O que é o Socialismo?

por Mercedes Petit
dirigente de Izquierda Socialista (Argentina) e da UIT-QI *
Tradução Lucas Schlabendorff


No contexto da quarentena realizamos uma conversa virtual com nossa companheira Mercedes Petit, dirigente histórica da nossa corrente. Somos conscientes de que a palavra “socialismo” tem múltiplos usos e que foi manchada por experiências burocráticas, os crimes do estalinismo e, mais recentemente, pelo chavismo venezuelano. Por isso queremos compartilhar alguns fragmentos da intervenção de Petit para elucidar nossa posição socialista e revolucionária.


Uma saída de fundo

Já que estamos fazendo uma conversa virtual em meio de uma crise sanitária tremenda, nos dá uma indicação, o vírus se transformou em uma calamidade planetária e desnuda a responsabilidade do sistema capitalista imperialista. Um sistema completamente injusto e desigual que funciona para produzir a serviço da ganância dos exploradores, dos proprietários privados, que vivem e lucram explorando as massas trabalhadoras em todo o mundo.

Nós propomos uma saída socialista. Dizemos que o sistema capitalista não dá mais, é preciso destruí-lo antes que ele destrua a humanidade. Como fazemos isso? Quando desde Izquierda Socialista falamos das saídas de fundo, com um governo dos trabalhadores, nos referimos centralmente a três aspectos.

Primeiro, expropriar a burguesia, as grandes multinacionais, os grandes empresários. O que significa? Tirar-lhes sua propriedade dos meios de produção, a indústria, a produção agrícola. Segundo, planificar essa nova economia reorganizada por um Estado dos trabalhadores. Com que prioridade? Nunca mais a prioridade será o lucro dos empresários, agora tudo estará a serviço de satisfazer as necessidades mais básicas para a classe trabalhadora e as massas, como saúde, moradia e educação. Esses seriam os grandes objetivos do plano econômico que sempre defendemos que é necessário. Terceiro, é necessário estender e coordenar essas saídas revolucionárias com os trabalhadores e as massas dos países vizinhos.

Pensemos o seguinte: Argentina e América Latina, que conhecemos melhor. Se estivessem unidas, em cooperação através de governos operários e socialistas, poderia se cortar a pilhagem imperialista, a produção com fins lucrativos e as fronteiras nacionais.

Dou alguns poucos nomes. Expropriamos a família Odebrecht no Brasil, que é tão rica que conseguiu corromper vários governos latino-americanos, e não só latino-americanos. O senhor Slim, um dos dez mais ricos do mundo, que possui a Televisa, tudo que é telecomunicações, os celulares Claro. O Paolo Rocca, da Techint. O Bulgheroni, empresário do Petróleo, entre outras coisas. E as empresas estrangeiras, as automotoras, as agroindústrias, os bancos. Assim, quase de imediato se poderia realizar na América Latina uma produção reorganizada de alimentos que permitiria rapidamente erradicar a fome. A Argentina e o Brasil, grandes produtores de alimentos. Peru, para variar a dieta, contribuiria com todo tipo de pescados. Colômbia e Costa Rica, café. Tiraríamos os lucros colossais dos exportadores atuais, e o que quiséssemos exportar faríamos através de uma entidade nacional a serviço de um planejamento central. Poderíamos frear a pilhagem dos mares, que devasta o mar do Peru e da Argentina. Em termos de energia, não seria imediato, mas se poderia avançar com tudo na busca de energia renovável e, enquanto isso, teríamos petróleo abundante e barato da Venezuela, México e Equador para todos. Sem fazer loucuras como a de Vaca Muerta (Argentina) e sem dar para as multinacionais como se está fazendo atualmente nesses países. Teríamos minérios de sobra do Chile e Bolívia. Vestuário com a lã e o algodão da América Central e do Uruguai. Se poderia começar a construir e reconstruir ferrovias, que é o transporte mais barato e limpo. Poderíamos tomar medidas urgentes para proteger a Amazônia, acabar com o desmatamento e não devastar mais as florestas. Começar a frear de verdade a destruição do meio-ambiente.

Isso se aplicou alguma vez?

Assembleia do Soviete de Petrogrado, 1917.

