VENEZUELA: Rechaçamos as manobras antidemocráticas do governo Maduro para impor o ajuste contra o povo
O governo de Maduro anunciou pela enésima vez a existência de conspirações golpistas e, valendo-se destas denúncias, prendeu o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma. Ainda que sejamos opositores de Ledezma pelos interesses de classe que representa como agente dos grandes empresários e das transnacionais, repudiamos um procedimento arbitrário que é parte de uma orientação governamental de empregar os tribunais e o Ministério Público como ferramentas de perseguição política. No atual momento, esta orientação está a serviço de impor à população, com a menor resistência possível, o brutal ajuste capitalista em curso. A prisão de Ledezma é utilizada para minimizar os anúncios sobre um aumento iminente do preço da gasolina, medida que há 26 anos provocou o Caracazo (foi uma explosão social espontânea, de grandes proporções, ocorrida em Caracas, capital da Venezuela), e que, sem dúvida, terá um efeito devastador sobre os salários ao aumentar os custos dos alimentos e demais produtos da cesta básica.
Frente a um esmagador rechaço popular à gestão governamental de Maduro, o governo está desesperado. A inflação, o desabastecimento, as demissões, o crescimento da pobreza, corroem cada dia mais a base social do governo. A direção do Psuv (Partido Socialista Unitário de Venezuela, chavista) sabe que por meio de uma explosão social ou uma desastrosa derrota nas eleições da Assembleia Nacional, seu governo pode ir abaixo em poucas semanas. E ainda tem que administrar os efeitos de uma desvalorização de 70%, assim como um iminente aumento do preço da gasolina. Este é o contexto em que se dão suas tentativas de se fazer de vítima denunciando um golpe sobre o qual é incapaz de mostrar evidências sólidas.
Não é uma situação nova. Desde 2006, o governo vem sistematicamente denunciando golpes de todo tipo, e utilizando essa linha discursiva para criminalizar principalmente os trabalhadores que fazem greves, os indígenas que recuperam terras e os camponeses que ocupam latifúndios. Chamando de "anarcosindicalistas" e "golpistas" os trabalhadores da Sidor, por exemplo. Mais recentemente também tem utilizado esse recurso de perseguição política por vias judiciais contra os dirigentes de organizações que formam a coalização de centro-direita Mesa de Unidade Democrática (MUD).
Desde que foram derrotados pela mobilização popular no golpe de abril de 2002 e na paralisação patronal, assim como a sabotagem à indústria petroleira em 2003, não ocorreram tentativas de golpe e o governo avançou em pactos de convivência e negociado com a Fedecámaras (Federação de Câmaras e Associações de Comercio e Produção de Venezuela, entidade patronal), a cúpula da Igreja Católica e os partidos da MUD. Os pactos se aprofundaram a tal ponto que o presidente Chávez concedeu, em dezembro de 2007, anistia aos golpistas de 2002.
Hoje em dia, o governo se vitimiza, aplicando um roteiro muito parecido ao de Cristina Kirchner na Argentina frente ao escandaloso caso do assassinato do promotor Nisman, ou de Dilma Roussef frente ao descobrimento da rede de corrupção da Petrobrás. Mas Maduro convence a poucos da veracidade dos supostos "golpes econômicos", "golpes de quarta e quinta geração", e atentados golpistas.
A população percebe cada vez com mais clareza que estes anúncios espetaculares são utilizados para desviar a atenção de medidas de ajuste que empobrecem a maioria dos venezuelanos, como a desvalorização monetária através do mecanismo Simadi ou o aumento em 40% do transporte público, o aumento dos preços dos alimentos, como o frango e a carne recentemente, e os ajustes salariais abaixo da inflação. Medidas que estão sendo aplicadas com aprovação da Fedecámaras e da cúpula da MUD. Também é parte do ajuste o pacto com a Fedecámaras para acelerar as demissões através das Inspetorias de Trabalho. Em função desses acordos estão sendo efetuadas centenas de demissões no estado de Carabobo, em empresas como Chrysler, Ajeven, Ford, Petrocasa, Wix e Vicson, assim como na fábrica da Toyota em Cumaná, e dezenas de empresas mais; ao mesmo tempo o governo entrega milhões de doláres para importações a esses mesmos empresários com juros especiais. Esta é a realidade que o governo quer ocultar.
Certamente, Ledezma é um político com ampla atuação repressiva, merecedor do maior repúdio. Durante longos anos como alto funcionário e dirigente da Ação Democrática, esteve diretamente ligado à repressão ocorrida contra aposentados e pensionistas, no massacre do Caracazo, no massacre de Retén de Catia de 1992, assim como em numerosos ataques policiais contra estudantes universitários, trabalhadores e a população em geral, que resultaram em centenas de feridos, mortos e presos. Também participou do golpe de abril de 2002.
No entanto, não é por nenhum desses crimes que o governo o prende, mas por uma farsa judicial em que apresenta como evidência de "golpismo" um comunicado à imprensa em que Ledezma, Leopoldo López e Maria Corina Machado declaram posição contra o governo. Mesmo repudiando o conteúdo desta nota, por expressar posicionamentos de caráter neoliberal e pró-imperialista, de nenhuma forma podemos respaldar que o governo criminalize, acusando de "golpismo", qualquer expressão de oposição. Tampouco podemos deixar de observar que os métodos antidemocráticos usados pelo governo para prender arbitrariamente Ledezma, são os mesmos que utiliza para encarcerar lutadores sociais e trabalhadores. Nos prisões do país estão presos quatro trabalhadores das empresas básicas de Guayana: Rodney Alvarez de Ferrominera do Orinoco (empresa produtora de minério de ferro), e Leinys Quijada, Rederick Leiva e Heberto Bastardo da Sidor, vítimas de farsas judiciais. Por realizarem assembleias, participarem de greves, ou protestos, se abriu processos judiciais contra centenas de trabalhadores, como nosso companheiro José Bodas, secretário-geral da Federação Unitária de Trabalhadores Petroleiros, com acusações que vão desde "violação do direito ao trabalho", até "conspiração" ou "violação de zona de segurança".
Chamamos à população a se organizar para resistir contra as medidas econômicas antipopulares que o governo impõe, assim como contra toda restrição das liberdades democráticas. Caso se materializasse qualquer tentativa de golpe, o enfrentaríamos nas ruas, tal qual fizemos em 2002. Mas hoje, a principal necessidade dos trabalhadores é enfrentar os cortes aos direitos democráticos, sociais e econômicos que impõe o governo de Nicolás Maduro.
Impulsionar a unidade operária e popular contra o ajuste de Maduro, apoiada pela Fedecámaras e a MUD!
*Partido irmão da CST-PSOL na Venezuela, também integrante da Unidade Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI)