CONTRADIÇÕES E CONFLITOS DO PROCESSO BOLIVARIANO DA VENEZUELA
A ALTERNATIVA SOCIALISTA NAS ELEIÇÕES DE 2012
Fonte:
Escreve Carla Ferreira, Doutora em História,
Pesquisadora do Núcleo de História Econômica da Dependência Latino-americana (HEDLA- UFRGS). Ex-coordenadora do Fórum Social Mundial 2001, 2002 e 2003*



As eleições venezuelanas de 2012 estão polarizadas entre o candidato do Grande Pólo Patriótico, Hugo Chávez, e da Mesa de Unidad Democrática, Henrique Capriles Radonski. Estes dois candidatos representam a continuidade da dependência, do burocratismo e dos privilégios, ainda que ambos não signifiquem rigorosamente a mesma coisa. O Processo Bolivariano da Venezuela é absolutamente novidoso e é nesta novidade que devemos buscar sua compreensão e limites, como também uma alternativa positiva em defesa dos trabalhadores e do povo pela construção do Socialismo do século XXI.

As eleições na Venezuela assemelham-se ao que vivenciamos no Brasil. A polarização PT-PSDB fazendo cada vez menos sentido, pois seus projetos estratégicos resumem-se em algo muito parecido. Na Venezuela, com suas particularidades, ocorre o mesmo que aqui: a manutenção do desenvolvimento do subdesenvolvimento, com a riqueza de poucos sendo garantida pela pobreza e miséria de milhões, em meio a um discurso que afirma defender os interesses dos trabalhadores. Se, por um lado, Chávez resulta de um amplo e legítimo movimento bolivariano radical de massas, a exemplo do que foram as greves do ABC e a luta pela redemocratização no Brasil que deram origem ao PT, por outro lado, sua prolongada permanência no interior do aparato estatal o transformou em um muro de contenção às demandas dos trabalhadores. Assim, aquele movimiento expressava o protagonismo na cena política nacional venezuelana dos trabalhadores precarizados moradores dos barrios (favelas) das principais cidades do país - espelho da particular dependência venezuelana ao petróleo e sua reprodução ampliada de desigualdades - os quais, em aliança com os militares reformistas, conformaram um projeto policlassista que ascendeu a esferas do aparato estatal venezuelano em 1999. Porém, hoje, diferentemente daquele movimento de massas original, o governo bolivariano erigido sobre suas bases não consegue lidar com as contradições que a luta de classes na Venezuela coloca em pauta. Todos devemos reconhecer que o movimento político do qual Chávez é a síntese mais completa recolocou na agenda latino-americana e internacional o tema da revolução. Inicialmente como revolução em geral. A partir de 2005, como revolução socialista do Século XXI. Assim, Chávez acalentou mais esperanças entre os revolucionários do que qualquer outro líder do último período. Porém, depois de 13 anos ocupando posição privilegiada no aparato estatal, a verdade é que o governo bolivariano pouco ou nada conseguiu fazer para uma mudança mais profunda na situação de vida da maior parte da população trabalhadora venezuelana.

Chávez - personificando a aliança policlassista do governo bolivariano por meio de um tipo de liderança de caráter pequeno-burguês que oscila pendular e constantemente entre os interesses dos trabalhadores e da burguesia - perdeu várias oportunidades de avançar sobre um modelo produtivo baseado no efetivo poder dos trabalhadores livremente associados. Em 11 de abril de 2002, quando um golpe de Estado o retirou do cargo máximo do executivo nacional e aboliu todos os direitos constitucionais do país, iniciando uma ditadura que foi batizada em suas primeiras horas com sangue, Chávez, ao receber das mãos do povo mobilizado de volta a constitucionalidade e seu cargo, em vez de ampliar os poderes do povo com mais democracia direta fez justamente o contrário, preservou golpistas e privilégios. Em 2003, quando os operários petroleiros, bem como de outros setores da indústria, além de profissionais da educação em parte significativa das escolas do país enfrentaram a burocracia da PDVSA e das empresas garantiram a sustentação do seu governo - diante da prolongada paralisação das atividades produtivas promovidas pela oposição conservadora ocorrida entre 10 de dezembro de 2002 e fevereiro de 2003 - Chávez novamente fraquejou. A vitória dos operários petroleiros sobre a paralisação promovida pela alta e média gerencia da empresa Petróleos de Venezuela (PDVSA) permitiu ao governo bolivariano conquistar pela primeira vez na história o controle efetivo sobre a petroleira nacional e suas rendas, principal fonte de divisas do país. Assim, os operários petroleiros, depois de recuperar a PDVSA para o governo por meio do controle direto da produção, assistiram o governo Chávez devolver para a burocracia do petróleo que o havia sabotado o poder sobre a empresa. E não parou por aí. O governo bolivariano, refletindo os limites de um aparato talhado historicamente pelos interesses do capital, desmontou a cogestión revolucionaria que, em 2005, havia inaugurado uma experiência inédita de poder compartilhado entre Estado e trabalhadores, produzido ganhos de produtividade e melhoria dos salários, além de fomentado o desenvolvimento local a partir da estatal do alumínio ALCASA, sob o comando de Carlos Lanz Rodríguez. E quando, em 2008, cedendo às pressões dos metalúrgicos que durante meses travaram uma paralisação sem precedentes, em escala nacional, primeiro em defesa de seu contrato coletivo, depois pela nacionalização da empresa, o governo finalmente reestatizou a Siderúrgica Del Orinoco (SIDOR), em pouco ou nada mudou a situação dos empregados da empresa. Renacionalizou a SIDOR sem atender a principal reivindicação dos trabalhadores: abandonar a prática da terceirização que atinge cerca de 8 mil dos 12 mil metalúrgicos sidoristas, os chamados contratistas. Ano após ano,experiência após experiência, os trabalhadores foram sendo frustrados.

Assim, entre o 2002 do golpe de Estado e o 2007 da rejeição ao projeto de reforma constitucional que propunha centralizar ainda mais o poder nas mãos do executivo, cinco longos anos passaram sem que o aparato estatal encontrasse uma posição e ação firme e decidida em defesa dos trabalhadores e do povo. Ao contrário, foi leniente e não conseguiu evitar a perseguição e o assassinato de dezenas da dirigentes sindicais, como denunciou um comunicado da própria central sindical simpática ao governo, a Unión Nacional de Trabajadores de Venezuela (UNETE), em 2 de março de 2011 (www.aporrea.org). O Estado está crescentemente criminalizando as greves no setor público, alegando tratarem-se de setores estratégicos. Sob este governo, a vida dos camponeses em luta pela terra vem sendo ceifada. Já se contabilizam mais de 200 líderes camponeses assassinados. E hoje a Venezuela vive sob o risco de ver degenerar toda a luta acumulada até aqui pelo conjunto dos embates travados pelos trabalhadores desde 1989, nas fábricas e nos barrios, desde a serra de Perijá onde os yukpas estão sendo assassinados pela ganância das mineradoras até a fronteira com o Brasil das denúncias vãs de massacre de yanomamis por garimpeiros. A verdade dolorosa é que a liderança policlassista de Chávez, depois de ter cumprido um papel ideológico importante no conjunto das lutas que tiveram lugar na América Latina deste início do século XXI, não consegue desatar os laços de dependência da Venezuela com o imperialismo que finca raízes em nossas formações sociais. Esse governo demonstrou-se recorrente na impotência para operar as rupturas políticas necessárias.

