Aborto Legal Já!

Pela segunda vez na história, conquistamos a “meia-entrada” da Interrupção voluntária da gravidez (IVE)[1] . A #MareaVerde que ganhou o debate e a descriminalização social há dois anos atrás e agora voltou a tomar as ruas ao redor do Congresso na última quinta-feira, 10, se prepara para a batalha final contra o retrógrado e conservador Senado, com sessão no 29D. Sejamos milhares nas ruas para pressioná-lo!

Escrito por Mercedes Trimarchi, dirigente do Movimento Isadora e deputada buenairense (mc) pelo Izquierda Socialista/FIT Unidad.

Tal como vimos sustentando, as Leis se debatem no Congresso, mas os direitos se conquistam nas ruas. Por isso, alcançar o aborto no país do Papa argentino, não será uma concessão de um presidente ou de um parlamento. É pela luta do movimento feminista que ganhou um impulso maior com a irrupção da quarta onda de lutas a partir de 2015 e que se rebelou contra toda forma de violência patriarcal.

Sim, #NiUnaMenos também é por abortos clandestinos. Pelas mais de três mil mulheres que perderam sua vida por um aborto inseguro. São as mortes evitáveis que nenhum governo desde 1983 até esse momento evitou – nem peronista, nem radical, nem do PRO -, justamente por serem fiadores da clandestinidade do aborto que pregam junto com a igreja católica.

Os setores celestes[2] anti-direitos seguem mostrando sua face do ódio contra as mulheres e o direito de podermos decidir sobre o nosso corpo com argumentos falaciosos. O último papelão foi do expositor Edgardo Young, enviado pelos senadores celestes como “especialista” no tema. “Quando vi que colocam data de 1000 dias para a interrupção legal da gravidez, nunca entendi e ninguém me explicou o porquê dos 1000 dias”, colocando em evidência que nem sequer havia lido o projeto de IVE que já tem a “meia-entrada”, se confundindo com a outra lei que se aprovou em deputados.

O Papa está envolvido pessoalmente para evitar que saia a Lei. E os partidos tradicionais contribuem com quantidades de votos negativos. Por exemplo, várixs deputadxs na sessão do 10D reiteraram que “não era o momento” de tratar o projeto. Apesar de tudo isso, se conquistou a “meia-entrada” e agora vamos ao Senado, esses dinossauros que nos negaram nosso direito em 2018, mas não nos derrotaram. Serão dias decisivos a fim de terminar de impor nosso direito, com a força das mulheres e meninas mobilizadas. Da nossa parte faremos tudo o que for possível, com nosso agrupamento de mulheres impulsionando a mobilização e as cadeiras da esquerda, como as dos nossos companheiros Juan Carlos Giordano e Nicolás del Caño, onde a Frente de Izquierda está completamente a favor do aborto legal.

É agora, é urgente!

O presidente Alberto Fernández, depois de anunciar em março que iria enviar um projeto, o atrasou injustamente, dizendo que não era o momento (utilizando como desculpa a pandemia) e que teria outras prioridades. Acabou apresentando, mas o seu, não o da Campanha Nacional. É uma conquista que o governo tenha sido obrigado a garantir o direito nas 14 semanas e que a ação social cobre isso. Mas a Frente de Todos lhe agregou a Objeção de Consciência (primeiro individual e depois institucional), a qual claramente será usada como obstáculo para garantir nosso direito, o que rechaçamos de maneira contundente através do Isadora e da Frente de Izquierda Unidad.

Recordamos ao presidente que, durante esses meses, cinco mulheres morreram por abortos inseguros e várias meninas foram obrigadas a parir. E que a primeira vez que a Campanha Nacional apresentou seu projeto foi em 2006 e desde então foi sistematicamente bloqueado pelo governo de Cristina Fernández. Evidentemente, para os partidos patronais e para a igreja católica, nunca é o momento. Por isso, desde o movimento feminista nos organizamos para lutar e arrancar dos governos, Congresso e das patronais cada uma das nossas demandas. Não somente o aborto legal, mas também licenças igualitárias para maternidade/paternidade, para que se aplique a Lei de ESI[3] em todo o país, que se declare a emergência nacional em violência de gênero com pressuposto baseado no não pagamento da dívida externa, por salários iguais, por trabalhos iguais, entre tantas outras.

