Por Josep Lluís del Alcázar, do Lucha Internacionalista (UIT-QI)
Em 4 de setembro, se reuniram em Barcelona os oito prefeitos de Madri, Zaragoza, Barcelona, Badalona, A Coruña, Santiago de Compostela, Iruna e Cádiz, quando se completou cem dias da posse, com o propósito de articular uma rede de municípios, já batizada com o nome de “Cidades pelo bem comum”. As expectativas e ilusões de mudança que estas candidaturas despertaram em amplos setores das classes populares e os novos ares que sopram são indiscutíveis. As eleições municipais e regionais provocaram uma séria crise nos velhos partidos que foram parte da transição. Na maioria destas cidades, o Podemos participou das candidaturas vencedoras e impulsiona a “economia do bem comum” do austríaco Christian Felber que busca “superar a economia entre capitalismo e comunismo e aumentar o bem-estar social”, baseado em impor condicionantes éticos à economia capitalista atual.
É difícil que exista um “bem comum”... “aquilo do qual se beneficiam todos os cidadãos”, porque o bem de alguns é o mal dos outros. Porque, queiram ou não, a sociedade é formada por classes que estão em luta permanente, por isso dizemos que se não há uma política de se apoiar na mobilização popular e avançar na ruptura com os velhos poderes, o estado e o capitalismo, a conciliação faz com que sejam os de sempre que saiam perdendo. Neste sentido, podemos observar alguns exemplos destes cem dias já cumpridos nas prefeituras de Madri e Barcelona.
Ada Colau e a telefonia
Ada Colau assinou em 19 de maio, antes das eleições, o “Compromisso de las Escaleras” com os trabalhadores em luta da Movistar, se comprometendo a “suspender, reverter e não renovar nenhuma contratação pública de serviços com a Movistar, nem qualquer outra empresa que não garantisse que todos os trabalhadores (diretos ou terceirizados) que atuam na prestação de serviços ou fornecimento tenham uma jornada máxima de 40 horas semanais e dois dias de descanso, que recebam um salário digno e o mesmo salário pelo mesmo tipo de trabalho”.
A Telefónica tinha um contrato no valor de 3,2 milhões de euros e outro de 216 mil e 594 euros com a prefeitura de Barcelona. Em 19 de junho, os trabalhadores saíam da greve. Em 17 de julho, sem cumprir o compromisso, Ada Colau assinava o contrato com a Telefónica de 1,6 milhões de euros, renovando por “apenas” seis meses esperando para ver se melhoraria, as condições dos trabalhadores.
Mas a empresa e suas subcontratadas não esperaram os seis meses e começaram despedindo cinco grevistas em Abentel, a maioria dos membros do comitê de empresa em Itete e uma dezena em Comfica Barcelona, e pediu 400 mil euros de multa contra o comitê por prejuízos econômicos da greve. Fecharam a planta de trabalho de Contronic Barcelona. Seguem os contratos de falsos autônomos e 30 deles que participaram da greve estão sem acesso ao local de trabalho. Ou seja, demitidos. Foi colocada uma cláusula no “consistório de Barcelona em Comú” ao menos para impedir as demissões? Se foi posta, é claro que não foi efetivada.
Mas não é apenas isso. Porque se existem empresas que não respeitam os direitos dos trabalhadores, boa parte está representada no Móbile World Congresse (MWC) que acaba de acordar com a prefeita o aumento da sua presença em Barcelona até 2023.
Carmena e os bancos
Em junho, antes de tomar posse, Manuela Carmena se reuniu com José Ignacio Goirigolzarri, presidente do Bankia, depois com os presidentes do BBVA e Banco Santander, Francisco González e Ana Botín. Segundo a nota divulgado, o objetivo era agilizar a alocação das residências que são parte do Fundo Social de Moradias. Carmena definiu o encontro como “positivo”, que os bancos tinham grande afã de escutar o governo.
Mas por trás desses contatos, Manuela Carmena deixa de lado todas as suas propostas relacionadas com os bancos. A criação de um banco público que tinha lugar destacado no seu programa para reforçar a autonomia financeira municipal e “como ferramenta de financiamento de projetos sociais e de empresas e cooperativas que fomentem a economia produtiva”, hoje ela diz que “não é necessária”.
Em fins de 2014, a dívida de Madri era 5,936 bilhões de euros. O programa Ahora Madri estabelecia a auditoria da dívida, sua reestruturação, para depois quitar o pagamento, igual ao Syriza. Em 2015, está previsto o pagamento de 734 milhões. A prefeitura afirma que seguirá pagando a dívida e os prazos de amortização, pois “se tem podido pagar, vão seguir pagando”. Sobre as possibilidades de acabar com o pagamento da dívida, a resposta é “temos que ver” e negociar com os credores.
Outro tema diretamente relacionado com os bancos são as moradias. Efetivamente, se paralisou a venda de 2086 moradias sociais a fundos de investimento, que o governo anterior não chegou a materializar, ainda que o novo governo veja que é difícil reverter a venda de 1860 moradias protegidas a outro fundo abutre. Mas no que se refere aos grandes bancos estatais e os despejos, Carmena afirmou que em nenhum momento quer “interferir na Justiça e que não pode alterar a lei porque não é sua competência”. Tampouco está previsto “impor taxas que penalizem a acumulação de moradias com fins especulativos, em mãos de grandes empresas, imobiliárias e entidades financeiras”, como dizia o programa de Ahora Madri. A Oficina anti-desalojados tem como finalidade mediar antes da judicialização e oferecer moradia social alternativa a pessoas desalojadas.
Ruptura ou assistencialismo
Carmena se justifica em Europa Press: “O programa de Ahora Madri foi se construindo pouco a pouco, se incluíram muitas sugestões e quando assumi a candidatura disse desde um primeiro momento que o entendia (o programa) como um conjunto de sugestões, mas que nem todas se podia entender como pressupostos de implicação programática ativa”. E segue: “depois haverá medidas que podem ser levadas a cabo ou não porque o importante é que se ajustem a objetivos como igualdade, anticorrupção, transparência”.
Ninguém duvida da pressão que exercem os poderes das empresas, Telefónica, Bankia, BBVA ou Santander, La Caixa, Repsol, etc., e que contam além disso com partidos políticos, leis e meios de comunicação que fazem o seu jogo. Mas o que não se pode é conciliar com seus interesses: ou se está com os trabalhadores ou com a Telefónica. Com as necessidades dos trabalhadores ou com os bancos. Esta é a disjuntiva. E isso é determinante, pois não há possibilidade de abordar o problema da greve ou a precariedade sem paralisar as grandes corporações, sem denunciar as reformas trabalhistas e garantir trabalho público, sem paralisar o pagamento da dívida e tomar os recursos dos bancos para colocá-los à serviço das necessidades urgentes da população trabalhadora.
O caminho da conciliação (o do qual ao fim se colocaria todos de acordo), foi empreendido por Tsipras e acabou se aprovando contra o povo grego um memorando mais duro que os anteriores. E não é casual que IU, IC/EuiA e Podemos, os pilares de “Barcelona em Comum” e Ahora Madri, apoiem a traição do governo do Syriza. Se não se vai a fundo sobre os verdadeiros problemas dos trabalhadores, resta apenas a política de assistencialismo. Mas o primeiro é limitado e logo se esgota (transparência, limitação de salários, eliminação de luxos, etc.), e o segundo é sempre insuficiente, não vai até a raiz do problema e, mais tarde do que nunca, se torna insustentável economicamente.
É certo que o desemprego, as leis de imigração ou moradia, a educação e saúde pública não tem solução somente no marco municipal. Mas a obrigação de uma prefeitura comprometida com os trabalhadores deve ser ao menos: 1) utilizar todos os meios para denunciar as leis e políticas que vão contra os interesses dos trabalhadores e se apoiar na mobilização contra elas; 2) se apoiar nas organizações de moradores e trabalhadores; 3) municipalizar os serviços privatizados; 4) compromisso de apoio às lutas dos trabalhadores; 5) criação de emprego público; 6) colocar os recursos públicos para defender os serviços públicos e amenizar as consequências da crise capitalista.