O 13 de maio na visão dos socialistas revolucionários

Gabrielle Silva Carlos – Juventude Vamos à Luta

Rômulo Lourenço – Educação em Combate

 13 de maio é amplamente ”celebrado” na mídia como o ponto final da escravidão brasileira. Essa data foi escolhida para enaltecer a Princesa Isabel, falsamente tida como benevolente. Uma fake news antiga, já essa figura foi uma das herdeiras da Casa dos Bragança, a família real que dirigiu o império colonial Português e o Império escravista do Brasil que massacraram os povos originários que aqui habitavam e os nossos irmãos do continente africano. Desse modo, no mínimo, dois apagamentos são feitos nessa constatação: o primeiro é a luta histórica dos negros e negras pela abolição da escravatura no Brasil que durou praticamente 4 séculos; e o racismo ainda vigente na sociedade de classes brasileira dos dias atuais.

Após Lei Áurea estabelecida e o golpe de estado que instaura a República brasileira, as possibilidades para o povo negro se mantiveram dentro da marginalidade social. Não houve nenhuma punição aos escravistas, nenhuma indenização aos negros escravizados e aos países de onde eles foram arrancados. Desde o Império se impôs uma Lei de Terras e a importação de trabalhadores europeus para ocuparem as melhores funções e assim seguir dizimando o povo negro sem acesso a terra ou sequer ao trabalho digno. O racismo é a base do capitalismo, dessa forma, não é à toa que são os negros e negras que ocupam ‘’trabalhos’’ informais, estão entre as maiores taxas de evasão do ensino público e de acordo com Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), dos 33 milhões de brasileiros que passam fome, 70% são negros.

Aqui mesmo, desde muito tempo, o povo negro protagonizou inúmeras lutas, como os Quilombos de Palmares, rebeliões como a balaiada e dos malês, dentre outras. Sobre as lutas pela abolição, no século XIX o medo da ”onda negra” ocupou o imaginário da branquitude. As insurreições dos negros no Haiti eram um assunto a ser comentado na surdina, não podiam falar em voz alta; os negros no Brasil não podiam tomar consciência da possibilidade de lutar. Contudo, o mundo era muito mais complexo, muitos escravos fugiam em busca da liberdade, e estavam constantemente em contato com as insurreições no Haiti, no Caribe, e em São Domingos. Já no século XX, o papel repressivo da PM se intensifica, ao passo que a proteção da propriedade se configura cada vez mais como prioridade dessa classe. Em períodos bonapartistas e na ditadura militar, a influência da branquitude burguesa nos aparelhos estatais ficou ainda mais evidente, assim como diferentes dispositivos a serviço do imperialismo, como a CIA, por exemplo, que numa onda de repressão dos movimentos sociais (pós-segunda guerra mundial), agiu desmontando o armamento de levantes africanos, criando uma ideia de que estes estariam somente se igualando ao fascismo europeu.

Agora vamos nos deter à atualidade. A ditadura militar de 64 aprofundou o problema social e o racismo contra o povo negro em nosso país. De tal forma que em 1988, cem anos depois da abolição formal da escravatura no Brasil, os negros e negras brasileiros sofriam de todo tipo de problemas, já na vigência da “Constituição cidadã”. O governo FHC e o plano real seguiram por essa mesma lógica. O Brasil passou desde 2002 por um governo de conciliação de classe, com a figura do Lula à frente. Algumas medidas parciais, reivindicadas pelo movimento negro, foram alcançadas, como a lei de cotas raciais. E muito se discute sobre como os pretos desse país tiveram mais acesso à educação e que grande parte da população saiu da linha da pobreza. Mas mesmo essas medidas parciais se perderam rapidamente porque o eixo do governo de conciliação de classes foi realizar ajustes capitalistas e governar com e para a burguesia e as multinacionais. As universidades tiveram uma expansão precária no caso das públicas, muitos jovens não conseguiram pagar as universidades particulares. O salário jamais alcançou patamares de outros governos burgueses como os valores de antes da ditadura militar. E o ajuste fiscal de Dilma/Levy fez cair o nível de vida das massas. Não tivemos a superação do racismo e da exploração capitalista. O Brasil hoje tem a segunda maior população carcerária do mundo, e pasmem, segundo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2016, aponta que a população presa é predominantemente composta por pretos e pardos (65%). Outro dado revoltante que ocorreu durante os governos Lula-petistas foi a nova Lei de Drogas 11.343/2006. Levando em consideração o que foi colocado até aqui, é impossível termos um olhar inocente para essa política, o que está por trás dela é que todo preto pobre vai ser preso. O que não são políticas que tratam a dependência química ou combatem as megacorporações capitalistas que lucram com a venda de substâncias hoje qualificadas de “ilegais”. Ou seja, se manteve uma criminalização contínua do povo negro por meio das chacinas policiais e das prisões em massa. A invasão do Haiti pelas tropas imperialistas da ONU, chefiadas pelo governo brasileiro, não só massacraram nossos irmãos haitianos como fortaleceram as operações e ocupações militares dos morros cariocas, tonificando figuras da cúpula militar neofascista.

 O governo Bolsonaro foi um dos mais racistas de nossa história recente

Assim chegamos a um governo de extrema-direita, de Bolsonaro/Mourão. Que durante a pandemia provocou o genocídio da população, sendo contra vacinas e atrasando a aplicação da mesma. E o CEP e a cor de quem mais morreu na pandemia por negligência do governo continuou sendo corpos negros: pretos e pardos representam 57% das mortes e os brancos 41%. O acesso à saúde também tem recorte de classe e cor, em alguns lugares com maior enfoque em regiões periféricas- o SUS não conseguiu atender de forma plena todos os cidadãos, haja vista que alguns lugares por serem mais isolados contam somente com postos de saúde, o que não assegura uma qualidade plena em todo o país, dificultando o tratamento das pessoas pobres e pretas. É bastante sintomático, ainda mais se lembrarmos de que a primeira pessoa que morreu de covid-19 no estado do RJ foi uma empregada doméstica, ela foi contaminada pelos seus patrões no Leblon. Desde o início a burguesia e o governo de Bolsonaro∕Mourão não deixou a classe trabalhadora ter direito a quarentena. As contrarreformas da previdência, trabalhista com avanço da terceirização, privatização, so aumentam a precarização do trabalho, afetando sobretudo aos negros, em participar as mulheres negras, que sempre ocupam os trabalhos com pior remuneração ou os mais cansativos. Não é por acaso que vimos recentemente os absurdos casos de trabalho escravo, pessoas escravizadas por empresas capitalistas em pleno século XXI, os ataques racistas a entregadores ou o tratamento discriminatório aos negros dentro de lojas e supermercados. Um presidente que não negava nem em seus discursos a discriminação racista contra Quilombolas e que tem ligações diretas com as milícias que assassinaram a companheira Marielle

Precisamos ser independentes do governo Lula/Alckmin para manter a reivindicação do movimento negro nas ruas

E hoje, mais uma vez, o governo de Frente Ampla de Lula/Alckmin, traz muita expectativa. Compreendemos que a inserção de ministros como Anielle Franco, Sonia e Silvio de Almeida gera esse sentimento, ainda mais após o governo do genocidas Bolsonaro. Mas nós, negras e negros socialistas da CST não compartilhamos essa visão. O cenário ainda é o mesmo: manter o lucro da burguesia em detrimento da vida da população negra. O governo Lula já deixou nítido que não enfrentará os bilionários e banqueiros durante seu governo, dado que continuará pagando religiosamente a dívida pública e não enfrentará a Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa política representa seguir enriquecendo os patrões enquanto o povo negro amarga o desemprego e trabalho informal, sem direitos básicos. Sem contar na posição defensiva de não revogar o ensino médio, que afeta diretamente os estudantes negros, visto que o NEM vai aprofundar o filtro racial e social de quem entra nas universidades públicas. Não puniu nenhum dos militares golpistas, muitos deles também responsáveis por massacres no Haiti e nas favelas. Não se dispõe a revogar as reformas da previdência e trabalhista, nem garantir direitos trabalhistas integrais aos trabalhadores de aplicativos. Nesse sentido, é de extrema importância a organização dos negros e negras e a incorporação nas lutas! É necessário exigir que a coalizão negra por direitos, entidades como o Movimento Negro Unificado (MNU), UNEGRO e UNEAFRO retomem a luta de rua pelas pautas do povo negro, contra as operações policiais e se mantenha inteiramente independente do governo Lula/Alckmin e aponte a mobilização por nossas pautas.

 Propostas emergenciais dos negros e negras socialistas da CST

Para conquistar salário, emprego, educação, saúde, moradia, vamos precisar lutar por mais verbas para as áreas sociais. Isso contraria os interesses dos patrões, muitos deles ainda com ações escravocratas em suas empresas. Do mesmo modo que para acabar de verdade com racismo temos de enfrentar a fundo a violência policial nas favelas e combater o conjunto do aparelho repressivo. Então diferente do governo Lula/Alckmin não podemos conciliar com os patrões e com a cúpula das forças armadas. E teremos de nos organizar e lutar. Por isso, emergencialmente defendemos pautas operárias e populares para o povo negro. Defendemos que nossas organizações devem exigir do governo Lula/Alckmin as seguintes pautas:

– Contra o arcabouço fiscal, redução dos juros, não ao pagamento da dívida externa e interna e taxação dos bilionários para intensificar políticas sociais para população negra. Mais verbas para saúde, emprego e educação. Bolsa família de um salário mínimo.

