Por Josep Lluís de Alcazar, do Lucha Internacionalista (UIT-QI)
Este ano, a Espanha está cheia de disputas eleitorais: foram as da Andaluzia em março, as municipais e regionais em maio, agora na Catalunha e em dezembro as eleições gerais. E tudo parece indicar o fim de um ciclo e o início de um profundo processo de reconstrução de referências políticas. Os partidos que tem sido os pilares das instituições, eleição após eleição, vão caindo inexoravelmente.
Este fenômeno começou a se tornar claro nas eleições europeias de 2014, nas quais surgiu Podemos, o PP se afundava na Andaluzia e o PSOE conseguia minimizar as perdas para se aguentar no governo. Então entrou em cena Ciudadanos que vinha ocupar o espaço populista à direita. Nas municipais e regionais de maio, caíam tanto o PP, quanto o PSOE, também o IU. As prefeituras de Madri, Barcelona, Valência e tantas outras localidades e governos autônomos passavam para as mãos de novas formações de esquerda.
Há seis anos a crise castigava duramente a classe trabalhadora: milhares de demissões, cortes no seguro-desemprego, quedas generalizadas de salários, despejos, cortes de pensões, retirada de direitos trabalhistas, precarização, desmantelamento e privatização da educação e saúde pública. Haviam surgido movimentos de revolta popular, como o 15M, que acabaram se desintegrando, enquanto as direções da CCOO e UGT conseguiram passar por cima e desmobilizar o movimento de resistência dos trabalhadores para que se fossem impondo os planos do governo e da patronal. Nestes anos de retrocessos e penúrias, houve apenas uma greve de 24 horas.
Mas, a partir de 2014, se remodelava o cenário político e se agitavam os pilares da chamada transição. A monarquia, cada vez mais questionada, precipitou rapidamente a sucessão de Felipe V, que naquele momento contava com o apoio indiscutível do PP e PSOE. À essa situação se somava o processo catalão que provocava uma nova sacudida política, e uma corrupção generalizada em todas as instâncias de poder que desata um cansaço generalizado além de um “basta” massivo já naquele momento.
O fenômeno da crise institucional que arrasta consigo os partidos gestores da crise, não é exclusividade da Espanha. Esse sentimento de rechaço aos velhos partidos, sua corrupção e os cortes foi o que levou o Syriza (que há poucos anos atrás tinha 4% de votos) a ganhar duas eleições consecutivas. Na Itália, é o Movimento 5 estrelas do comediante Beppe Grillo, quem capitaliza 9 milhões de votos de protesto, ainda que o caráter de esquerda é mais difícil de definir, neste caso, pelo seu populismo. Na Grã-Bretanha, a recente eleição de Corbin com 60% dos votos nas primárias do trabalhismo é a expressão da vontade das bases trabalhistas de impor um giro à esquerda contra as políticas de austeridade.
Mas estas novas formações se encontram com o mesmo problema em que se afundou a socialdemocracia. A realidade é que a voracidade do capitalismo em crise não deixa espaço para políticas de divisão das migalhas, quer tudo e mais um pouco. A disjuntiva entre se submeter ao capitalismo e atacar brutalmente as massas ou se enfrentar com ele, está presente também para as novas opções de esquerda.
Podemos
Os efeitos da política de Syriza na Grécia tem uma repercussão imediata no desenvolvimento da situação na Espanha. Pablo Iglesias foi convidado de honra do Syriza nas eleições de janeiro. A evolução de voto do Podemos é muito significativa. Alcança uma previsão de voto máxima de 25% em janeiro de 2015, mas até o verão europeu cai para cerca de 15%, frente a aceitação de Tsipras do terceiro memorando e os duríssimos cortes que vai aplicar.
Pablo Iglesias apoia Tsipras e justifica sua traição afirmando que deu uma grande lição de democracia e honestidade. Mas, que lição de democracia é consultar o povo através de um referendo e quando este – com uma maioria de 60% - vota não aceitar a proposta da troika, Tsipras impõe um terceiro memorando ainda pior? Que honestidade é aplicar o contrário do que dizia seu programa?
O dirigente do Podemos acrescenta que a Grécia é um país pequeno e que já fez muito e não podia ir mais longe, e o que tem que fazer é resistir até que outros partidos do mesmo tipo na Europa cheguem ao governo e possam fazer mais força contra o austericídio, enquanto isso não tem outro remédio do que impor os ditames da troika. Frente a isso, lhe responderíamos: efetivamente os/as trabalhadores/as gregos/as fizeram mais do que se pode pedir para deter os planos de miséria (quase 30 greves gerais) e o resto da esquerda europeia – inclusive o Podemos -, e os sindicatos tinham a responsabilidade de não deixar o povo grego sozinho e o abandonaram. Mas que governo é esse para impor ao povo trabalhador o contrário do que este manifesta? Por sua vez, surgem outras perguntas: Pablo Iglesias está nos dizendo que talvez mesmo na Espanha – supondo que Podemos chegue ao governo – pode que não seja suficiente ainda e tenha que fazer como Tsipras e acabar aplicando o contrário do que nos vende? Dessa forma, o que os trabalhadores podem esperar da direção de Pablo Iglesias?
Nas eleições catalãs, Podemos vai com uma candidatura com IC (IU) que se chama “Catalunha sí que es pot” (Catalunha, sim, é possível). Há dois desafios colocados nessas eleições: o direito à autodeterminação e a ruptura com a política de austeridade e cortes. A resposta, segundo eles, é que sim é possível fazer um referendo sobre a autodeterminação… se os poderes do estado permitem e é legal; e – visto a Grécia – sim é possível acabar com os cortes… se a troika o permite. Na verdade “Catalunha sim se pode”, é em realidade “Catalunha se nos deixam”.
A medida em que avança o possível êxito eleitoral que levará o Podemos a posições de governo, vão caindo por terra suas promessas de campanha. Não se posiciona sobre a forma de estado: direito a decidir sim, mas no marco de um processo constituinte; não diz que não vai pagar a dívida para colocar em primeiro lugar as necessidades do povo, somente aspira reestruturar a dívida; começaram a mudar o discurso que faziam às classes populares atacando a “casta”, quando reconheceram as virtudes da Guarda Civil, do exército, elogiaram o monarca, assim como aos Botín, donos do Banco Santander. Hoje fazem aliança com IC/Euia levando como candidato por Barcelona Coscubiela, quem foi durante 13 anos secretário-geral da CCOO da Catalunha, com grande parte da responsabilidade de pactuar a retirada de direitos trabalhistas, assinatura de EREs (instrumento que permite às empresas em “má situação” demitir trabalhadores ou suspender deus contratos), além de prestar assessoria à Endesa – grande empresa de eletricidade – e, logo que saiu da secretaria geral, foi ser professor em uma escola de negócios de elite(ESADE). A pergunta que fica é: Quem resta para ser “a casta”?
Hoje, Podemos se assemelha a uma reedição do PSOE de 81-82, e Pablo Iglesias a um novo Felipe González. Como o Syriza de Tsipras se pode assemelhar a uma nova reedição do Pasok de Papandreu. Efetivamente acende paixões na esquerda, entre os/as trabalhadores/as necessitados de um referencial político, de uma saída. Mas tememos muito que isto vai acabar em novo “desencanto” como o que protagonizou a socialdemocracia na Transição, enterrando a esperança e a luta operária por um longo período. A vantagem com a qual contamos hoje é a maior debilidade daquele poderoso aparato socialdemocrata. A mobilização da classe trabalhadora e a luta para derrotar os planos, e a construção de correntes revolucionárias capazes de tocar as lutas, é o único antídoto.