No campo democrático, por sua vez, o que o governo bolivariano fez até o momento foi submeter a todos à lógica plebiscitária, oprimindo os trabalhadores com a própria democracia liberal burguesa que impõe suas pautas eleicionistas e desprovidas da capacidade de incidir sobre temas efetivamente relevantes para o conjunto do povo. Assim, nas Comunas e nas consultas populares não entram em pauta o orçamento público, os investimentos a serem feitos com a renda petroleira, a política econômica (sobretudo cambial), o controle de preços, o fomento à diversificação da indústria não-petroleira geradora de riqueza orgânica, a construção de uma soberania alimentar na agricultura, a política de quebra de patentes em todo o saber que tenha se transformado em mercadoria em detrimento da saúde e bem estar das maiorias, o fim da especulação imobiliária que faz de Caracas uma das cidades mais difíceis do mundo de se morar, como também o controle das empresas pelos trabalhadores. Enquanto isso, fortalece a idéia de que somente Chávez é a solução. Nada mais falso. É justamente pelos impasses dessa direção que a vivacidade do movimento bolivariano e do bravo pueblo está sendo sequestrada em todos os espaços.

Em 13 anos, o governo dirigido por Chávez não conseguiu melhorar a condição de vida dos trabalhadores e manteve a dependência ao imperialismo. Hoje como antes, cerca de 70% dos alimentos que consomem os venezuelanos são importados. Isso quer dizer que a cesta básica venezuelana depende da produção de petróleo para que se possa adquirir esses produtos. Depende portanto, duplamente, do preço do petróleo e dos alimentos no mercado mundial, mantendo a soberania venezuelana em grandes dificuldades. Subordina o país, assim, a uma dependência redobrada aos países do capitalismo central, a despeito do discurso antiimperialista de Chávez. Na realidade, o governo bolivariano nunca conseguiu contrarrestar a tendência ao retrocesso das forças produtivas na indústria não-petroleira e na agricultura, fundamentais para a independência do país. O emprego industrial vem sofrendo uma espiral descendente em relação ao emprego total desde 1988 sem que essa tendência tenha sido contida nos anos do governo bolivariano. A mesma tendência se verifica na participação do produto industrial no PIB. A Venezuela desperdiça a maior parte de sua força do trabalho, depreda seus recursos naturais e vive afogada em petrodólares que não tem a capacidade de romper com a lógica perversa de uma economia dependente deformada pela subordinação aos interesses imperialistas. Romper com isso somente será possível a partir do momento em que flua um verdadeiro e novo poder dos trabalhadores, o qual se insinua insistentemente como parte do processo que vive a Venezuela desde o Sacudón ou Caracazo de 1989 e mais decididamente desde 2003 quando a classe operária despertou para colocar na ordem do dia a questão do poder direto dos trabalhadores, na PDVSA, em ALCASA, na SIDOR e em inúmeros outros espaços. Em vez disso, os trabalhadores são submetidos às mesmas condições de precarização que marcaram os difíceis anos 1980 e 1990, com taxas de desemprego em torno de 8%, (entre 2010 e 2012). Um índice que é ainda superior a taxa experimentada pela Venezuela em 1980 (6%) e a média latino-americana da última década, incluindo aqueles países que apresentam severos indicadores de dependência, como registram os dados oficiais divulgados pela Comissão Econômica para a América Latina - CEPAL.

Os trabalhadores precarizados representam outro indicador de que a situação da força de trabalho na Venezuela não vem melhorando. Por exemplo, a maior parte dos ocupados urbanos está localizado em setores de baixa produtividade (o que, a grosso modo, significa trabalho precário geralmente no setor informal, como ambulantes, biscateiros, diaristas, etc). O trabalho precário nos países dependentes se caracteriza pela superexploração do trabalho. Quer dizer, jornadas estendidas para além do previsto legalmente, intensificação do trabalho durante a jornada (mais trabalho em menos tempo), salários por baixo do valor de reprodução da força de trabalho, restrição de acesso a direitos históricos adquiridos pelo conjunto da classe trabalhadora. Em 2008, esses trabalhadores representam 49,8% dos ocupados urbanos – o mais baixo índice alcançado em anos do governo bolivariano, uma vez que, em 2002, contavam 54,9% dos trabalhadores das cidades. Porém, esse índice “baixo” de 49,8% é ainda 10 pontos percentuais mais alto do que o mais alto índice de ocupados urbanos em setores de baixa produtividade dos últimos 20 anos, que foi verificado em 1990 (o ano seguinte ao Sacudón), com 39,1%, de acordo com os dados da CEPAL. Ou seja, o que se verifica é que as políticas sociais compensatórias representadas pelas Misiones apenas suturaram precariamente uma ferida que não pára de sangrar: aquela da situação estrutural dos trabalhadores venezuelanos, superexplorados e cujas condições de vida se vêem ameaçadas.

É neste contexto que uma maior distribuição da renda per capita verificada ao longo desse governo tem alcance realmente reduzido, pois está determinada pela elevação dos preços do petróleo no mercado mundial, os quais sofrem grandes oscilações. A renda petroleira tem sido utilizada para subsidiar o consumo dos trabalhadores, especialmente aqueles mais empobrecidos, cujos salários são corroídos pela inflação e cuja cesta básica também depende de preços internacionais dos importados. Ou seja, qualquer variação nos preços do mercado mundial produzem um efeito imediato sobre as condições de vida dos moradores dos barrios e demais trabalhadores venezuelanos e pode fazê-los cruzar rapidamente a linha da miséria pela redução dos subsídios sem os quais não podem acessar bens fundamentais a sua sobrevivência. Essa é a frágil arquitetura sobre a qual se assenta a distribuição de renda do governo bolivariano. Além da renda artificial, o governo promove projetos produtivos que isoladamente não tem a capacidade de dinamizar um novo modelo produtivo, embora sejam eficientes na função de consumir a energia revolucionária dos moradores dos barrios, uma vez que as Comunas ou Conselhos Comunais dos barrios estão sendo organizados de cima para baixo. Assim, sob a sombra do consumo subsidiado e das “ilhas” produtivas comunais se produz, na verdade, as ilusões que cumprem o papel de confundir os trabalhadores e moradores dos barrios.

É preciso compreender que sem que uma ruptura com as estruturas do poder do Estado burguês e suas regras que protegem o mercado, o poder comunal não passa de uma quimera. É preciso que o Poder Comunal e o controle operário da produção se configurem como verdadeiros poderes revolucionários duais que reintegrem as esferas política e econômica, sendo exercidos diretamente pelos trabalhadores e trabalhadoras em seus locais de trabalho e moradia. Construir esse poder direto implica, portanto, negar a prática das indicações pelo “dedazo”, que predominam no Partido Socialista Unido de Venezuela, PSUV, organização sem instâncias democráticas que foi imposta à pluralidade do movimento bolivariano sem incorporar suas práticas de democracia desde abaixo. Construir um poder direto dos trabalhadores significa fazer fenecer o peso relativo do Estado sobre a vida social. Implica despertar os lutadores sociais dos ilusionismos da renda que coopta o imaginário do povo. Também exige acabar com a situação vulnerável de parte significativa da classe trabalhadora precarizada que depende de bolsas, subsídios e funções subalternas do Estado em práticas que alimentam o clientelismo. Enfim, é preciso acabar com todos os mecanismos objetivos que contribuem para a confusão ideológica dos trabalhadores.

O governo atual seguiu a tendência a uma economia exportadora de especialização produtiva, a exemplo de todos os outros países da região nas últimas décadas. Não fugiu à regra. A política de valorização ou desvalorização da moeda nacional, o Bolívar, tem favorecido os setores especulativos, seja no comércio, seja nas finanças, além de provocado elevados índices de inflação, prejudicando sempre os assalariados. Reedita, quase 40 anos depois, os mesmos erros cometidos pela experiência da Unidade Popular no Chile de Allende. É doloroso observar que uma nova fração burguesa, vinculada ao sistema financeiro e aos contratos de fornecimento de bens e serviços ao Estado que administra a renda petroleira, surgiu durante esses anos, com apoio do governo e às custas dos sacrifícios dos trabalhadores e do povo pobre venezuelanos. Uma tragédia completa para todos aqueles que, como o líder operário Orlando Chirino, entre outros, durante anos, apoiaram vivamente o processo bolivariano e o ajudaram a ser construído, acolhendo Chávez desde 1992 no seio do movimento de massas. Porém, mesmo os líderes mais queridos pelo povo cumprem um papel determinado na história. A Chávez, como a Bolívar, lhe coube um papel na história. A Chávez coube amalgamar aquele heterogêneo movimento de massas em um projeto que unificou o setor dos trabalhadores precarizados dos barrios com os trabalhadores industriais venezuelanos, conformando um movimento bolivariano radical de massas. Porém, é preciso avançar para um poder direto dos trabalhadores. E para essa tarefa é preciso reconhecer que, depois de 2007, já não se vislumbra mais aquele anterior caráter progressivo no governo bolivariano. Nem este governo, nem a liderança de Chávez têm a capacidade de operar o avanço do Processo até sua potencialidade máxima. Ou seja, é necessário uma nova liderança e uma nova organização para realizar o trânsito a uma experiência socialista em que, com liberdades e igualdades substantivas, os trabalhadores e o povo possam fazer de suas demandas mais do que promessas, realidade. Por isso é preciso construir uma alternativa política positiva que possa romper com esses limites. Orlando Chirino, neste sentido, é quem representa hoje a vanguarda dessa possibilidade histórica.

Muitos evitam criticar o governo Chávez pelo risco que significaria um eventual triunfo eleitoral do candidato da ultra direita, Herique Capriles Rodonski. De fato, Capriles representa a antiga elite venezuelana que foi sendo deslocada do poder pela emergência do Proceso Bolivariano a partir de 1989 - o qual se constituiu como uma experiência política singular na América Latina desde então. Capriles tenta se apresentar como um candidato moderado por obra do marketeiro brasileiro Renato Pereira, que organizou um programa de campanha baseado em postulados e táticas eleitorais do PT de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Estruturado sobre as propostas de um Fome Zero venezuelano, Parcerias Público Privadas na atividade petroleira e plagiando a idéia de que “llegó el momento de que la esperanza triunfe sobre el miedo” (slogan da campanha eleitoral de Lula em 2002), a campanha de Capriles Radonski assemelha-se a um Frankenstein de segunda categoria. A referência a Lula e ao PT não é casual. É funcional a uma estratégia erigida para ocultar a verdadeira face do candidato Capriles, um homem da extrema-direita que participou do violento cerco e invasão da embaixada de Cuba, em Caracas, em cenas horrendas que podem ser verificadas no documentário La revolución no será televisionada, da irlandesa Kim Bartley. Ao mesmo tempo revela que a classe dominante venezuelana está tentando se requintar, abandonando sua aberta adesão ao imperialismo estadunidense, em suas manifestações coloridas pela bandeira yanque e povoadas de cartazes e discursos proferidos diretamente em idioma inglês, para atuar de forma mais velada, mas sem jamais alterar seu caráter submisso e reacionário.

Assim, é neste deserto do real que Orlando Chirino emerge como uma verdadeira alternativa política dos trabalhadores. Tendo como bagagem o fato de ser um líder operário que se manteve independente e que representa o movimento autônomo dos trabalhadores em um país cujo sindicalismo historicamente esteve subordinado aos partidos e ao Estado, Chirino significa a possibilidade concreta de construção de um poder direto dos que trabalham e lutam nos barrios e nas ruas, nos campos e indústrias. Pois, para realizar o projeto de um socialismo do Século XXI, um generoso tempo livre deve constituir-se em realidade para todos. O ecossocialismo, o amplo respeito aos povos e culturas indígenas e a igualdade entre os gêneros devem, por sua vez, compor um todo organicamente articulado pelo trabalho emancipado. É PRECISO CONSTRUIR IMEDIATAMENTE UM PODER DIRETO DOS TRABALHADORES. Sem isso, qualquer promessa não é mais do que demagogia. Com a liberação das forças produtivas e libertárias dos trabalhadores e trabalhadoras é possível não somente inaugurar um novo tempo para milhões de venezuelanos, mas acender a luz para milhares de latino-americanos.

Muito tem se repetido que, sem a eventual reeleição de Chávez, projetos alternativos como a ALBA terminarão de vez. Aos que temem apenas a truculência da velha direita e que pensam que todavia estamos acumulando forças com o governo venezuelano, chegou a hora de dizer que a luta dos povos pela superação do capitalismo exige enfrentar as velhas classes dominantes, bem como as direções políticas que colocam a força criativa do movimento de massas em uma camisa de força. Um projeto nos marcos anti-mercado é incompatível com o reforço do atual padrão capitalista exportador de especialização produtiva. A ALBA não passará de uma ideia se os governos que a apoiam seguirem arremetendo como estão contra os povos indígenas em TIPNIS na Bolívia, na Serra de Perijá na Venezuela ou na Amazônia equatoriana. Se os países da ALBA, liderados pelo governo Chávez, não apenas hesitam em criticar a IIRSA, mas implementam esse projeto devastador por outros meios, a ALBA não passará de um discurso vazio ou uma declaração de boas intenções. A Revolução Cubana, por sua vez, precisa mais do que nunca de uma revolução latino-americana, e não apenas de petróleo venezuelano, para ser revificada. Essa é a nossa resposta a todos e todas que, com razão, temem os retrocessos históricos: a Venezuela bolivariana precisa avançar operando uma ruptura com os limites atuais impostos pela dinâmica do aparato e da liderança.

O apoio e o voto em Chirino representam essa ruptura necessária. Muito mais do que votar branco ou nulo, escolher Chirino é afirmar um programa positivo, responsável e coerente com o avanço e superação dos atuais limites do Proceso Bolivariano rumo ao Socialismo do Século XXI. É por isso que as mulheres e lutadores que sempre estiveram na vanguarda dos barrios, os jovens insurgentes que levam a comunicação alternativa e comunitária, os operários dos dois principais pólos industriais do país, no petróleo e nas fábricas da Corporación Venezolana de Guayana (CVG), os camponeses e indígenas afetados pela ganância do Estado e das transnacionais contra seus territórios devem cerrar fileiras em defesa da candidatura de Orlando Chirino. Ele não se curvará aos tapetes vermelhos de Miraflores. Estará sim a serviço da vontade dos produtores e daqueles que, nos países dependentes do sul do planeta, compõem aquele contingente de trabalhadores que sequer podem hoje participar da produção porque compõem uma parcela da humanidade que foi descartada pelo capital. Pois, com a revolução socialista todos serão parte da humanidade libertada que constrói permanentemente a riqueza e a felicidade de todos e todas.

Porto Alegre, setembro de 2012.


* Organizou os livros "A ditadura do capital financeiro no Brasil: reflexões e alternativas", com André Scherer (Univates, 2005) e "Padrão de Reprodução do Capital. Contribuições da Teoria Marxista da Dependência", com Jaime Osorio e Mathias Luce (Boitempo editorial, 2012). Viveu em tempos alternados na Venezuela desde 2002. Organizou a vinda do Presidente Chávez ao Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em janeiro de 2003. Integrou a coordenação do Encuentro Mundial de Solidaridad con la Revolución Bolivariana, ocorrido em abril de 2003, em Caracas. Junto com Mathias Luce, colaborou na elaboração do Programa de Governo da Frente de Esquerda (PSOL/PSTU/PCB) apresentado às eleições para o governo do Rio Grande do Sul, em 2006. Foi assessora parlamentar do mandato federal de Luciana Genro (2006 e 2007). Atualmente desenvolve pesquisa independente sobre as revoluções latino-americanas do século XX e milita em formação junto a movimentos sociais no Brasil e América Latina. É membro do conselho de colaboradores das revistas Margem Esquerda e Crítica Marxista.
Data de Publicação: 12/09/2012 21:51:37

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