– Pela revogação da reforma trabalhista e da previdência, pela revogação do novo ensino médio, da privatização da Eletrobrás. Expropriar as empresas com trabalho escravo. Direitos trabalhistas a trabalhadores/as de aplicativos e punição aos agressores desses/as trabalhadores/as! Por salário igual para trabalho igual!

– Basta de chacinas policiais contra o povo negro! Pelo fim das operações policiais nas favelas e bairros populares! Punição aos policiais e responsáveis civis por todos os assassinatos e chacinas! Pelo desmantelamento do aparelho repressivo! Fim da PM e a PRF! Instalar uma comissão formada pela Coalizão Negra por Direitos, UNEGRO, UNEAFRO, Associações de moradores, OAB, ABI e Centrais Sindicais para apurar de forma independente esses crimes e evitar a impunidade.

– Pela legalização das drogas! Para acabar com a violência, é necessário acabar com os verdadeiros donos do tráfico de armas e de drogas. Pela revogação da lei de drogas! Chega de encarceramento em massa para o povo negro!

– Auxílio, emprego e todos os direitos ao povo negro dos países africanos, aos haitianos, e demais refugiados e imigrantes!

Façamos Palmares de novo: Por um governo da classe trabalhadora sem patrões e um Brasil Socialista

Além das propostas emergenciais precisamos de uma libertação definitiva, contra o racismo capitalista que nos massacra e a atual escravidão assalariada que nos explora e nos deixa cada dia pior. Enquanto formos governados por um governo com patrões, empresários, multinacionais e projetos capitalistas seremos massacrados. Os governos que nós queremos é o nosso próprio governo, tal como era o governo dos Quilombos de Zumbi, Dandara ou de Thereza de Benguela. A senzala não tem nada a ver e nem pode compactuar com a opressão e exploração da casa grande. Nós trabalhadores, jovens e mulheres exploradas não podemos conciliar com os patrões e empresários assim como nossos antepassados negros e indígenas guerreiros não compactuaram com os senhores escravistas. Defendemos um governo da classe trabalhadora, sem patrões, e um Brasil Socialista como uma mudança profunda para conquistar de vez nossas pautas.

Nossa luta é a de Palmares, nossos heróis são Zumbi e Dandara

“Não veio dos céus, nem da mão de Isabel”*

Os debates acerca de representações e representatividades vêm tomando maiores espaços, seja no tocante às minorias sexuais e de gênero, ou étnicas e raciais. Quando tratamos da situação das pessoas negras no Brasil, na atualidade ou no passado, é comum imagens de pessoas brancas serem elencadas como suposto salvadores. Ao longo do tempo, a Princesa Imperial Isabel do Brasil teve seu nome construído como benevolente e responsável, sozinha, pela abolição da escravatura. Ter recebido a alcunha de “redentora”, não é ao acaso, é parte do processo de afirmação da história oficial de que negras e negros escravizados foram passivos na luta pela liberdade.

Por menos que conte a história, não te esqueço meu povo. Se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo.**

É necessário que nomes sejam ditos, que lutas travadas no período da colônia e império sejam valorizadas e sua importância para a liberdade, ensinadas. A formação dos quilombos, por exemplo, foi uma das formas de resistência à escravidão. Palmares é reconhecido como a maior experiência quilombola do Brasil, e os nomes Zumbi e Dandara dos Palmares como lideranças negras no século XVI, primeiro século da colonização portuguesa.

Outro nome ecoado na história dos de baixo, é o da também liderança quilombola, Tereza de Benguela. Ex-escravizada, viveu no século XVIII e esteve a frente do Quilombo do Quariterê, comunidade que reunia negros e indígenas. Por anos enfrentou o governo escravagista, até sua morte. Já no período imperial do país, evidencia-se Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar. Jangadeiro, foi reconhecido como líder na greve abolicionista, que se deu na recusa de transportar pessoas escravizadas do Ceará para o sul do país.

Diversos outros nomes se tornaram célebres graças aos esforços dos explorados em contar suas histórias, apesar da força da chamada história oficial ou dos vencedores. Há muitos outros guerreiros pela liberdade que tombaram anônimos, por eles também seguimos!

Meus heróis não viraram estátua, morreram lutando contra quem virou.”***

*História para Ninar Gente Grande, samba-enredo da Mangueira 2019.
** José Carlos Limeira.

*** Uma História de Amor e Fúria.

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