Projeto de Lei contra as patentes na Argentina

 

Texto completo do projeto apresentado pelo deputado Juan Carlos Giordano (Dirigente do partido Izquierda Socialista, que compõe a FIT Unidad) na Câmara de Deputados da Nação Argentina, no dia 4 de fevereiro de 2020. Izquierda Socialista é a seção na Argentina da Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI).

 

Projeto de Lei

 

Por um plano emergencial para produzir milhões de vacinas contra a Covid-19, rechaçando as patentes médicas e o negócio capitalista de laboratórios e produtos farmacêuticos

 

Art. 1: Declara-se a prioridade sanitária para o combate à pandemia da Covid-19, destinando os recursos humanos, tecnológicos e de infraestrutura necessários para conseguir a produção em grande escala das vacinas necessárias para a imunização da população.

 

Art. 2: O Poder Executivo Nacional deve implementar todas as ações econômicas, comerciais e de qualquer outra índole para tal fim, começando por desconhecer as patentes médicas que regem sobre as vacinas e medicamentes para combater a pandemia, podendo, por esta lei, intervir em laboratórios e empresas farmacêuticas estrangeiras e nacionais, no intuito de contar com todos os insumos e tecnologia necessários.

 

Art. 3: O plano de produção, distribuição e aplicação massiva de vacinas deve ser de forma gratuita e disponibilizado imediatamente para os milhões que necessitam, e deve ser controlado, administrado e gerido pelos profissionais e trabalhadores da saúde, cientistas, acadêmicos, epidemiologistas e demais profissionais, personalidades e organizações que apoiem.

 

Art. 4: Destina-se todos os fundos necessários para sustentar o presente projeto, começando pela suspensão imediata do pagamento da dívida externa e por um verdadeiro imposto especial sobre os lucros dos bancos, multinacionais, laboratórios, oligarcas e grandes empresários.

 

Justificativa

 

A pandemia da Covid-19 segue fazendo estragos em todo o mundo, com milhões de infectados e mortos, enquanto se anunciam novos surtos e ondas. Diante desse cenário catastrófico, estamos assistindo a um outro, já que, apesar da grande conquista da vacina, um punhado de multinacionais farmacêuticas e laboratórios estão privando milhões de pessoas do direito humano essencial de se imunizar, pois impedem, por meio da existência das patentes, a produção em grande escala que possibilitaria imunizar e salvar milhões de vidas. Dito em outras palavras, o capitalismo gerou esta pandemia e agora é o mesmo capitalismo imperialista que, por sua sede de lucro e apesar do descobrimento da vacina, impede a imunização massiva.

Por isso, saudamos a campanha que vem sendo impulsionada por distintas organizações, como os Médicos Sem Fronteiras, para que “não haja patentes médicas e que as vacinas, medicamentos e diagnósticos para a Covid-19 cheguem realmente para todas as pessoas do mundo”, reivindicando que os governos exijam “a isenção das patentes de métodos de diagnóstico, tratamentos e vacinas enquanto durar a pandemia”, pronunciando-se pelo “Não às patentes de medicamentos, vacinas e diagnósticos durante a pandemia”.

É sabido como atuam as multinacionais farmacêuticas e os grandes laboratórios. Mas os governos capitalistas vêm acobertando e fomentando seus grandes lucros, inclusive fazendo contratos milionários secretos e de “confidencialidade”. Estamos falando de cifras astronômicas. Segundo distintas fontes, a Pfizer, em 2019, obteve lucros líquidos na casa dos 16 bilhões de dólares; a AstraZeneca, de 6 bilhões de dólares; a Johnson & Johnson, de 15 bilhões; e a Moderna viu crescer sua cotação de mercado de 7 para 45 bilhões de dólares.

Os governos utilizaram bilhões de dólares, tirados diretamente dos orçamentos nacionais, para subsidiar as empresas farmacêuticas para que elas desenvolvessem as vacinas e estão gastando mais bilhões para comprá-las. Mas assinaram acordos com essas companhias, onde elas obtiveram prazos de entrega flexíveis, proteção de patentes e a garantia de não serem responsabilizadas se algo desse errado, blindando-as contra os sistemas judiciários nacionais, como a recente lei 27573, votada na Argentina pelas variantes peronistas e pela oposição patronal do Juntos por el Cambio, apesar da ferrenha oposição da Frente de Izquierda Unidad. Os governos imperialistas da Alemanha, França e Itália denunciam o não cumprimento da entrega da vacina por Pfizer, Moderna e AstraZeneca, mas assinaram contratos leoninos e secretos com elas. O mesmo fez o Fundo de Acesso Global para Vacinas Covid-19 (COVAX, por sua sigla em inglês), a aliança de mais de 190 países que está comprando 2 bilhões de doses das empresas farmacêuticas.

