Especial – 150 anos da Comuna de Paris (1871 – 2021)

Os artigos que agora disponibilizamos em formato eletrônico foram originalmente publicados entre os meses de março e maio no jornal Combate Socialista (edições 124, 126, 128).

A Comuna de Paris foi uma espetacular insurreição que, através de sua Guarda Nacional, gestou um governo operário, uma ditadura do proletariado que durou um breve período.

Conhecer essa experiência, seus erros e acertos, é fundamental. E isso é ainda mais importante quando a maioria das organizações da esquerda não aposta numa estratégia revolucionária.

Nós da CST nos inspiramos nas lições da Comuna de Paris para seguir apostando na ação direta das massas, na organização e mobilização da classe trabalhadora, no desenvolvimento dos embriões do poder operário e popular e uma direção revolucionária consequente.

Boa leitura!


 

OS 150 ANOS DA COMUNA DE PARIS (1871-2021)

Parte I: Marx, Engels, a I Internacional e o significado da Comuna de Paris

Por: João Santiago, Coordenador do Sintsep/PA

 

“O proletariado assalta os céus…”

“Na madrugada de 18 de março de 1871, Paris acordou com o rebentamento do trovão ‘Vive la Commune’! O que é a Comuna, essa esfinge que tanto atormenta o espírito burguês”.  Assim Marx começava a leitura do tema da Comuna na Mensagem ao Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, intitulado “A Guerra Civil em França”, em 30 de maio, dois dias após o massacre dos communards.

A proclamação do Comitê Central da Guarda Nacional caiu como um raio em céu azul para a burguesia francesa: “…O proletariado…compreendeu que era seu dever imperioso e seu direito absoluto tomar em mãos os seus destinos e assegurar-lhes (aos operários) o triunfo conquistando o poder”.

De fato, por ordem do Comitê Central, foram convocadas eleições para a instauração da Comuna para o dia 26 de março, um domingo. Segundo Olivier-Lissagaray (combatente e historiador da Comuna), votaram 287 mil eleitores, muito mais do que a “Assembleia de Vampiros” – expressão de Marx –  da burguesia francesa instalada em Bordeaux em fevereiro e depois Versailles.

Composição da Comuna

Ao todo foram eleitos 88 conselheiros, sendo 16 administradores distritais ou adjuntos liberais representantes da burguesia e 72 revolucionários de todos os matizes. Vinte e cinco operários haviam sido eleitos, dos quais apenas 13 da Internacional. A grande maioria, segundo Lissagaray, era composta de pequeno-burgueses, empregados, contadores, médicos, professores primários, advogados, jornalistas. A maioria era extremamente jovem, alguns tinham no máximo 25 anos, como o prefeito de Policia de Paris, Raoul Rigault. Nenhuma mulher pode concorrer às eleições, pois foi usada a listagem do Império, e as mulheres não votavam na França.

Como foi possível a classe operária tomar o poder em Paris?

Após a derrota da França na guerra franco-prussiana, na Batalha de Sedan, em 1º de setembro de 1870, com a rendição de Napoleão III e de seus generais, os operários e a Guarda Nacional invadem o local onde se reunia o corpo legislativo e colocam abaixo o Império no dia 4 de setembro. Mas, o povo quer a República e obriga os deputados da esquerda a proclamá-la no Hotel de Ville. Como disse Engels, na Introdução à 3ª edição alemã da Guerra Civil em França, “O império desmoronou como um castelo de cartas, a República foi proclamada de novo”.

O poder caiu nas mãos da burguesia e de uma “cabala de advogados à caça de lugares”, com Thiers como seu chefe de Estado e Trochu como seu general, apossando-se do Hotel de Ville. Mas, como disse Marx, “com os verdadeiros dirigentes da classe operária ainda detidos nas prisões bonapartistas e os prussianos já em marcha sobre a cidade, Paris tolerou a tomada do poder, na condição expressa de ser exercido com o único propósito de defesa nacional”.

Entretanto, a 28 de janeiro de 1871, esses senhores capitulam ao exército prussiano, cai a sua “máscara da impostura”. São aceitos todos os termos da capitulação, inclusive eleger uma Assembleia Nacional em oito dias com o único objetivo de decidir sobre a paz e sobre a guerra. A contrarrevolução monarquista, com os restos do bonapartismo, se reuniu em Bordeux, a famosa Assembleia do “Rurais”.

