A crise da “frente democrática” e as eleições de 2018

Diego Vitello (Direção Nacional CST-PSOL)

As últimas semanas foram de definições para a disputa eleitoral que se avizinha. Mais uma vez o que vimos foram alianças sendo formadas em um verdadeiro “balcão de negócios” da política nacional. O que surpreendeu muitos, foram as alianças comandadas pela cúpula do PT. Após uma política quase permanente de formar frentes “em defesa da democracia” com outros partidos, Lula rifa aliados e gera crises nos partidos que compuseram tais frentes, inclusive no próprio PT.

O fato concreto é que o PT está fechando alianças eleitorais para governar em comum com setores que há meses chamava de golpistas. Obviamente não é uma novidade o PT formar alianças com partidos da direita mais tradicional brasileira. É só vermos as chapas presidenciais que garantiram as últimas quatro eleições dos petistas para presidente. Em 2002 e 2006, o vice de Lula foi José de Alencar, megaempresário do ramo textil, que se candidatou pelo PL e depois pelo PRB nas chapas com Lula. Já em 2010 e 2014, o vice de Dilma foi Michel Temer (PMDB), que dispensa apresentação. A questão dessa eleição que se avizinha é que o PT vem dizendo há dois anos que seus antigos aliados armaram um “golpe” contra ele, e agora, mais uma vez, vai formar alianças em diversos estados com parte dos articuladores e apoiadores do impeachment da ex-presidente Dilma. Nas últimas semanas, quando começaram a vir à tona as alianças que o grupo de Lula estava impondo no PT, o questionamento e até a revolta de vários apoiadores e militantes do partido foram expressas.

O próprio analista petista Breno Altman reconhece: “ o PT está agora assolado por uma onda de rebelião e divisão que pode levar à paralisia partidária, a poucos dias do registro da candidatura Lula e da batalha mais decisiva que já enfrentou. ”

Discutiremos aqui alguns casos que mostram o caráter das alianças formadas pelo PT nos estados, que são a demonstração de que a política lulista em nada se alterou, e que o discurso de dividir o país entre “golpistas e golpeados” não passou de jogo de cena para fortalecer a candidatura de Lula e tirar o próprio PT do “volume morto”.

Alagoas: PT de mãos dadas com o Coronel Renan Calheiros

Renan Calheiros é o nome mais tradicional da política burguesa alagoana. “Cacique” do MDB, senador há 24 anos, envolvido em diversos escândalos de corrupção, foi também presidente do senado por três vezes. Este ano, Renan concorre à reeleição ao senado e seu filho, também chamado Renan, concorre à reeleição para o governo do estado. Ambos serão apoiados pelo PT.

Apesar de ser do partido de Temer e ter votado a favor do impeachment de Dilma, o clã dos Calheiros conseguiu um bom acordo com o PT, que trocou o apoio ao MDB local por uma campanha informal de Renan e seu filho para o ex-presidente Lula, já que formalmente o candidato do MDB é o ex-presidente do Banco Central na era Lula, Henrique Meirelles.

Pernambuco: por acordo contra Ciro Gomes, direção nacional anula decisão estadual

Muitos ficaram escandalizados pela “puxada de tapete” que o PT de Lula deu na candidatura de Ciro Gomes a partir de Pernambuco.

O PT fechou um acordo nacional com o PSB, garantindo que este partido ficasse “neutro” na disputa eleitoral, ou seja, que não se aliasse a nenhum candidato, abrindo a possibilidade para em alguns estados o PSB abra o palanque para o PT.

O PSB já estava praticamente fechado com a candidatura de Ciro Gomes (PDT), que supostamente também seria parte do “campo progressista”, ou seja, dos candidatos que se opuseram ao impeachment da ex-presidente Dilma. Porém, Lula e a direção nacional do PT atuaram para romper essa aliança que se formava. Para isso, tiveram que anular a decisão de mais de 90% dos delegados da convenção estadual do PT de Pernambuco de lançar a vereadora Marília Arraes para o governo do estado, o que gerou forte revolta e uma polêmica pública entre o diretório local e o nacional. A neta de Miguel Arraes, vinha muito bem nas pesquisas e estava empatada tecnicamente em primeiro lugar com o atual governador Paulo Câmara (PSB). No final das contas acabou prevalecendo a decisão nacional, e o PT irá apoiar a reeleição de Câmara. Vale lembrar, que o acordo pela “neutralidade” do PSB Nacional, o tirando da aliança com Ciro Gomes (PDT) e obviamente diminuindo o tempo de TV do candidato pedetista, fez aumentar o tempo de TV de Alckmin e Bolsonaro. Ciro Gomes, dito “progressista e de esquerda”, que terminou tendo como vice a Ruralista Katia Abreu (outrora Ministra de Dilma).

Ceará: Lula joga para apoiar um dos principais articuladores do impeachment

No Ceará fica expressa mais uma vez a aliança de Lula com setores do partido governante e os articuladores do impeachment de Dilma. Assim como em Pernambuco, o grupo de Lula (que comanda o diretório nacional), decidiu intervir no estado, proibindo a tentativa de reeleição do atual senador petista José Rodrigues, para favorecer a reeleição de Eunicio de Oliveira (MDB). Vale lembrar também, que o senador pelo MDB do Ceará, foi um dos que votou a favor e defendeu entusiasticamente a PEC do Teto de Gastos que congelou os investimentos em saúde e educação por 20 anos.

Da “frente contra o golpe” até as escandalosas alianças de Lula para essa eleição

É um fato que desde que existia a ameaça do impeachment contra a presidente Dilma, o PT encabeçou um campo político que formou diversas frentes com a sua política.

Em 2015/16 o país já ia de mal a pior. Dilma, com o seu braço direito Joaquim Levy no comando da economia, vinha desferindo brutais ataques contra o nível de vida da população. A Medida Provisória 665, que restringiu o acesso ao seguro-desemprego em um momento no qual as empresas mais vinham demitindo nos últimos anos era um exemplo da política neoliberal que o governo petista vinha implementando. Nesse momento, onde o governo era fortemente questionado, e Lula propôs uma frente em defesa do mandato de Dilma. Após o impeachment a política de uma “frente democrática” com o PT continuou. Os rótulos foram muitos. Frente Brasil Popular, pelas “eleições diretas”, em defesa da democracia, entre outras políticas. Todas tinham um só conteúdo, a defesa de uma unidade com o PT para buscar uma saída para a crise do país e reciclar a velha direção lulo-petista. Como se Lula e o PT, que dos últimos 15 anos governou 13, não fosse um responsável fundamental pela atual crise!

Infelizmente ampla maioria da esquerda brasileira conformou esse bloco político com Lula ao invés de forjar uma alternativa ao PT, seja na Frente Povo Sem Medo ou na Plataforma Vamos (onde até Gleisi Hofmann foi chamada a construir um programa em comum para o país), e mais recentemente no Manifesto das Fundações de PT, PDT, PSB, PCdoB e PSOL, onde um dos pontos centrais era a reivindicação dos 13 anos de governo petista.

Quando essa política de frentes atingiu o objetivo traçado por Lula: impedir o surgimento de um campo político à esquerda do petismo com peso de massas na conjuntura e uma alternativa eleitoral ao PT ele rapidamente implodiu sua própria criação e virou as costas para a “frente ampla” ou a tal “frente antifascista”. Agora os discursos em defesa da democracia já não são mais funcionais para os objetivos eleitorais de Lula e da cúpula do PT, e por isso eles impõe burocraticamente, sem nenhum tipo de debate, alianças com partidos e “caciques” políticos que foram a favor do impeachment e que há meses atrás eram chamados de “golpistas”. Esses novos fatos impõem uma nova reflexão ao conjunto da esquerda socialista e aos movimentos combativos que até aqui estiveram no campo Lulista, para mudar de rumo e romper com Lula e o PT.

Quais as conclusões a esquerda deve tirar das alianças do PT em 2018?

O PT construiu um discurso de que foi vítima de um golpe orquestrado pelos seus antigos aliados. Porém, para as eleições de 2018 fez de tudo para se aliar novamente a grande parte deles, ou seja, com os supostos golpistas.

As conclusões que temos que tirar é que o PT reafirma o projeto que já vinha aplicando nos seus governos em comum com partidos tradicionais da burguesia e tem uma política para dialogar com setores da classe dominante. Para fortalecer esse projeto, era fundamental que não surgisse nenhuma alternativa forte pela esquerda do lulismo. O PSOL, que era fundado por militantes expulsos do PT por serem contra a Reforma da Previdência que Lula desferiu contra os trabalhadores em 2003 e que tinha uma vocação para ser essa alternativa, pela política da sua direção majoritária, optou por entrar no campo de Lula, em que pese uma importante oposição interna da qual fomos parte.

Ao contrário do que dizem diversos apoiadores do ex-presidente, a classe dominante não está unificada contra Lula. Há uma evidente divisão Inter burguesa no tema da prisão e até da candidatura de Lula, que se expressa tanto na superestrutura política do país, quanto no judiciário. E não podemos esquecer que a direção lulo-petista deixou passar a reforma trabalhista e desmontou duas greves gerais. O apoio de representantes de oligarquias locais a Lula, como é o caso dos Calheiros, é um exemplo disso. A própria votação apertadíssima no STF, onde por apenas 6 a 5 se votou a possibilidade de prisão após decisão de segunda instância, mostrou mais uma vez que existe divisão e não unidade em torno do tema Lula. A própria imprensa burguesa até o momento não está em uma grande campanha contra a candidatura de Lula, e centra seu fogo contra Bolsonaro, no intuito de transferir votos do militar para o candidato preferido da burguesia, o tucano Geraldo Alckmin.

Temos que fazer o esforço de pensar o que seria um governo do PT na atual situação política e econômica do país. Nós acreditamos que as alianças formadas mostram que um próximo governo petista seria um governo Dilma piorado, recheado de medidas de ataques contra os direitos dos trabalhadores, repressão às lutas sociais (é só lembrar a unidade do vice de Lula Haddad com Alckmin na repressão às jornadas de junho de 2013) e marcado por diversos escândalos de corrupção. Parte do MDB, ou talvez até todo, seria parte do governo.

Mesmo em 2018, onde o PT não está no palácio do planalto, mas ocupa governos estaduais e municipais, podemos ver isso colocado. O PT, no Governo de Minas Gerais de Fernando Pimentel, implementa fortes ataques contra a educação e ordenou recentemente uma repressão violentíssima da Polícia Militar contra professores da educação básica que estavam em greve.

As relações do PT com setores do MDB e da burguesia são estruturais. Não se trata de uma “síndrome de Estocolmo” (quando a vítima se apaixona pelo seu sequestrador) como falam alguns, mas de um projeto político em comum com setores dos partidos mais tradicionais da burguesia, para voltar ao aparato de governo e implementar uma política de ajuste fiscal contra a classe trabalhadora.

É preciso um campo político independente do lulismo

Os últimos acontecimentos comprovam que Lula não mudou e nem vai mudar. As alianças para as eleições de 2018 de Lula e do PT não servem à esquerda nem ao povo brasileiro. Ao mesmo tempo mostram que Lula e o PT não aplicam nada da tal linha contra o “golpe”, do contrário não estaria aliando ao PMDB isso para não falar no desmonte das greves gerais de abril e dezembro de 2017 ou declarações de Lula livrando a cara de Temer. A tal “ampla unidade” também é balela como se viu no toma-la-da-ca que puxou o tapete até de seus supostos aliados como é o caso de Ciro Gomes ou o enterro de candidaturas como a de Marília Arraes.

Por isso a direção majoritária do PSOL e a coordenação de campanha dos companheiros Boulos e Guajajara devem mudar o rumo da campanha. Não se pode continuar como parte integrante da “frente ampla”, da Frente da Fundações partidárias, nem se pode continuar com eixo a defesa do direito de Lula ser candidato. Devemos seguir a batalha por um campo político independente da classe trabalhadora e romper o atual pacto de não agressão com o petismo, e abandonar qualquer especulação sobre dobradinhas com o PT no senado (como se calcula em alguns locais). Aproveitar o espaço eleitoral para denunciar todos os que já governaram com o Temer e o PMDB, como é o caso de Alckmin e Bolsonaro. Mas ao mesmo tempo fazer um duro balanço do resultado dos 13 anos de governo do PT, denunciar o envolvimento em corrupção dos principais dirigentes do partido, as alianças estaduais com o MDB e a direita tradicional. Assim poderíamos dialogar com a imensa legião dos “ninguém” que esta carente de alternativas ou mesmo nos dirigir aos setores populares que ainda pretendem votar em Lula e no PT: está demonstrado que Lula ou Haddad caso cheguem ao governo, os trabalhadores e o povo terão mais uma vez uma grande decepção, e por deveríamos mostrar outro caminho. Assim poderíamos utilizar a eleição para encabeçar um campo político alternativo, dos que estiveram na oposição aos governos petistas pela esquerda e que querem seguir a luta nas ruas contra o governo Temer, possuindo autoridade para mostrar que o lulismo não é mais um caminho para a esquerda brasileira. Programaticamente temos uma boa plataforma indicada para o debate na direção do PSOL, apresentada por várias correntes do campo de esquerda do PSOL, colocando propostas sobre a auditoria e suspensão do pagamento da dívida, de combate a corrupção e as empreiteiras, bem como a necessidade de uma campanha vocalizando as lutas em curso no pais.

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