se estrutura o pagamento da dívida o jornal Combate Socialista entrevistou o economista Rodrigo Ávila, da Auditoria Cidadã da Dívida (https://www.facebook.com/auditoriacidada.pagina/ e https://www.instagram.com/auditoriacidadabr/). Em meio às batalhas contra a PEC do Orçamento de Guerra, o companheiro encontrou tempo para responder uma série de perguntas que chegaram até nós por meio de militantes que estão realizando a campanha contra o pagamento da dívida. São questões fundamentais para entender o que está ocorrendo em nosso país, para não se confundir com falsos argumentos, e continuar a luta contra os privilégios dos banqueiros e a austeridade contra o povo trabalhador. Mais do que nunca, a vida deve estar acima da dívida. Boa leitura!


 

Combate Socialista O que é dívida externa e interna atual e quem ela beneficia hoje?

Rodrigo Ávila A partir dos anos 90, com o advento do livre fluxo de capitais, a chamada “dívida interna” cumpre o objetivo da antiga “dívida externa”, dado que ambas beneficiam principalmente grande bancos e investidores nacionais e estrangeiros. Mesmo no caso em que a dívida é denominada em real (“dívida interna”), seu beneficiário pode, a qualquer momento, e em qualquer quantidade, trocar seus reais (obtidos com juros desta dívida) por dólares e enviá-los ao exterior, contando, para isso, com uma enorme montanha de reservas internacionais comprada pelo Banco Central às custas de mais “dívida interna”. Ou seja, no Brasil o sistema da dívida é todo desenhado para privilegiar os grandes rentistas.

CS Qual a origem da dívida e seu histórico?

Rodrigo Tanto a dívida “externa” como a dívida “interna” brasileiras surgiram principalmente de artimanhas financeiras, e não de investimentos sociais. Cresceram a partir de juros flutuantes, onde os rentistas é que possuem força política para determinar as taxas e condições do endividamento, que são aceitas pelos governos, submissos a teorias econômicas segundo as quais não se pode questionar os investidores, e apenas se deve pagar as dívidas como um dogma. Outras dessas artimanhas são operações de swap e “mercado aberto”, que apesar de seus nomes complicados, significam, em bom português, dívidas que surgem sem necessidade e sem contrapartida em termos de desenvolvimento social ou econômico da população. Por isso defendemos uma auditoria destas dívidas, com participação social, para que estas ilegitimidades possam ser documentadas e tais dívidas anuladas, com o ressarcimento aos cofres públicos dos danos causados.

CS Qual o papel da ditadura militar para o crescimento da dívida e sua relação com os agentes financeiros internacionais?

Rodrigo No caso da chamada “dívida externa”, ela começa a crescer mais fortemente nos anos 70, por força de governos ilegítimos, que tomaram o poder pela força das armas. Tomaram empréstimos para obras muitas vezes questionáveis, e o mais grave: a juros flutuantes, onde os bancos internacionais é que determinavam a taxa de juros. Como consequência, tivemos décadas perdidas, devido às políticas impostas pelo FMI que continuam até hoje, tais como o corte de investimentos sociais, tais como ciência e tecnologia, educação, saúde, saneamento, o que nos deixa na condição de colônia, exportadora de produtos primários e sem desenvolvimento tecnológico.

CS Durante a ditadura militar quanto foi pago e qual o montante final da dívida?

Rodrigo Durante a CPI da Dívida, ocorrida na Câmara dos Deputados em 2009/2010, verificamos o quanto a consequência da opção feita pelos governos militares foi ruim para o país. No caso da “dívida externa”, de 1971 a 2008 (período no qual tivemos os dados disponíveis), pagamos US$ 144 bilhões a mais que recebemos de empréstimos, e mesmo assim o estoque da dívida se multiplicou, de US$ 8 bilhões para US$ 263 bilhões. O que prova que no Brasil e em vários outros países (especialmente do Sul) a dívida é um instrumento de exploração do país.

CS Como o Plano Real e o governo FHC ajudaram no crescimento da dívida? Como se expressaram naquele momento as imposições do FMI e do governo dos EUA?

Rodrigo O Plano Real se baseou no estabelecimento de taxas de juros altíssimas, para atrair capital estrangeiro, para acumularmos reservas em dólares para se tentar financiar o rombo nas contas externas, especialmente por causa do excesso de importações. Desta forma, favorecemos a indústria estrangeira, e a chamada dívida “interna” começa a explodir, beneficiando investidores nacionais e estrangeiros, que agora tinham liberdade total para trocar seus reais por dólares enviar seus capitais para o exterior. Ou seja, a chamada dívida “interna” passava a cumprir o papel da “dívida externa”.

