Quando a gente enfrenta a possibilidade de ser lido em diversos países da América Latina, assume uma responsabilidade muito grande. Pois, tem que ser fiel à verdade do que vivencia, verdade que se confrontará com as ideias que têm do país – dos seus líderes, de sua gente, de nossa vida - os amigos que estão em outras latitudes.
Por essa razão, a melhor forma de começar a nos entender, seria comentando que, ao barco Granma com o passar dos anos, tiveram que substituir peças para poder conser¬vá-lo. Passado meio século, já não restam peças do original, somente o nome ficou. Mas todos aqueles que o visitam, acreditam que é o mesmo barco.
Substituições que na vida prática aparecem com certa lógica, quando falamos de conceitos – essas palavras que tem um conteúdo conhecido- se se mantêm as palavras, mas se muda o conteúdo então as coisas, ainda quando sejam igualmente denomina¬das, não o são. Da forma que também não é o mesmo barco ainda quando seja denominado Granma
Já não há “revolução dos humildes”
Pelo fato de chamá-la igual, mui¬tos acreditam que esta continua sendo a revolução dos humildes, dos proletários. No entanto, quando con¬hecem que todos os sindicatos foram aniquilados - somente um foi permi¬tido e controlado pelo governo, pelo qual os trabalhadores ficaram sem voz – compreendem que a revolução deixou de ser para eles, porque não foi com eles.
Assim, também se compreenderá como é possível que o próprio sindi¬cato CTC que deveria defender os operários, é quem encabeça a demis¬são de meio milhão de trabalhadores – necessária, de acordo com o Gover¬no, para sustentar o próprio Governo. E se compreende o pior, quando se sabe que o ministro do Trabalho é o Presidente da CTC .
Não existe sequer a possibilidade de fazer um balanço da situação, de propor outra saída. Ou, ao menos, de saber com detalhe o porquê da necessidade das demissões – porque existem pessoas às quais não basta a resposta: “é necessário” sem nenhu¬ma outra explicação.
Neste ponto é evidente que o conceito Revolução, aquela que leva entre parênteses “dos humildes” já não tem o mesmo conteúdo. Da mes¬ma forma, entre as pessoas comuns, Revolução virou um conceito alheio. E por sua vez, quando falamos em Ditadura, não se pode maquiar com “do proletariado” - que não existe dentro do governo.
Em que pese o que dissemos, participamos das esperanças que o governo de Raul deu a este país, graças à racionalidade de suas pri¬meiras medidas econômicas. Por exemplo, um litro de leite deixou de viajar em um caminhão refrigerado 35 km até o local de armazenamento, e outros tantos km de volta para ser vendido no povoado de origem, pois permitiram aos produtores vender a melhores preços o leite diretamente nos mercados.
Isto sugeria que o objetivo do governo já não seria o controle total da sociedade, e que a racionalidade econômica teria um peso maior. Mas, foi somente uma ameaça de senso comum, pois pronto chegaram as medidas neoliberais e as demissões massivas. E nos seus discursos o General voltou a acusar o povo de ser responsável pelos problemas econômicos, como antes fazia seu irmão.
O VI Congresso, uma “revolução de palácio”
O principal motivo pelo qual poucas pessoas se interessaram pelas notícias do VI Congresso do Partido Comunista Cubano (PCC) foi por¬que se tratava de uma “revolução de palácio”, que se limitaria a ratificar as medidas tomadas pelo Governo antes, e sem consultar. Acaso poderia ser diferente?
Os participantes e o sistema que não funciona não foram surpresa. Inclusive o Comandante em Chefe escrevia na sua obrigada Reflexão: “Não me importa tanto o que di¬ziam, mas a forma como era dito” Não havia nada novo para dizer...
É obvio que não se pode atuali¬zar a política econômica – este era o lema do Congresso – sem atualizar na mesma proporção, a “política - política”, ênfase na política interna. O que levaria a mudar nomes, para poder mudar os métodos.
O oficialismo falou que este era o Congresso da renovação. Palavras vazias. Se olharmos as idades – nos nomes não há mudanças – pode¬mos verificar que somente duas pessoas, das treze que conformam o Burô Político, tem menos de 60 anos. Somadas as idades tem quase mil (944 anos) e não precisamente de sabedoria popular. O Primeiro Secretário do PCC, Raul Castro tem 79 anos e Machado Ventura, o Segundo Secretário, 80 anos. Onde estão as novas gerações, aquelas que garantirão a sobrevivência da Revolução?
