Saúde Mental em tempos de pandemia e crise econômica 

Lais Sathler, da coordenação do Vamos a luta e integrante do Dapsi (diretório academico de psicologia da UFF)
AnaDamasco, coordenação estadual da CST rio de janeiro e psicóloga

Covid-19 e crise econômica no cenário brasileiro

Uma pandemia em um contexto de crise econômica e social aguda produz mudanças na nossa vida que têm potencial para debilitar nossa saúde mental. O medo de adoecer, o medo de que nossos familiares e amigos adoeçam, especialmente os que são grupo de risco e que estão impedidos de guardar quarentena; os impactos na rotina e nas relações; a falta de insumos para higiene e proteção; o excesso de informações, nem sempre verdadeiras; a alta dos preços nos mercados e farmácias e o medo de perder o emprego e de não ter como se sustentar. Esses são alguns dos problemas que enfrentamos todos os dias e que produzem em nós muita ansiedade, em um contexto que já não era tranquilo antes mesmo dos impactos do Covid-19 na nossa realidade.

Aqui no Brasil, a chegada do Coronavírus se dá em um cenário de 44% do trabalho sendo realizado de forma informal (sem garantias e direitos), registrando recorde, segundo IBGE; de aumento de pífios 40 reais no salário mínimo e da queda no poder de compra dos trabalhadores. Com o PIB baixíssimo de 1,1% e a alta do dólar, Paulo Guedes e Rodrigo Maia tentam acelerar as Reformas e os pacotes de privatizações, que impactam na vida dos trabalhadores com demissões, redução de salário e retirada de direitos, previstos no criminoso Plano Mais Brasil. A isso se somam as tragédias ocasionadas pelas enchentes no começo do ano, que destruíram casas e negócios de milhares de famílias, prejudicaram as produções dos alimentos, gerando alta de preços, sem nenhuma medida efetiva de Bolsonaro e dos governadores para reverter esse caos. Em meio a tudo isso, ainda no início do ano, no Rio de Janeiro, a população bebia água contaminada, responsabilidade do governador Witzel, que aplica uma política de precarização dos serviços públicos, sem se importar com a saúde da população. 

A juventude, além de representar uma grande parcela dos que possuem trabalhos informais, precisa encarar o completo caos nos resultados do ENEM e do Sisu, cortes sucessivos na educação pública, de bolsas de desenvolvimento acadêmico e nos financiamentos de pesquisa científica; nas escolas, uma campanha falaciosa de Abstinência Sexual promovida pela ministra Damares Alves, colocando nossas crianças e jovens mais suscetíveis às ISTs, gravidezes indesejadas e violência sexual. 

No campo da saúde, onde vão parar os casos do coronavírus, também houveram ataques. O SUS funciona com 9 bilhões a menos que ano passado, resultado da emenda constitucional do Teto de Gastos; na saúde mental, o Governo Bolsonaro praticamente equiparou os investimentos em CAPS – Centros de Atenção Psicossocial, serviços públicos – aos investimentos em Comunidades Terapêuticas privadas, em sua maioria religiosas, que têm contratos com planos de saúde. Todo esse cenário de precarização dos serviços públicos, especialmente da saúde, e encarecimento da vida dos trabalhadores e jovens, que já produzia bastante sofrimento psíquico, se agrava imensamente com a ameaça do Coronavírus. 

Situação atual do Covid-19 e as medidas do governo

Diante desse cenário de calamidade, Bolsonaro é completamente irresponsável! Segundo dados da Universidade Johns Hopkins, em 28 de março, os números do coronavírus no mundo chegam a mais de 600 mil pessoas infectadas e mais de 28 mil mortes. E esses dados representam apenas os casos confirmados, mas sabemos que nem todas as pessoas estão sendo testadas no Brasil e no mundo. No nosso país há uma subnotificação do Covid-19: são testados apenas os casos graves, os resultados demoram a sair e há uma série de relatos de pessoas que morreram com sintomas da doença enquanto aguardavam o resultado do exame; essas pessoas não são contabilizadas até que o resultado saia. Enquanto isso, nosso presidente nega a gravidade do problema, dizendo por duas vezes que “é uma histeria” e se referindo à doença que, em pouco mais de um mês, já infectou mais de 3 mil brasileiros (casos confirmados) como “gripezinha”. Bolsonaro e Guedes não estão nem aí se vamos sobreviver a essa pandemia, pois governam para os empresários ricos. 

Internacionalmente, a principal medida de contenção do contágio é o isolamento social associado a medidas de higienização das mãos e dos espaços. Sabemos que muitos profissionais não podem aderir a essa medida, pois trabalham em serviços essenciais, como é o exemplo dos trabalhadores da saúde, que são linha de frente no combate da pandemia. Mas, com exceção desses que trabalham em serviços essenciais, todos os outros deveriam aderir às medidas de isolamento, não só para sua proteção pessoal e de suas famílias, mas da sociedade como um todo. Infelizmente essa não é a realidade no Brasil. Bolsonaro incentiva as pessoas a saírem nas ruas, como se nada estivesse acontecendo e incentiva patrões a não liberarem seus funcionários. É o lucro acima da vida. 