CS Ao final dos governos FHC quanto foi pago e qual o montante da dívida?

Rodrigo No governo FHC, foram pagos R$ 2 trilhões de juros e amortizações das dívidas interna e externa, e o estoque da chamada “dívida interna” multiplicou por mais de 10 vezes, de R$ 86 bilhões para cerca de R$ 900 bilhões. Isso principalmente para enriquecer o capital financeiro nacional e estrangeiro, enquanto a população não recebia um centavo desta dívida, pelo contrário, se vendia as empresas nacionais e se fazia um imenso “superávit primário”, ou seja, se cortava investimentos sociais sob a desculpa de pagar essa “dívida”.

CS O governo Lula afirma que em seu mandato a dívida já foi paga e conquistamos nossa soberania. Essa afirmação é verdadeira?

Rodrigo Há uma argumentação de que o Brasil teria pago sua dívida externa, porém, na realidade, apenas uma parte dela foi paga, e às custas de divida interna, com juros maiores, e onde os investidores também podem, da mesma forma, enviar seus ganhos para o exterior. Atualmente, temos uma dívida cujos juros e amortizações consomem cerca de 40% do orçamento, o que impede os necessários e urgentes investimentos sociais.

“A dívida é um instrumento de exploração do país”

CS Quais foram as ilegitimidades e irregularidades encontradas na CPI da dívida realizada na câmara dos deputados?

Rodrigo Ao final da CPI, em maio de 2010, houve um “Relatório Pizza” apoiado pelo governo e pelo PSDB, que com muito custo conseguiu derrotar (por 8 votos a 5) o Relatório Alternativo do Deputado Ivan Valente (PSOL/SP), elaborado em conjunto com a sociedade, que denunciou diversas ilegitimidades da dívida (veja aqui: https://www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Voto-em-separado.pdf ) . Dentre as principais, destacam-se as reuniões sigilosas realizadas pelo Banco Central com “analistas independentes” que na verdade eram banqueiros e representantes de rentistas de fundos de investimento, para se fazer previsões acerca da inflação, juros e outras variáveis, que depois eram utilizadas pelo “COPOM” na definição das taxas de juros.

CS Qual a explicação para que a dívida interna e externa tenham continuado a crescer no governo Dilma?

Rodrigo As altíssimas taxas de juros continuaram, principalmente em 2015, quando não por acaso o país entrou em profunda depressão econômica que perdura até hoje. Infelizmente esta dívida não serviu ao país, mas principalmente para pagar juros sobre juros e outras operações financeiras, que não beneficiaram o povo, mas simplesmente transferiram mais renda para os muito ricos.

CS Nos governos do PT quanto foi pago e qual o montante final da dívida?

Rodrigo De 2003 a 2015 foram pagos quase R$ 9 trilhões de juros e amortizações, enquanto o estoque da “dívida interna” saltou de R$ 905 bilhões para quase R$ 4 trilhões, sem que o povo tivesse usufruído deste dinheiro. Pelo contrário: no período foi feito um imenso “superávit primário”, ou seja, cortes de investimentos sociais sob a justificativa de se pagar essa dívida.

CS O governo Temer realizou uma contrarreforma trabalhista e aprovou no congresso a emenda do teto de gastos alegando a “estabilização das contas públicas”. Vale a pena perder direitos para seguir pagando a dívida?

Rodrigo Não, pois conforme mostramos, quanto mais se paga mais se deve, e a dívida não serviu para investimento social , mas para pagar juros e outras operações financeiras. Desta forma, estamos pagando esta dívida todos os dias, com as privatizações, cortes de investimentos, reformas neoliberais (previdência, congelamento dos investimentos sociais, etc), enquanto a dívida cresce do outro lado, devido aos juros absurdos (que hoje chegam a cerca de 9 % ao ano em média, a despeito da chamada “taxa Selic” estar em 3,75% ao ano) e outros esquemas financeiros que beneficiam os bancos e grandes investidores.

CS Muitos economistas neoliberais afirmam que os dados da Auditoria Cidadã da Dívida são errados. O que você diria para eles?

