EUA: Condenado o policial racista que assassinou George Floyd

por Simón Rodríguez Porras, dirigente da UIT-QI*  22/abril, 2021.

Em 20 de abril, o ex-policial Derek Chauvin foi condenado pelo assassinato de George Floyd. No tribunal, foi declarado culpado por todas as três acusações: assassinato em segundo e terceiro graus, assim como homicídio em segundo grau. Pela televisão foi transmitida a leitura da sentença e o momento em que, um inexpressivo Chauvin, era algemado e retirado da corte pelos oficiais de justiça para ser conduzido para uma cadeia.

Sem dúvidas foi um triunfo da rebelião antirracista do verão do ano passado, em que saíram às ruas mais de 20 milhões de pessoas, em marchas gigantescas em centenas de cidades de todos os estados do país, enfrentando a repressão policial e da Guarda Nacional, incendiando unidades policiais e derrubando estátuas e monumentos racistas.

Espera-se que a condenação, que deve ser dada por um juiz nas próximas semanas, seja de mais de dez anos de prisão. Essa decisão foi celebrada pela juventude e pelas comunidades que constataram que com sua mobilização se pode abrir uma brecha nas práticas de instituições racistas até a medula. Se demarcou um fato histórico. Segundo a União Americana para as Liberdades Civis, é a primeira vez na história do estado de Minessota que um policial branco é condenado por assassinar um homem negro sob sua custódia.

Estima-se que pouco mais de 1% das denúncias de excesso e brutalidade policial resultam em algum tipo de sanção nesse estado. A polícia aplica métodos violentos, frequentemente 7 vezes mais contra negros do que contra brancos na capital estadual, Mineápolis. Porém, no resto do país as coisas não são muito diferentes. Entre 2005 e 2017 foram assassinadas cerca de mil pessoas por ano pela polícia dos EUA. Em todo esse período, somente 29 policiais foram condenados por assassinato ou homicídio involuntário (BBC, 15/4/2021).

A mobilização derrotou a impunidade

O primeiro relatório policial sobre os acontecimentos daquele 25 de maio foi uma tentativa de encobrir o assassinato de Floyd. Segundo esse documento, a prisão teria sido feita sem incidentes, mas quando as tropas perceberam que o “suspeito” parecia “estar sofrendo de algum problema de saúde”, solicitaram atendimento médico, o que não o impediu de morrer posteriormente em um centro médico.

Mas o assassinato de Floyd, que foi acusado de ter comprado cigarros com uma nota falsa de US $ 20, foi filmado por várias pessoas, incluindo por uma adolescente, expondo o crime aos olhos do mundo. Durante nove minutos Floyd foi sufocado por Chauvin com a ajuda de outros três policiais, cujo julgamento ocorrerá nos próximos meses. As primeiras declarações de promotores locais indicaram que nenhum policial seria processado. Mas os protestos massivos mudaram tudo. No final, a polícia decidiu tentar lavar sua imagem, testemunhando contra Chauvin e acusando-o de violar procedimentos estabelecidos, algo que raramente é visto em tribunais dada a cumplicidade corporativa da polícia e sua ideologia racista.

Alívio e nervosismo entre os capitalistas

O presidente Biden ficou “aliviado” com a condenação, refletindo a reação mais generalizada entre os capitalistas, temerosa de uma nova explosão de fúria popular se o racista Chauvin fosse absolvido. Para a corrente política liberal da burguesia imperialista que representa, o mais importante é reconstruir a confiança nas instituições repressivas e judiciais, demonstrando que o sistema judicial “funciona”. Com astuto cinismo, Biden pretende nomear um projeto de reforma policial com o nome de Floyd. Durante os protestos anti-racistas do ano passado, a recomendação de Biden à polícia não era atirar para matar, mas “atirar nas pernas”.

Como parte do esforço para lavar a cara do regime, o procurador-geral Merrick B. Garland anunciou, um dia após a sentença de Chauvin, que uma nova investigação será aberta pelo Departamento de Justiça, além da investigação federal sobre o assassinato de Floyd , para determinar se o Departamento de Polícia de Mineápolis se envolve em práticas inconstitucionais ou ilegais, se existem padrões de brutalidade repressiva, discriminação ou outras práticas. Normalmente este tipo de investigação se resolve com negociações de reformas, por seu caráter ser mais político que propriamente judicial. Consequentemente, Garland insiste no mantra liberal de que a maioria dos policiais age “com honra” e está a favor da reforma.

Mas outros setores não esconderam seu ressentimento com o triunfo retumbante da luta antirracista. O editorial do Wall Street Journal, de 20 de abril, lamentou que a condenação de Chauvin não seja vista como uma demonstração de que o sistema funciona, mas como um triunfo de protestos “ilegais”. Este setor conservador entende que a lição que milhões estão aprendendo com essa experiência não é a mais conveniente para a burguesia.

Enquanto se fala sobre reformas e superação do racismo, o regime continua apertando parafusos com a recente aprovação de 29 leis estaduais repressivas, que atacam o direito de protestar. O número de novas leis antidemocráticas pode aumentar para 100 se projetos pendentes forem aprovados. Uma das leis, por exemplo, aprovada na Flórida na véspera da decisão contra Chauvin, permite que as pessoas que participam de protestos em que haja violência sejam criminalizadas, sem que o acusado tenha cometido propriamente qualquer ato violento.

As tarefas pendentes

Milhares de assassinatos racistas tão brutais quanto o perpetrado contra George Floyd permanecem impunes, embora nem todos tenham sido registrados em vídeo. A luta para colocar policiais racistas e assassinos na prisão continua, fortalecida pela condenação de Chauvin. Também não deve-se esquecer que durante os protestos anti-racistas de 2020 houve milhares de detenções, das quais centenas de pessoas foram criminalizadas e muitas permanecem atrás das grades. É importante seguir lutando por uma anistia geral para todos os lutadores antirracistas. A demanda por altos cortes nos orçamentos da polícia para reinvestir o dinheiro na assistência social, necessária no contexto da crise econômica, também continua em vigor.

As ilusões de que a condenação de Chauvin marca uma virada, alimentadas por Biden, seu governo do Partido Democrata e outros políticos do sistema, não têm base na realidade. A brutalidade policial racista não terminou. Perto do tribunal onde Chauvin foi condenado, apenas um mês antes, Duarte Wright, um afro-americano de 20 anos, foi preso por supostamente ter uma licença vencida. Quase simultaneamente à leitura do veredicto contra Chauvin, em Columbus, Ohio, policiais atiraram em Ma’hkia Bryant e a assassinaram com quatro tiros, uma adolescente negra, que no meio de uma briga havia chamado a polícia para intervir. Após o assassinato, um policial gritou “Blue Lives Matter” (“Vidas azuis importam”), termo usado pela extrema direita para justificar a brutalidade policial racista.

A realidade é que existem cerca de 800 mil policiais nos Estados Unidos, um verdadeiro exército, cujos inimigos são os pobres e os trabalhadores que os capitalistas precisam manter sob uma desigualdade social abismal, privados de direitos sociais como o acesso gratuito à saúde pública; com salários miseráveis ​​e regimes de trabalho precários. Os setores mais oprimidos e explorados da classe trabalhadora são os afro-americanos, os imigrantes e indígenas, contra eles se arrasta a violência organizada pelo Estado capitalista, o mesmo ocorre por governos democráticos ou republicanos.

Nenhuma reforma policial poderá ter como objetivo modificar essa função do aparelho repressivo capitalista. Isso é também o que alimenta o ódio legítimo da juventude pela polícia e o desejo de eliminá-la que está por trás da exigência de abolí-la. Mas o governo capitalista e imperialista de Biden, por mais pressão que se exerça sobre ele, não fará uma reforma que mude a função social da polícia, muito menos a abolirá e abrirá mão de um instrumento fundamental para manter os mecanismos de exploração em funcionamento. Em Mineápolis, no calor dos protestos, a prefeitura declarou que eliminaria a polícia e a substituiria por uma força comunitária. Assim que mudou a correlação de forças nas ruas, o projeto foi abandonado.

A rebelião anti-racista alcançou a condenação de Chauvin. Foi um fator decisivo na derrota política e eleitoral de Trump. Tem sido uma fonte de inspiração para lutadores de todo o mundo. Ainda que não tenhamos terminado de colher seus frutos e ainda há muitas batalhas pela frente. A destruição da polícia é uma tarefa revolucionária que só pode ser realizada por trabalhadores, pela juventude e comunidades oprimidas na medida em que possam construir suas próprias organizações políticas e se defender da violência dos capitalistas e de seus governos, estabelecendo em última instância um poder operário e popular. Só então poderemos dizer que a justiça foi feita às vítimas deste sistema de opressão e exploração.

*Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional

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