Essas pessoas saem de casa em ruas desertas, muitas dependendo de transportes públicos, que estão com circulação reduzida. São obrigadas pelos empregadores e pelo presidente a se exporem e sofrem as consequências psicológicas de se sentirem completamente desamparadas, com medo, por um lado de serem demitidas e não terem como sustentar suas famílias e, por outro, de contraírem a doença. Os trabalhadores dos Correios, por exemplo, vêm sendo vítimas de assaltos violentos durante o trabalho. Os metroviários e os trabalhadores de mercado trabalham sem escalas reduzidas e sem equipamentos para a proteção individual. 

O sofrimento tende a crescer ainda mais entre as pessoas que trabalham de forma autônoma, que hoje somam 44% da economia. Trabalhadores de aplicativos como a Uber e o Ifood, trabalhadoras domésticas, artistas, artesãos e ambulantes de todo o tipo, por exemplo, estão completamente sem perspectiva. A proposta de Paulo Guedes de dar um auxílio no valor de 200 reais para os autônomos registrados no CadÚnico é ridícula e massacra a dignidade desses trabalhadores. A própria Câmara dos Deputados aprovou um valor maior, de 600 reais, e agora essa proposta precisa ser votada pelo Senado. Apesar de muito limitada, pois sabemos que esse valor não supre as necessidades do trabalhador de pagar aluguel, contas e gastos no mercado, essa proposta demonstra que existe dinheiro para que medidas como esta sejam adotadas pelo governo. A sensação que fica ao ser autônomo e viver a pandemia no governo Bolsonaro é de completo abandono: ou se morre de fome sem trabalhar ou se morre de infecção por Covid-19. Sabemos, ainda, que a maioria dessa população é preta e habitante das áreas mais periféricas do país, muitas vezes sem garantia de insumos básicos como água corrente, a exemplo do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro. A subjetivação de todo esse descaso pode agravar sintomas de sofrimento psíquico e debilitar ainda mais os corpos dessa fatia que é deixada por Bolsonaro para morrer.

Bolsonaro deveria propor medidas para a contenção da pandemia, incentivando a quarentena e, principalmente, destinando verbas para o serviço público de saúde para evitar um colapso no SUS, que, hoje, não possui leitos, equipamentos de assistência e de proteção individual ou recursos humanos suficientes para lidar com a pandemia. Exemplo disso é que governos estaduais convocam pessoas para trabalharem voluntariamente, além de colocarem profissionais de áreas da saúde para realizarem trabalhos que não estão preparados para realizar. Ao invés disso, o governo lança uma campanha publicitária ao custo de 4,8 milhões com o mote “O Brasil não pode parar”, contrariando as recomendações da Organização Mundial de Saúde. Bolsonaro prova mais uma vez que sua preocupação é com os empresários, assim como quando assinou a Medida Provisória (MP da Fome) que autoriza uma série de ataques aos trabalhadores e favorece os patrões. A medida mais absurda da MP, que previa a suspensão do salário por quatro meses, foi derrotada em poucas horas pelo movimento nas redes. 

Todas essas ações do Bolsonaro que em nada nos ajudam e a falta de medidas para de fato conter a pandemia afetam a nossa saúde mental, em especial a de alguns setores sociais, como abordaremos mais abaixo. 

 

Foto: Amanda Dias/BHAZ

População em situação de rua

O número de pessoas em situação de rua aumenta por todo o país. Fruto da crescente crise econômica, muitos trabalhadores são demitidos e não conseguem mais pagar seus aluguéis. Famílias inteiras vivem em uma condição de maior vulnerabilidade, sem acesso a espaços seguros para se isolarem durante a pandemia e sem condições de manterem a higiene necessária de seus corpos e de seus pertences; lavar as mãos com água e sabão parece simples, mas nem todos possuem acesso a água e sabonete, muito menos a álcool em gel. E, com a circulação de pessoas reduzida, essa população que vive nas e das ruas estão com ainda menos possibilidades de conseguirem se alimentar. São completamente colocados à margem dos planos de contingência da pandemia, sem o mínimo para se manterem vivos. Essa população que já registra, cotidianamente, muito sofrimento, nesse contexto sofre ainda mais.

Saúde mental no isolamento social

As pessoas que hoje podem exercer o direito a guardar quarentena sofrem por se retirarem de suas rotinas e de suas relações cotidianas. Isoladas em casa, como o recomendado pela OMS, são expostas a turbilhões de informação que chegam pela TV e pelas redes sociais e acabam angustiadas. Estão impedidas de estarem próximas das pessoas que amam e temem pela vida dos amigos e familiares que não podem ficar em casa. Possuem opções limitadas de lazer e exercem o esforço imenso de tentar se adaptar a uma rotina completamente nova. Seres sociais que somos, tendemos a nos apoiamos nos nossos laços sociais, então não é simples estar em isolamento; muitas pessoas ficam amedrontadas e confusas e entram em ciclos de ansiedade.