Rodrigo A Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) tem tido muito sucesso em mostrar para a população, de forma didática, como o endividamento tem impedido o Brasil de se desenvolver. O principal instrumento deste trabalho tem sido o famoso “gráfico de pizza”, onde mostramos que a dívida consome cerca de 10 vezes mais recursos que a saúde ou educação, por exemplo. Incomodados com isso, não por acaso, articulistas neoliberais da grande imprensa tem atacado o gráfico da ACD, o que somente mostra que nosso trabalho está tendo um imenso sucesso. Tais articulistas tem usado argumentos totalmente equivocados, conforme mostramos em https://auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2020/02/Orc%CC%A7amento-2019-versao-final.pdf .  

CS  Há também setores da intelectualidade, parceiros em inúmeras lutas, que afirmam hoje que a dívida não é um problema relevante. Qual a melhor forma de mostrar a importância da luta contra esse sistema?

Rodrigo Desde o veto presidencial à auditoria da dívida com participação social (que havia sido aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2015) alguns setores tem atacado a ACD, alegando que a auditoria seria inútil, defendendo o pagamento da dívida sem questionamento, e repetindo os mesmos argumentos dos neoliberais sobre o gráfico de pizza. Defendem, basicamente, o pagamento de dívidas ilegítimas e corruptas, com enormes ilegitimidades (conforme mostrou o Relatório Alternativo da CPI da Dívida, do Deputado Ivan Valente – PSOL/SP, acima citado), alegando que o governo pode emitir a moeda na qual pagam essas dívidas. Para serem coerentes, então, deveriam também defender as desonerações para os muito ricos e a liberação total da corrupção, uma vez que isso também é pago com moeda nacional. Para conferirem os furos destes argumentos que utilizam contra nós, acessem https://auditoriacidada.org.br/conteudo/mentiras-e-verdades-sobre-a-divida-publica-parte-3/

CS O presidente Bolsonaro e o Ministro Guedes realizaram a reforma da previdência e mantém uma política econômica essencialmente a serviço dos bancos e dos grandes empresários. Qual sua opinião sobre esse receituário em meio à pandemia e o avanço da crise econômica?

Rodrigo O governo prioriza a ajuda aos bancos, mas demoram para pagar benefícios baixíssimos à população. Querem preservar a montanha de dinheiro que o governo tem em seu caixa (mais de R$ 1,3 trilhão) para pagar uma dívida repleta de indícios de ilegalidades, enquanto os neoliberais afirmam que o único caminho para o governo é se endividar ainda mais – o que até não seria problema com juros zero ou negativos, conforme outros países estão praticando na atual conjuntura – mas para depois da pandemia fazer voltar com tudo a austeridade fiscal (não para os banqueiros, claro…). Quando a calamidade passar, os neoliberais certamente vão alegar esse crescimento no endividamento para justificar mais pesadas reformas contra a população. Por isso temos de defender a suspensão dos pagamentos da dívida (conforme já definiu até mesmo o STF em relação à dívida de estados com a União) e a auditoria, com participação da sociedade, para que o país possa atender finalmente às suas demandas urgentes.

CS Deixe um recado para todos os que estão participando da campanha online e coletam assinaturas para a petição na internet

Rodrigo Gostaria de agradecer a oportunidade e queria deixar nosso contato, www.auditoriacidada.org.br econtato@auditoriacidada.org.br,  convidar todos e todas a assinarem nossa petição, pela auditoria e suspensão dos pagamento da dívida para enfrentar a calamidade do coronavírus, na página abaixo: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/assine-a-peticao-auditoria-e-suspensao-da-divida-publica-para-destinar-recursos-a-calamidade-do-coronavirus/

 


A campanha “A vida acima da dívida” defende a suspensão do pagamento das dívidas internas e externa com os banqueiros, propondo canalizar esses recursos para as áreas sociais. O sistema da dívida movimenta uma montanha de recursos, que com juros e amortizações, destinou aos banqueiros e fundos de pensão cerca de 38% do orçamento de 2019, totalizando R$ 1 trilhão de reais.

Nos somamos à campanha online da Auditoria Cidadã da Dívida, movimento social com longo histórico na batalha contra os banqueiros e o sistema financeiro, que exige a suspensão do pagamento da dívida e sua auditoria.

▄  Assine a petição bit.ly/peticao-suspensaodadivida

Você que leu toda a entrevista e concorda com a campanha pode ajudar como?

  • Proponha essa bandeira em seu sindicato, Cipa, associação de moradores, DCE, grêmio estudantil, movimento feminista e onde mais seja possível;
  • Divulgue a campanha nos suas redes sociais, repasse informação nos grupos dos seus amigos, vizinhos e da sua família;
  • Envie sugestões e denúncias para nossa página no Facebook

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