A acumulação por parte dos principais países é obviamente repudiável. Segundo a Anistia Internacional, os países que representam apenas 13% da população mundial estão com 52% das vacinas existentes. A União Europeia ficou com 2 bilhões de doses quando só tem 450 milhões de habitantes. O Canadá garantiu suprimentos equivalentes a cinco vezes sua população. Israel, que se coloca como exemplo, pagou muito mais caro pela vacina em troca de concessões leoninas, privando o povo palestino da vacina.

O atraso na produção de vacinas é um problema mundial do qual participam todas as multinacionais farmacêuticas. O doutor Germán Velásquez, ex-diretor do Programa de Acesso a Medicamentos da Organização Mundial da Saúde, denuncia que “as patentes estão destruindo a campanha de vacinação”. O fato é que as vacinas foram desenvolvidas graças a pesados subsídios estatais, mas, graças às patentes, as multinacionais estão se apoderando de algo que é patrimônio da humanidade. É repudiável que gozem de livre acesso às pesquisas realizadas em laboratórios públicos ou universitários e agora careçam da obrigação de compartilhar seus próprios resultados.

Não é nenhuma utopia lutar pelo o que estamos defendendo. Na história há exemplos de mobilizações e repúdios às patentes e abusos das multinacionais. Em 1992, por exemplo, o Laboratório Lilly tentou patentear a insulina, mas teve que desistir diante da pressão de médicos e da opinião pública. Durante a II Guerra Mundial, os inventores do procedimento para a produção industrial de penicilina decidiram não patenteá-lo por razões humanitárias. Em 1997, o governo sul-africano, em sua necessidade de fazer frente à AIDS, promulgou a Medicines Act que, apesar da frontal oposição dos EUA, suspendia as patentes antirretrovirais. O Brasil, em 2001, desconheceu a patente do medicamente Nelvinavir (Roche) contra esse mal. Também nesse ano, durante a chamada crise do ántrax, EUA e Canadá fizeram uso da faculdade de suspender a patente da ciprofloxacina que a Bayer possuía, produzindo-a massivamente como genérico.

A pressão social fez com que a OMC (Organização Mundial do Comércio) emitisse a Declaração de Doha em 2001 – da qual a Argentina é signatária –, que dá carta de natureza ao direito dos países a ativar licenças obrigatórias para medicamentos essenciais destinados a lutar contra problemas de saúde pública. Mas os Estados Unidos e a União Europeia estão inviabilizando a aplicação desse recurso, com a cumplicidade tanto da OMC como da OMS, organismos cúmplices das potências imperialistas.

Lutar contra as patentes para vacinas e medicamentos que são patrimônio da humanidade é a tarefa de agora. Como foram os casos da vacina Salk contra a poliomielite e da penicilina, cujos inventores, Jonas Salk e Alexander Fleming, não patentearam as ditas vacinas.

Uma coalizão de 99 países, liderada pela Índia e pela África do Sul, solicitou à Organização Mundial do Comércio que ceda os direitos de propriedade intelectual para que os fabricantes de medicamentos genéricos possam começar a produzir as vacinas. O mesmo vêm reivindicando os Médicos Sem Fronteiras, a reconhecida ONG Oxfam, a Anistia Internacional, Frontline Aids (ajudas de primeira linha) e Global Justice Now (Justiça Global Agora). Recentemente, a reitoria da Universidade Federal de São Paulo, Brasil, se pronunciou no mesmo sentido, entre muitas outras personalidades.

O governo argentino, signatário dessa declaração, deve desconhecer unilateralmente as patentes de vacinas e medicamentos, encarando a produção local para enfrentar a pandemia. O presidente Alberto Fernández disse em Davos que a vacina deve ser um “bem público global”. Também o disse o presidente da França, Emmanuel Macron, e o ditador chinês, Xi Jinping. Mas é uma saudação à bandeira, porque não atuam de forma consequente, chamando a desconhecer as patentes e obrigando as suas empresas a isso.

Em agosto de 2020, o governo peronista da Frente de Todos anunciou a produção da vacina Oxford AstraZeneca, a qual iria ser levada a cabo pelo multimilionário empresário kirchnerista Hugo Sigman, um dos homens mais ricos da Argentina (Grupo Insud Pharma), em sociedade com o magnata mexicano Carlos Slim. Sigman se dedica à indústria farmacêutica, tem fábricas na Argentina e presença em 40 países. Recentemente, inaugurou a fábrica de Garín (Argentina), onde se realiza a produção do princípio ativo transferido pela AstraZeneca. O governo também anunciou os testes no país para a fase 3 da vacina Pfizer, à qual se apresentaram 4.500 voluntários no Hospital Militar. Mas a vacina não aparece!

Precisamente, a coprodução da vacina entre Argentina e México demonstra que nosso país pode dar um grande impulso ao desenvolvimento da produção da vacina se usar essa produção em benefício do país e não da AstraZeneca ou de empresários como Slim.

A luta por vacina para todos e contra as patentes está colocada como uma necessidade urgente. O governo argentino deve impulsionar a produção de milhões de vacinas (compartilhadas de forma conjunta com outros governos e países), fazendo uso de toda a capacidade instalada no país, obrigando o Grupo Insud e o restante dos laboratórios e empresas farmacêuticas a utilizarem sua tecnologia, capacidade instalada e profissional, sob ameaça de intervenção e/ou estatização.

Se o governo argentino, junto a quase 100 países da OMC, subscreveu a declaração pela suspensão das patentes durante a pandemia, por que não dar mais um passo e desconhecê-las, fazendo uma campanha regional e mundial para que isso seja feito em outros países? É certo que os Estados Unidos, os principais Estados da União Europeia (entre eles o governo supostamente “progressista” do PSOE e Podemos), a Austrália e o Japão se opõem, mas há que se travar essa batalha.

Promovemos um grande movimento com pronunciamentos de cientistas, profissionais da saúde, trabalhadores e personalidades que querem combater a pandemia, além de ações, como as das organizações que hoje se mobilizam no Brasil para repudiar o governo desse país por estar contra a suspensão das patentes, o que permitiria que o imunizador fosse produzido em sua versão genérica.

Enquanto travamos essa batalha, assinalamos que este projeto de lei se localiza em uma saída global e de fundo levantada pela esquerda, pela abolição definitiva de todas as patentes e por um sistema nacional único de saúde, estatizando os laboratórios, a indústria farmacêutica e a medicina privada, colocando-os sob controle e gestão de seus trabalhadores e trabalhadoras para terminar com o negócio capitalista na saúde e, assim, poder garantir que o povo trabalhador desfrute de uma saúde pública, universal, gratuita e de qualidade.

Nós, do Izquierda Socialista e da UIT-QI (Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional), nos somamos a todos aqueles que protestam contra as patentes farmacêuticas, por vacinas gratuitas para todos e por um plano emergencial de produção mundial das mesmas com liberdade de produção em cada país. O presente projeto de lei vai nesse sentido.


participe da live:

LIVE 08/04 | Quebrar as patentes e garantir vacinação geral já!

A pandemia no Brasil é uma catástrofe cada vez maior. São mais de 300 mil mortos por covid confirmados, o país é o epicentro mundial e responsável por cerca de 1/3 das mortes diárias pela doença no mundo. Esse é o resultado do projeto genocida de Bolsonaro, que tem governadores e prefeitos como parceiros, já que não tomam as medidas necessárias para enfrentar o vírus.

É urgente a vacinação em massa para controlar a pandemia. Apenas cerca de 5 milhões de brasileiros estão imunizados, pouco mais de 2% da população. Uma quantidade ínfima. Em meio ao total descontrole, novas variantes seguem surgindo e podem até mesmo afetar a eficácia das vacinas.

Apesar dos cortes realizados por sucessivos governos, o SUS tem a estrutura necessária para vacinar milhões por dia. Porém, a média diária de doses aplicadas tem sido de 400 a 500 mil. No mundo, a vacinação vai num ritmo muito mais lento do que necessitamos para garantir nossa vida e saúde. Depois de vários meses com as vacinas já desenvolvidas e aprovadas, os dados são escandalosos: somente 1,66% da população mundial está imunizada contra a covid em 31/3.

Os pesquisadores desenvolveram as vacinas em tempo recorde, existe tecnologia e conhecimento científico para a produção de vacinas em massa no mundo, mas o interesse dos laboratórios de lucrar mesmo diante dessa brutal crise sanitária segue prevalecendo, garantido pelos governos.

O lucro das corporações privadas sediadas nas maiores potências imperialistas – como Pfizer, Astrazeneca, Moderna e Sinovac – está acima da vida, escancarando o caráter cruel do capitalismo. É urgente a quebra de patentes das vacinas para a sua produção em grande escala no mundo inteiro. É necessária a mais ampla unidade de ação com jornada de luta nas ruas para exigir vacina para todos e todas já.

Diante disso, nós da UIT-QI estamos promovendo uma campanha internacional contra as patentes e pela vacinação de todos. Na Argentina, Juan Carlos Giordano, deputado nacional da Izquierda Socialista e da FIT-U, apresentou projeto de lei pela quebra de patentes. No dia 8/4 às 18h30, Giordano vai estar com Diego Vitello, dirigente da CST-PSOL e do sindicato dos metroviários de SP, na live que estamos promovendo a partir da página da CST para divulgar a campanha.

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