A luta pelo direito ao aborto leva décadas e na maioria dos países já foi conquistado. Por isso a batalha que estamos travando na Argentina recebe o apoio de milhões pelo mundo. Como dizem nossas companheiras da Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores-Quarta Internacional (UIT-QI): “Se ganham as argentinas, ganhamos todas”.

Pelas que já não estão, pelas sobreviventes, pelas presentes e futuras gerações que terão mais um direito fundamental, redobremos nossos esforços. No 29D, participar da vigília no Congresso junto ao Isadora e Izquierda Socialista na FIT Unidad, e em todas as praças do país. Conquistemos juntas o direito ao aborto legal, seguro e gratuito!

A Frente de Izquierda 100% a favor

A Frente de Izquierda é a única alternativa política que tem em seu programa fundacional o direito ao aborto legal, seguro e gratuito. E diz: educação sexual para decidir, contraceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer. Não o tem nem o peronismo em todas as suas variantes, nem o Juntos por el Cambio (PRO-UCR-CC). Isso é muito importante na hora de explicar por que sempre estaremos desde as nossas cadeiras, militância e nossos agrupamentos de mulheres em defesa desse direito fundamental, nas ruas e em qualquer âmbito. Alguns meios de comunicação reconheceram: “e como geralmente acontece, as colunas da esquerda estiveram desde cedo e se mostraram com uma forte organização. Se trata do único espaço que, com seus dois integrantes (Nicolás del Caño e Juan Carlos Giordano) votou uniformemente a favor”. (Notícias Argentinas,11/12).

Quando se fala da “transversalidade” na votação sobre aborto como algo positivo (isto é, deputadas e deputados de diferentes espaços políticos tradicionais que votam de forma entrecruzada) ou se dá “liberdade de consciência”, unicamente o que está demonstrado é que cada um desses partidos pode votar como quiser e ainda justificar o voto contrário. O que é preciso saber é que esses deputados fazem parte de listas partidárias que dão as costas ao movimento de mulheres e que somente pela onda verde estão obrigados, em muitos casos, a votar a favor. Por exemplo, Cristina Kirchner sempre esteve contra e, se em 2018 votou a favor, foi porque sua filha a convenceu, não por convicção.

Todas as alianças eleitorais tradicionais, mantêm a clandestinidade do aborto, menos a Frente de Izquierda Unidad. Chamamos as mulheres, adolescentes e estudantes a abraçar um verdadeiro programa de luta, homogêneo, sem fissuras, pelo aborto legal e por todos os direitos violados, somando-se ao Izquierda Socialista e à FIT Unidad.

M.H.

Sobre a Objeção de Consciência

Escrito por Madalena Lenta

Um dos pontos que questionamos fortemente do projeto de lei de IVE é o artigo sobre a objeção de consciência (OC). Historicamente, a OC tem sido uma figura para a proteção das minorias no resguardo de seus valores como, por exemplo, não querer participar de uma guerra ou da formação no serviço militar obrigatório por estar contra o uso de armas. Mas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, a lógica se inverte, pois é uma prática que afeta os direitos de terceiras pessoas, isto é, vulnera os direitos das pessoas gestantes que se encontram numa situação de desvantagem, já que com o passar do tempo, pela protelação dos objetores, se dificulta cada vez mais o acesso à IVE. Tal como demonstram os casos de muitos países, onde a objeção de consciência está legislada no marco da IVE, como na Itália ou Polônia, esta não funciona como uma exceção, mas como a regra. E termina sendo uma verdadeira obstrução dos nossos direitos. Por isso dizemos: abaixo a objeção de consciência individual e institucional!

 

 

[1] Sigla em espanhol para Interrupción Voluntaria del Embarazo (nota da tradução).

[2] Denominação dos setores contrários à legalização do aborto na Argentina, devido a cor azul-celeste que caracteriza o movimento impulsionado pela igreja católica e outros setores conservadores do país (nota da tradução).

[3] ESI: Educação Sexual Integral (nota da tradução).

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