Foi o Congresso do “continuísmo”, dos anciãos aferrados ao poder. E resulta risível que se dissera que o Próximo Primeiro Secretário não poderá ter mais que dois mandatos. Pois o afirma aquele que provavelmente não sobreviverá ao próximo quinquênio; que teve cinco mandatos como Segundo Secretário, sendo que o último devia terminar em 1998 e simples¬mente se passaram mais 13 anos, após terem vencidos os cinco anos estabelecidos, sem que se realizasse o Congresso seguinte.
Cinco décadas vivendo em man¬sões enormes e isoladas, com piscina, climatização; viajando em Mercedes Benz, acompanhado por um séquito de serventes, não ajudam ao desen¬volvimento do pensamento revolu¬cionário. “Pensamos como vivemos”, assegura Marx, então perguntamos: São eles modelos de líderes da Revo¬lução (dos humildes)?
A privatização capitalista não é solução
A revolução era para que os humildes chegassem ao poder, para terminar com a exploração dos tra¬balhadores. No entanto, de acordo com o Congresso “Comunista”, a solução econômica, política, ou so¬cial, não passa pela coletivização da economia, da política, mas pela pri¬vatização capitalista. Como pode ser isso Socialismo ou Revolução?
São essas terapias de choque as que tirarão o país da bancarrota? Não acredito. A causa, para que o capita¬lismo pareça “A Solução”, não deve ser outra que a forma de viver – e de pensar – de “nossos” líderes.
Claro que existem as conquistas da revolução, em matéria de saúde, educação, cultura, que para muitas pessoas – e nenhuma delas vive aqui- parecem ser suficientes, acham que não devemos aspirar a mais. Aceite¬mos que isso está bem, e depois, o quê? Se não posso pensar, perguntar, propor, escolher. Se pode viver em uma gaiola dourada (que não é o caso cubano), mas mesmo dourada, ainda é uma gaiola.
Prefiro viver na mais pobre das democracias a viver no mais rico dos impérios, disse Sócrates frente à in¬citação a emigrar. Quando os jovens daqui emigram, se assegura que é por causas econômicas. Mas, não é pela pobreza que padecemos a causa primeira do êxodo, pois o que falta é democracia, a dos trabalhadores, não a dos burgueses – que é o que eterniza nossa miséria.
Miséria necessária ao poder. Por isso a “riqueza” foi tão combatida, dizendo que era sinônimo de ca¬¬pitalismo e pior, que permitiria a independência ideológica. Quando o Socialismo e a Revolução, nem autori¬tários, nem miseráveis, podem ser!
O Governo sempre achou melhor se endividar, gastar 500 milhões de dólares por ano comprando comida dos ianques. em vez de produzir co¬mida no país. Pois, isso faria “ricos” nossos camponeses. E para o regime, se as pessoas não vivem na miséria não defendem à revolução, como assegurou Raul Castro no discurso de encerramento do Congresso. Como se fosse uma virtude que a miséria condene os pobres à obediência.
É possível outra Cuba melhor
A Revolução (dos humildes) foi traída faz muito tempo. É um fato. Isso foi possível porque confundiram o povo para que traísse com eles a melhor das causas. Falavam da neces¬sidade da revolução. Mas, onde nós líamos “dos humildes” eles pensavam “dos de cima”. Assim, temos hoje líderes infalíveis, e todos os demais são considerados equivocados.
Isso é o que explica porque os trabalhadores têm que ser fiéis aos líderes, e não o inverso. Também, ex¬plica porque ser marxista é um delito neste “socialismo”, e porque, após 50 anos de ser guiado por um aclamado “gênio”, o resultado é um edifício social a ponto de colapsar.
Esta é a Cuba de hoje, simplesmen¬te. É melhor assim. Pois demonstra que o autoritarismo – de Fidel, de Raúl – é reversível, porque é insustentável. É melhor assim, pois faz possível um amanhã de revolução verdadeira. Dos trabalhadores e das trabalhadoras. Coletiva. Sem classes imprevistas, sem líderes iluminados mais importantes que a nossa causa. Outra Cuba melhor –sem retóricas – é possível. Por esse futuro lutamos.
notas:
1. Iate Granma, usado pelos expedicionários do Movi¬mento 26 de Julho, encabeçados por Fidel Castro, para começar a luta nas montanhas do oriente do país (Sierra Maestra). Hoje, está no Museu da Revolução.
2. CTC – Central de Trabalhadores de Cuba.
3. Salvador Valdés Mesa.
4. Pelo litro de leite pagava-se o preço de U$S 0,01 USD e passou a U$S 0,15