CUBA | chamado pela solidariedade ao jovem artista Abel Lescay

 

 por Lisbeth Moya González, escritora e jornalista cubana

 

01/12/2021. Reproduzimos este chamado de Lisbeth Moya González, que encontrou-se em Havana com Pablo Almeida, parlamentar da Izquierda Socialista (UIT-QI), partido integrante da Frente de Izquierda (FIT-U), da Cidade de Buenos Aires, Argentina. Almeida está de visita em Cuba e manifestou sua solidariedade com Abel Lescay.

 

As manifestações do dia 11 de julho significaram uma grande mudança em Cuba. Pela primeira vez desde 1959, os cubanos saíram para se manifestar nas ruas de diferentes províncias do país por muitas razões, mas sobretudo pelo descontentamento popular gerado pela crise econômica e a gestão da burocracia.

Ainda que seja correto afirmar que as sanções do governo estadunidense prejudicam a economia, ao analisar-se Cuba não se pode esquecer do fenômeno da burocracia e da falta de participação popular na política. As divergências são punidas fortemente e houve um exemplo disso no dia 11 de julho.

A reação do governo em relação ao dia 11J e a todo o tipo de divergências, inclusive da esquerda, é taxar todos os cidadãos de contrarrevolucionários, pessoas politicamente confusas ou “mercenários” pagos pelo governo norte-americano.

O fenômeno “Arquipélago” foi um exemplo disso. Trata-se de uma plataforma que, após os sucessos do 11J, buscava estabelecer um diálogo nacional, independente de ideologias. Foi em torno disso que se convocou uma marcha pacífica para o dia 15 de novembro. Esse projeto político foi dando mostras de um giro à direita, mediante projeções públicas e posicionamentos de alguns de seus membros.

O notável em si, no caso dessa análise, não é o Arquipélago, mas o tratamento dado pelo governo a esse tipo de dissidência. Novamente, utilizaram-se dos meios de comunicação, sem direito a réplica, para deslegitimar de todas as formas possíveis os principais organizadores e tentar provar seus vínculos com o governo norte-americano. A marcha foi desautorizada pelo governo, alegando que o Socialismo é irrevogável constitucionalmente e que as intenções desse protesto eram derrotá-lo.

Não obstante, uma das questões mais preocupantes é que no final de semana em que se realizaria a marcha, repetiu-se em Cuba, de maneira massiva, um dos capítulos mais tristes de sua história: voltaram os “atos de repúdio”, eventos organizados pelo poder político para, com uso de gritos, impropérios e todo tipo de violência verbal, atacar o espaço mais privado daqueles que divergem: a família, o lar. Imagine acordar com uma multidão em frente à sua casa gritando que você é “contrarrevolucionários”; e mais, com um ato político organizado em frente à sua casa, em seu bairro, diante de seus filhos e pais. Isso é um ato de repúdio, algo habitual e constrangedor em Cuba nos anos 80, sobre o qual muitas vezes já se debateu, algo que muitos cubanos se envergonham, mas que se repete hoje, com a estridência das redes sociais.

Nesse contexto, é notável que Cuba se abre à liberação de uma economia focada no Estado. O ordenamento monetário, uma medida já anunciada para enfrentar a crise, que desde antes da Covid-19 já era notável, chegou em um momento de escassez e com nuances nada vantajosas para o povo. Trata-se, na prática, de uma medida de segregação econômica que levou os cubanos ao desespero, pela falta de produtos básicos e a inflação. O ordenamento eliminou o CUC, a “moeda forte” emergente, que circulava em Cuba desde 1994, pelo período especial, para dar lugar à Moeda Livremente Conversível (MLC), bem como qualquer divisa internacional altamente cotizada no mercado negro.

Ao anunciar a medida do ordenamento econômico, o Ministro da Economia, Alejandro Gil, assegurou que, junto com as lojas da MLC, o restante das lojas continuariam comercializando todo tipo de produtos necessários em Pesos Cubanos, e que, justamente, essas lojas em MLC teriam como finalidade recuperar divisas estrangeiras para suprir o resto do comércio em Pesos Cubanos. Na prática, isso não ocorreu. As lojas às quais os cubanos sem MLC têm acesso estão vazias e a cada dia se contam menos delas. Conseguir produtos básicos em Cuba é uma odisseia, e, apesar do aumento dos salários, o dinheiro não basta porque o processo inflacionário é descomunal.

Não surpreende então que, diante de situação semelhante, agravada pela Covid-19, a impossibilidade do dissenso e participação popular, o repetitivo discurso político manejado de forma repetitiva pelos dirigentes cubanos nos meios de comunicação, o povo tenha saído às ruas.

Em Cuba, a palavra “esquerda” é tabu. Grande parte da população assume esse discurso e essas práticas do governo como sendo de esquerda. Trata-se de uma cidadania descontente, com muito pouca preparação política, pois os planos de estudo, desde idades muito jovens, estão centrados no doutrinamento política à conveniência do poder, e não no desenvolvimento do conhecimento e do raciocínio em condições de liberdade.

Não é um acidente, portanto, que o povo tenha saído às ruas no dia 11 de julho. Não eram mercenários, não eram seres confusos. Eram pessoas exaustas respondendo a contradições objetivas.

Nesse dia, saiu às ruas boa parte da direita, sim, mas também saiu o povo trabalhador e marginalizado, o povo que a esquerda deve representas, as bases sociais às quais a esquerda deveria chegar. Nesse dia saíram às ruas, também, defensores do governo, jovens da chamada esquerda oficial, pessoas privilegiadas pelo sistema em sua maioria.

Em meio ao casos, a violência de ambas as partes aflorou. Eram manifestantes desarmados contra o aparato repressivo do Estado e esses outros privilegiados ou velhos defensores acríticos da revolução cubana, armados com paus e respaldados pela polícia.

O governo cubano enfrentou uma grande crise de governabilidade e seria injusto não levar em conta nesta análise a exaustiva propaganda anticomunistas norte-americana, que, desde as redes sociais, vem intervindo no imaginário cubano. Mas as causas internas da explosão social estão ali, latentes no cotidiano das cubanas e cubanos. Essas causas continuam sem solução e se agravam a cada dia, devido ao significado do 11 de julho para os manifestantes e seus familiares.

Até o dia de hoje, o grupo de trabalho sobre detenções por motivos políticos da plataforma da sociedade civil cubana “Justiça 11J” documentou 1.271 detenções em relação aos protestos. Dessas pessoas, ao menos 659 seguem em detenção. Verificou-se que 42 foram condenadas à privação da liberdade em julgamento sumários e 8 em julgamentos ordinários. Já se conhece a petição fiscal de 269 pessoas que esperam entre 1 e 30 anos de sanção. A figura da sedição tem sido utilizada para impor sanções para, ao menos, 122 pessoas, segundo informa a dita plataforma, que se encarregou de contabilizar e elucidar a situação dos envolvidos, devido à inexistência de cifras oficiais disponíveis.

O 11 de julho foi o auge da repressão à dissidência em Cuba. Historicamente, houve assédio sistemático, por parte dos órgãos de segurança do Estado, daqueles que discordavam em todo o espectro político; Houve, também, casos de expulsões de centros de estudo ou trabalho por motivos ideológicos e muitas outras manifestações do tipo. Porém, em 11 de julho, foi realizada repressão ao corpo dos manifestantes.

Tal é o caso do jovem músico e poeta, Abel Lescay, que, após manifestar-se na cidade de Bejucal, foi preso durante a noite em sua casa. Esse processo é particular, pois ele foi levado à estação de polícia nu e contraiu Covid-19 durante a prisão.

Abel saiu para se manifestar como qualquer outro cidadão. Não atentou contra nenhum tipo de propriedade e a Justiça o acusa dos seguintes crimes: desacato à autoridade e desordem pública, pelos quais pede-se sete anos de prisão.

Além disso, Lescay é estudante do Instituto Superior de Arte (ISA) e poderia perder sua matrícula caso seja declarado culpado. Será julgado nos dias 5 e 6 de dezembro no Tribunal Provincial de Mayabeque.

Casos como este acontecem em Cuba nos dias de hoje. Casos absurdos e inconcebíveis. Quando falo desses temas com integrantes da esquerda de outros países, não é nada comum que exijam semelhantes condenações por sair às ruas protestos. “Se fosse assim, estaríamos eternamente na cadeia”, comentou-me um amigo argentino.

Escrevo essas linhas cheia de temor, mesmo sabendo o que significam em termos de repercussão para uma militante da esquerda alternativa que vive e trabalha em Cuba. Escrevo estas linhas porque a dicotomia principal de uma militante de esquerda em Cuba é ter nítido a quem se enfrenta e em que contexto. Ainda que tenhamos, como socialistas, a missão de lutar contra o imperialismo no mundo, mesmo que essas palavras possam ser instrumentalizadas por outras causas, em Cuba já não podemos calar, porque trata-se das vidas de muitas e muitos. Trata-se do direito a divergir e existir com dignidade. Chamo a militância de esquerda internacional e aqueles e aquelas que leiam este texto a não duvidar em indagar e apoiar a causa dos presos políticos em Cuba. Chamo a solidariedade internacional com Abel Lescay, porque somente assim seremos escutados. A esquerda deve ser considerada como uma só no mundo. Não podemos considerar como opressor somente o burguês, pois a burocracia também oprime. Não me canso de dizê-lo: Socialismo sim, repressão não!

 

 


 

Assista a intervenção em espanhol de Pablo Almeida, em recente evento na Argentina:

Cuba: Rejeitamos a repressão e os “atos de repúdio” aos que tentaram marchar no 15N

Cuba: restituição do professor expulso da universidade

Cuba: Reivindicamos o direito à mobilização do 15 de novembro

Cuba: Pela liberdade dos detidos dos protestos!

Por que o povo cubano está protestando?

 

 

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