Essa burguesia (com Thiers à cabeça) e sua “assembleia de vampiros”, tendo capitulado à Prússia, que ocupava um terço do território francês e deixava Paris isolada das províncias, precisava agora remover do seu caminho o maior obstáculo: a Paris operária armada. O pretexto para desarmar os operários era de que a Artilharia da Guarda Nacional de Paris pertencia ao Estado e ao Estado tinha que ser devolvida.

Às três horas da madrugada do dia 18 de março, Thiers dá início à guerra civil, ordenando que fossem roubados os 250 canhões em poder da Guarda Nacional, que estavam em Montmartre (XVIII Distrito), em Belleville, no fauborg Du Temple, na Bastilha, no Hotel de Ville, na place Saint-Michel, no Luxemburgo, etc. A operação é comandada pelo General Vinoy, bonapartista e prefeito da Polícia de Paris.

Bem-sucedida no início, pelo fator surpresa, a operação fracassa perante a resistência da Guarda Nacional e a confraternização entre a linha e o povo, principalmente as mulheres, que tomaram a dianteira e “rodearam as metralhadoras”, segundo nos conta Lissagaray. Entre elas, encontrava-se Louise Michel, militante blanquista, que fora eleita presidente do Comitê de Vigilância dos cidadãos do XVIII Distrito, Montmartre, antes da Comuna, segundo Gaston Da Costa. Dois generais que estavam à frente da operação, Lecomte e Clément Thomas, foram executados pelos soldados.

Assim, com a ocupação do Hotel de Ville pelo Comitê Central da Guarda Nacional na tarde do dia 18 de março, “o proletariado assalta os céus”, na famosa frase de Marx, em carta ao Dr. Kugelmann, datada de 12 de abril de 1871.

No próximo artigo, detalharemos as principais realizações da Comuna de Paris, como a supressão do exército permanente e sua substituição pelo povo armado, bem como seus erros apontados por Marx na “Guerra Civil em França”, principalmente não ter marchado imediatamente para Versailles e ter destruído todo o poder da burguesia liberal-monarquista; também veremos as limitações dos seus dirigentes, em sua maioria blanquistas e proudhonistas, responsáveis pelos principais decretos da Comuna, bem como o papel da Internacional.

Pelos seus feitos, Marx dirá que “o verdadeiro segredo da Comuna era esse: ela era essencialmente um governo da classe operária

 


 

Parte II – As realizações da Comuna e os erros dos seus dirigentes políticos, segundo Marx e Engels

João Santiago, Dirigente do SINTSEP-PA

A Comuna de Paris se manteve no poder por 72 dias, de 18 de março a 28 de maio de 1871. Como vimos no artigo anterior (CS nº 124), a burguesia liberal-monarquista, encabeçada por Thiers, tentou desde o início quebrar o primeiro governo operário da história.

Mas o que a Comuna fez de tão extraordinário, que causou tanto horror à burguesia francesa a ponto dela partir para a reação e aniquilar, com a ajuda do Império Alemão, a primeira tentativa de governo operário?

As medidas de classe implementadas pela Comuna

O primeiro decreto da Comuna, de 30 de março, foi a supressão do exército permanente e a sua substituição pelo povo armado, instituindo, na prática, o poder armado de 300.000 guardas nacionais, em sua ampla maioria operários e pequeno-burgueses. Era um golpe mortal na principal instituição do Estado burguês, as forças armadas reacionárias e o velho exército imperial. A Comuna se tornou um poder operante, executivo e legislativo ao mesmo tempo; os funcionários de todos os ramos da administração pública, desde os membros da Comuna até os de baixo, teriam que exercer sua função em troca de salários de operários.

Dentre outras medidas promovidas pela Comuna, destacaram-se: isenção de todos os pagamentos de aluguéis de casas de outubro de 1870 até abril (30 de março); a confirmação de todos os estrangeiros eleitos para a Comuna; a separação entre a Igreja e o Estado e a abolição de todos os pagamentos para fins religiosos; transformação de todos os bens eclesiásticos em propriedade nacional (2 de abril); a instituição do ensino laico, obrigatório e gratuito; exclusão de todos os símbolos religiosos (imagens, dogmas, orações) das escolas; decreto destinado à detenção de reféns, face às execuções diárias de combatentes da Comuna pelas tropas de Versalhes; queima pública da guilhotina, em 6 de abril; derrubada da Coluna de Vendôme, erguida por Napoleão depois da guerra de 1809 (executado a 16 de maio); abolição do trabalho noturno dos padeiros (20 de abril); supressão da casa de penhores, que eram uma exploração privada dos operários (30 de abril).

Os erros da Comuna e de seus dirigentes

A Comuna cometeu ao menos dois erros crassos diante da burguesia francesa. O primeiro foi não ter marchado imediatamente para Versalhes, que se encontrava completamente desguarnecida depois da capitulação à Alemanha, que impôs um exército regular de apenas 30.000 soldados, enquanto a Guarda Nacional tinha homens e armas suficientes para liquidar a reação burguesa em Versalhes. Em vez disso, o Comitê Central, perdeu dez dias organizando eleições, onde a própria burguesia e o partido da ordem participaram – eleições essas que poderiam muito bem ser feitas após a liquidação de Versalhes.

O segundo erro foi não ter expropriado o Banco da França. Engels diria que o Banco nas mãos da Comuna  “valia mais do que dez mil reféns” e que não dava para entender “o sagrado respeito com que se ficou reverenciosamente parado às portas do Banco de França” (Introdução à Guerra Civil em França). O controle do Banco da França significava uma pressão sobre toda a burguesia francesa, sobre o governo de Versalhes e no interesse da paz com a Comuna. Segundo Olivier-Lissagaray, em sua História da Comuna de 1871, a Comuna tinha quase 3 bilhões de francos à mão para garantir a vitória da revolução.

Os erros da Comuna foram os erros de seus dirigentes, cuja maioria, segundo Engels (Introdução à Guerra Civil em França), era composta pelos blanquistas – ligados ao socialista francês Auguste Blanqui –, que não tinham uma ligação direta com os operários e defendiam a tomada do poder apenas por uma vanguarda armada; e, em minoria, pelos membros da Associação Internacional dos Trabalhadores, predominando os seguidores de Proudhon, de caráter pequeno-burguês. Os companheiros ligados a Marx e Engels eram minoria entre os membros da Internacional, como Leo Frankel, o alemão que se tornou Ministro do Trabalho da Comuna.

Independente dos acertos gerais da Comuna, que destacamos, esses erros, fruto da política moderada dos dirigentes, foram cruciais para a sua derrota. Desde o dia 3 de abril, Thiers e seu exército fizeram incursões sobre Paris, capturando e fuzilando os communards. A burguesia escravocrata quis vingar com sangue a ousadia dos operários que capturaram Paris. Contou com a ajuda valiosa da burguesia alemã, representada por Bismarck, que devolveu cerca de 100 mil prisioneiros de guerra para que o governo de Thiers ajudasse a derrotar a revolução operária.

Na “semana sangrenta”, na última semana de maio de 1871, a burguesia foi para o ataque final contra os revolucionários parisienses. Foi um banho de sangue. As execuções continuaram depois e o massacre contabilizou mais de 30 mil mortos. “O povo de Paris morre entusiasticamente pela Comuna em números não igualados em qualquer batalha conhecida da história… As mulheres de Paris dão jubilosamente as suas vidas nas barricadas e nos lugares de execução”, dirá Marx em A Guerra Civil em França. Os que não foram fuzilados, foram presos ou deportados para a Nova Caledônia, totalizando cerca de 13.500, dos quais 157 mulheres e 6 crianças.

Apesar dos erros de sua direção, Engels dirá que a Comuna “foi a ditadura do proletariado” em seus 72 dias de vida.

 


 

Artigo III: As Lições da Comuna: A Revolução Russa e a necessidade do partido revolucionário

 

João Santigo, Dirigente do SINTSEP_PA e da CST

 

Hoje, quando muitos partidos e organizações políticas abandonaram a luta pelo poder político da classe operária, como o castrismo, o stalinismo, o PT e suas novas variantes como o chavismo na Venezuela ou quando novas organizações horizontalistas e figuras públicas não reconhecem mais a necessidade de um partido da classe operária, como Pablo Iglesias na Espanha, vemos como os revolucionários russos aprenderam com os erros da Comuna e viram no partido uma questão chave para a tomada do poder.

Lênin e as Lições da Comuna para a Revolução Russa

As Lições da Comuna de Paris tiveram uma transcendência mundial e chegaram até os revolucionários russos, principalmente Lênin e Trotsky, os dois principais dirigentes da Revolução Russa de 1917.  Lênin deu uma importância capital aos ensinamentos da Comuna, chegando a dizer que “A causa da comuna é a causa da revolução social, é a causa da completa emancipação política e econômica dos trabalhadores, é a causa do proletariado mundial” (Em Memória da Comuna, 28/04/1911).  No prefácio à tradução russa das Cartas de Marx a Kugelmann (1907), onde destaca as duas cartas de Marx sobre a Comuna de Paris (12 e 17 de abril de 1871), Lênin critica duramente Plekanov, o socialdemocrata que introduziu o marxismo na Rússia, quando este critica os operários russos que pegaram em armas em 1905, durante a primeira revolução russa, alegando que fora um erro. Quando este tenta se comparar com Marx, ao citar que Marx havia prevenido os operários parisienses a não tomar o poder, Lênin foi muito mais duro na crítica, ao dizer que Marx não pregou aos communards o sermão do filisteu presunçoso de Plekanov mas, ao contrário, louvou a iniciativa histórica das massas parisienses na carta de 12 de abril de 1871: “que elasticidade, que iniciativa histórica, que capacidade de sacrifício desses parisienses. A história não conhece exemplo semelhante de tal grandeza”.

Ao concluir esse prefácio e já prevendo uma segunda revolução russa, Lênin disse “A classe operária da Rússia já provou e provará muitas vezes ainda que é capaz de ‘assaltar o céu’”.  Mas é em O Estado e a Revolução, escrito às vésperas da revolução de outubro (agosto, 1917), que Lênin dedicou uma análise maior à grande obra da Comuna de Paris, polemizando com os reformistas e oportunistas russos e alemães, acerca da necessidade de a revolução russa dar o mesmo destino ao Estado burguês, que começasse a quebrá-lo desde o início. Ele deu como primeiro exemplo a supressão do exército permanente e substituição deste pelo povo armado; a supressão do parlamento burguês e não a “ocupação de seus espaços” como queriam os reformistas de todas as matizes, unificando os poderes executivo e legislativo; o mandato revogável dos funcionários do Estado e o salário igual ao de um operário, tudo isso com o objetivo da destruição do “estado parasita” da burguesia.

Mas a grande lição que Lênin tirou da Comuna de Paris foi a de que sem um partido centralizado, de combate, para a luta, o proletariado sempre será esmagado pela burguesia. Desde O Que fazer? (1903), Lênin estava convicto da necessidade de um partido revolucionário para a tomada do poder. E trabalhou todos os anos seguintes para a construção dessa ferramenta de luta.

Trotsky, as lições da Comuna e o papel do partido revolucionário

Também Trotsky, em plena guerra civil, na obra Terrorismo e Comunismo: o anti Kautsky, de maio de 1929, analisou a Comuna no capítulo 5, A Comuna de Paris e a Rússia dos Sovietes”. O objetivo do capítulo era responder às comparações oportunistas de Kautsky entre a Comuna e a Revolução Russa para mostrar que para Kautsky “as qualidades predominantes da Comuna é justamente onde vemos as suas infelicidades e equívocos” (Terrorismo e Comunismo: o anti Kautsky; editora Saga, RJ, 1969, p.71).

Trotsky não nega que a Comuna foi o primeiro “ensaio histórico…de dominação da classe operária…a aurora, embora pálida, da primeira República proletária”.  Disse, por exemplo, que os  partidos socialistas da Comuna não estavam preparados para a revolução e que ela os pegou desprevenidos, e que quando estavam no poder não souberam utilizar todas as estratégias e táticas necessárias para quebrar a dominação burguesa. Ao contrário da Revolução Russa de outubro e novembro, que foi minuciosamente preparada pelo partido bolchevique.

Trotsky disse que por trás dos revolucionários russos havia a heroica Comuna de Paris, “de cujo esmagamento deduziríamos que a missão dos revolucionários é prever os acontecimentos e se preparar para recebê-los” (p.75). Uma outra comparação importante que Trotsky faz é que o proletariado de Petrogrado, que tomou o poder em outubro de 1917, é inteiramente concentrado e não passou pelas tradições pequeno-burguesas dos operários parisienses; os operários russos não passaram, como os franceses, pela larga escola da democracia e do parlamentarismo. Foram chamados direto para as lutas revolucionárias, acaudilhados por um partido revolucionário.

Em maio de 1922, por ocasião do 50º aniversário da Comuna de Paris, Trotsky reafirmou que a questão do partido foi o fator-chave que faltou aos revolucionários parisienses. “Somente com a ajuda do partido, que se apoia em toda sua história passada, que prevê teoricamente a direção que os acontecimentos seguirão; que prevê suas etapas e define as linhas de ação precisas, pode o proletariado se libertar da necessidade de recomeçar constantemente sua história: suas dúvidas, sua indecisão, seus erros. O proletariado de Paris carecia de tal partido…”

 


 

Leia também, Leon Trotsky Lições da Comuna de Paris.

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