Sim, se aplicou e funcionou. Foram os primeiros anos da revolução socialista de 1917 na Rússia, os primeiros seis anos, quando surgiu a União Soviética. Graças a essas medidas, fundamentalmente a expropriação da burguesia e a planificação econômica, se saiu de um tremendo atraso de um enorme país camponês, se ganhou uma brutal guerra civil e se recuperou um país devastado por essa guerra. E isso foi feito com uma direção revolucionária internacionalista consequente, que era a de Lênin e Trotsky. Eram os bolcheviques, que pouco depois adotaram o nome de Partido Comunista da União Soviética. Funcionavam organismos operários, democráticos, com os camponeses, que se chamavam sovietes.

Esse progresso, esses primeiros passos, se frustraram, porque não se avançou ao terceiro. Não se estendeu com novos triunfos da revolução socialista na Europa, nos países mais avançados, que era onde Marx dizia que teria que começar a revolução. E a URSS foi tomada por uma burocracia, o estalinismo. Agora, apesar dessa burocracia ineficiente que buscava preservar seus privilégios e era repressora, a URSS se transformou na segunda potência mundial.

Por isso nós insistimos, onde se expropriou a burguesia e se planificou a economia, inclusive com burocratas repressores e ineptos, começou um progresso. Como se viveu na China desde os anos 50, em Cuba desde os anos 60. Agora também dizemos que esses processos se detiveram e retrocederam ao capitalismo outra vez. Como explicamos isso? A volta ao capitalismo na ex-URSS, no Leste Europeu, China e Cuba demonstra que o socialismo tem que ser mundial. Há que se estender a revolução e há que construir o socialismo sem burocracias reformistas e repressivas, com liberdade, com a iniciativa dos trabalhadores, e não com ditaduras sinistras de partido único que só o que fazem é defender as suas fronteiras nacionais, que é justamente o que o socialismo tem que abolir para se estender.

Como conseguir?

Dialogando com ativistas e trabalhadores que acompanham a FIT – Unidade e a Izquierda Socialista (Argentina), que nos dizem que “seria lindo, mas não tem como destruir o capitalismo, não conseguimos”.

O que respondemos? Não é fácil, mas é possível, não é uma utopia. Com o capitalismo imperialista os trabalhadores e as massas vivemos cada vez pior. O impossível e utópico é conseguir progredir e ter um futuro com o capitalismo. Temos que destruir o capitalismo com a revolução socialista.

Como avançar agora, a partir do presente, para as saídas que dão lugar ao governo revolucionário que implemente o início das medidas socialistas? O que fazer agora?

Imagem de manifestantes com bandeira Mapuche no topo de estátua militar em Santiago. Essa foto se tornou símbolo dos protestos no Chile contra o governo capitalista de Sebastián Piñera — Foto: Susana Hidalgo/BBC

Há duas tarefas. A primeira, há lutas, e há que se desenvolver as lutas, aqui e no resto do mundo. O capitalismo é mundial e a solução precisa ser mundial. Lutam os trabalhadores, a juventude estudantil e precarizada, as mulheres comovem o mundo com sua mobilização, há um movimento em defesa do meio-ambiente. Nós dizemos que é preciso impulsioná-las, é preciso uni-las, é preciso se solidarizar com todas as lutas contra os governos, contra os patrões, por liberdades, por condições de vida, que muitas vezes se dão contra ou passando por cima dos burocratas sindicais que dão para trás e traem essas lutas.

A segunda tarefa: precisamos construir uma nova direção alternativa, o partido revolucionário, aqui e em todos os países. Um partido que luta e defende a independência política da classe trabalhadora contra todos os patrões e todos os governos burgueses, que responde à tarefa eleitoral como fazemos com a FIT – Unidade, mas sem criar falsas expectativas no Parlamento como os políticos burgueses e a socialdemocracia. Que convoque a unidade dos revolucionários com um programa pelo socialismo e o apoio a todas as lutas e causas justas.

Nesse caminho é que chamamos as lutadoras e os lutadores para que se somem a esse esforço na construção da Izquierda Socialista (Argentina).


UIT-QI é a Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional

Publicado originalmente em: http://www.uit-ci.org/index.php/noticias-y-documentos/temas-generales/2561-2020-05-08-15-18-21
No Brasil também estamos à serviço dessa batalha através da Corrente Socialista de Trabalhadoras e Trabalhadores (CST – PSOL), seção brasileira da Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI).

Leia outros textos de História e Formação Política:

Engels sobre a natureza e a humanidade

O Exército Vermelho toma Berlim: 75 anos do fim da segunda guerra mundial

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *