BOLÍVIA | Eleições em meio a crise sanitária, econômica e política

Escreve Miguel Lamas, diretamente da Bolívia

Publicado originalmente em El Socialista nº 480, 7/10/2020, acesso em: https://bityli.com/CU78K

Tradução: Manu Sousa


Dia 18 de outubro tem eleições nacionais na Bolívia. As pesquisas indicam que o MAS teria alguma possibilidade de ganhar no primeiro turno. Mas inda há mais de 20% de votantes “indecisos” e os que votariam “branco ou nulo”. Se o MAS não chega à 40% e não obtem mais de 10% sobre o segundo lugar, haverá segundo turno e ganharia Carlos Mesa, hoje em em segundo nas pesquisas, porque iria reunir o voto anti-MAS. Tudo isso no meio de uma profunda crise de saúde, econômica e política, que torna ainda mais imprevisíveis os resultados.

O governo de fato,e reacionário, de Jeanine Añez, no meio da pandemia teve uma política econômica desastrosa para a saúde e para a economia da popular, apoiando economicamente os bancos e oligarcas agroindustriais. A isso se somou uma corrupção desenfreada, que inclui a compra de respiradores da Espanha, que não funcionaram, com sobrepreços enormes, e não sendo entregue sequer a mesquinhez  já prevista para os hospitais.

A Bolívia, segundo dados oficiais, é o terceiro país no mundo em mortes de coronavírus por habitante. Mas pode chegar a ser o primeiro dessa lista macabra, um informe publicado pelo jornal ianque New York Times revela que os dados reais de falecidos “em excesso” na Bolívia, em relação aos outros anos, presumivelmente são por conta do coronavírus.

O último a sair que apague a luz

Añez teve que renunciar a sua candidatura à presidência nas próximas eleições, não passava de 10% nas pesquisas. Cada semana se vai um ministro. Todos os que a apoiaram no começo, incluindo os candidatos Carlos Mesa e o ultra-direitista Luis Fernando Camacho, e até o seu partido, o Democrata, passaram à oposição, com duras críticas públicas, frente o acachapante rechaço popular ao seu governo.

O MAS foi cúmplice do governo no Parlamento já que não fez nenhuma lei, sendo que tem uma maioria de dois terços, à favor da economia popular e da saúde. Mas, óbviamente, também denuncia duramente Añez.

Eleições no meio da crise

Nesse contexto, se chega às eleições com importantes lutas dos trabalhadores contra as demissões, e dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde pelos seus direitos trabalhistas, pelo abastecimento dos hospitais, etc. Lutas que não tem o mínimo apoio da Central Obrera Boliviana (COB).

Há sete frentes eleitorais, das quais só dois competem pela presidência, Luis Acrde (MAS, 40% dos votos válidos nas pesquisas) e Carlos Mesa (Comunidad Ciudadana, 32% de votos válidos), e um terceiro, Luis Fernando Camacho, da extrema-direita (16%), e mais de 20% de cidadãos que não não respondem ou declaram voto nulo ou branco. Para que não exista segundo turno o primeiro lugar tem que superar 40% dos votos válidos, não contando brancos ou nulos, e ter mais de 10% de diferença em relação ao segundo.

Ainda que pareça o menos provável, o MAS poderá ganhar no primeiro turno. Se houver segundo turno, se supõe que Carlos Mesa ganharia ao reunir consigo o conjunto dos votos anti-MAS.

O MAS mantém uma forte votação

Os MAS governa desde 2006 e chegou a ter 64% dos votos em 2014, sofreu um desgaste importante frente a queda de preços dos hidrocarbonetos, por conta do seu falso “socialismo andino” que não realizou uma verdadeira nacionalização do gás e nem das mineiras, pactuou com a oligarquia agroindustrial e com as multinacionais mineiras (Sumitomo) e de gás (Repsol) à quem deu cada vez mais vantagens. Inclusive, em diversas circunstâncias, recorreu em diversas circunstâncias à repressão contra os trabalhadores e indígenas e subjugou suas organizações.

Por isso, um numeroso setor de trabalhadores rompeu com o MAS. Porém, o desastroso governo de Añez e a falta de alternativas eleitorais permitiram ao MAS conservar o voto de grandes setores populares, camponeses, indígenas e trabalhadores precarizados que não querem a direita no poder. E de alguma forma confiam que se volte à relativa bonança econômica dos primeiros anos de governo do MAS, pelos altos preços internacionais de gás e dos minérios.

Arce e Mesa fazem campanha com promessas nos ares, sem mencionar o que farão com o domínio econômico decisivo das multinacionais do gás, das mineiras e do agronegócio latifundiário, nem com que medidas poderão evitar a crise econômica cada vez mais grave que é descarregada sobre o povo trabalhador.

Tudo indica que, ganhe quem ganhe, Mesa ou o MAS, será um governo de crises e não à serviço do povo trabalhador e dos camponeses. Tão pouco pode-se descartar uma crise pós eleitoral imediata por conta de um resultado confuso, denúncias de fraude, etc.

Voto nulo ou branco e construir o Partido dos Trabalhadores

O Partido dos Trabalhadores (PT), que a ARPT (seção da UIT-CI) integra, fundado por um congresso da COB em 2013, hoje em reconstrução, que não tem legalidade eleitoral, chama voto branco ou nulo.

O PT considera que tanto Mesa como Camacho expressam forças abertamente anti-populares pró-imperialistas, que se disfarçam de “democráticas”, e que o MAS, ainda que conserva parte da sua base popular, camponesa e de trabalhadores que não querem um governo direitista, é um falso socialismo que já fracassou. Seu candidato, Luis Arce, foi ministro de Economia do MAS que traiu a Agenda de Outubro e manteve as transnacionais como donas do gás. Agora segue sustentando um plano claramente capitalista para voltar a fazer acordos com as multinacionais e o agronegócio, como fez no seu governo anterior, mas em uma situação econômica nacional e internacional muito pior.

Por isso o chamado do PT é pelo voto branco ou nulo e à luta por unir os trabalhadores da cidade e do campo, para construir uma alternativa que tome seus próprios interesses de classe, enfrentar o ajuste capitalista anti-popular, expropriar as multinacionais e os grandes latifúndios, impulsionar uma economia popular apoiada na produção camponesa agrária, uma industrialização que respeite a natureza e defender os direitos trabalhistas e dos indígenas, por um governo do povo trabalhador com base em assembleias populares.

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