Ter um presidente que nega a gravidade do problema e usa a pandemia para aprofundar a precarização das nossas vidas certamente piora bastante essa realidade. Lidar com a dúvida que produzem os diferentes discursos pode aumentar o quadro de sofrimento. Por isso é importante que, de alguma forma, essa angústia seja coletivizada. Os panelaços, por exemplo, têm sido uma maneira de coletivizar a insatisfação sentida com Bolsonaro e, ao mesmo tempo, uma forma de estarmos conectados com as pessoas que estão em isolamento ao nosso redor.

Trabalhadores da saúde

O setor que está na linha de frente de enfrentamento à pandemia é atacado pela MP 927 assinada por Bolsonaro, que autoriza horas extras praticamente ilimitadas para esses trabalhadores em um momento tão difícil e exaustivo. Os que trabalham no SUS se veem em um contexto de precarização, sem a garantia dos equipamentos de proteção individuais, sem os medicamentos necessários e sem a disponibilização correta de testes para o Covid-19. Os trabalhadores da saúde sofrem por saber que estão muito expostos à infecção pelo vírus e pela responsabilidade que carregam, apesar dos baixos salários e péssimas condições de trabalho. Em um contexto de falta de insumos, na terça-feira, dia 24 de março, Bolsonaro, contrariando orientações de Mandetta, ministro da saúde, autorizou a exportação de máscaras e medicamentos para a Itália, ignorando a realidade dos trabalhadores da saúde do Brasil.

Diante disso tudo, o que podemos fazer para manter nossa saúde mental?

É muito importante, nesse momento, acolher os nossos afetos, entender que medo, ansiedade, angústia etc são sentimentos esperados para esse momento. E que, apesar de cada um vivenciar essa fase de pandemia e isolamento de uma forma individual, há algo de coletivo em toda essa experiência. 

O sentimento de culpa é muito devastador. É importante estar atento a ele e tentar não se culpar por não conseguir produzir o que planejou, por ser obrigados a trabalhar e, com isso, expor pessoas que você ama, ou se sentir que está deixando alguém de quem você gosta desamparado. É um momento muito delicado e nunca é demais lembrar que os maiores responsáveis pelas políticas de contingência da pandemia de Coronavírus são os governantes. Repetindo: se acolha nos seus limites, entenda quem são os responsáveis por toda essa crise, tome todas as medidas de prevenção individual que estiverem ao seu alcance e elabore planos realistas para a quarentena que levem em consideração o seu estado afetivo.

Coletivize seus afetos! É muito importante falar sobre o que está sentindo com seus familiares e amigos. As tecnologias podem nos ajudar bastante nesse momento de restrição dos contatos. Filtre as informações que recebe. É importante se manter informado sobre a situação do país, do estado e da sua cidade, mas escolha mídias de qualidade, veículos oficiais ou grandes jornais, páginas políticas que você já conhece e confia. Evite as informações que você não sabe de onde vêm ou de fontes duvidosas. Se informar é importante, mas evitar excesso de informações também é. Desligue a TV e saia das redes em algum momento do dia.

 Expresse a sua indignação! Proteste da sua janela contra Bolsonaro e sua irresponsabilidade frente a pandemia que enfrentamos. Os impactos na nossa saúde mental poderiam ser minimizados se o governo fosse responsável com o momento político e sanitário, se tivesse políticas para garantir nossas vidas e não o lucro dos ricos. Mas a indignação com Bolsonaro cresce, expressando-se nos panelaços por todo o país e no #ForaBolsonaro que toma conta das redes sociais. Se, para Jair Bolsonaro, a economia e o lucro estão acima de nossas vidas, nossa saúde mental é ainda mais desprezada e precisamos nos somar a esse movimento e demonstrar nossa indignação. Precisamos seguir o exemplo dos lutadores para garantir nossos direitos. Em Jacareí (SP) os trabalhadores da Chery fizeram uma greve histórica, conseguiram barrar as demissões anunciadas e conquistar o direito à licença remunerada para a quarentena. Se estiver sendo atacado no seu trabalho, cobre medidas do seu sindicato! 

Para enfrentarmos essa pandemia conseguindo cuidar da nossa saúde mental, o governo precisa:

– Suspender imediatamente o pagamento da Dívida Pública! Investir esse dinheiro no SUS, em contratação emergencial de profissionais, ativação de leitos e hospitais e compra de insumos! Estatização dos hospitais privados e grandes redes de farmácia!

– Garantir remuneração digna para todos os trabalhadores informais, para que estes possam exercer seu direito a quarentena. 

– Fechar imediatamente todos os trabalhos não essenciais, garantindo remuneração durante toda a quarentena. Os empresários devem pagar pela quarentena! Quarentena não é férias!

– Revogar a MP 927 e suspender o Plano Mais Brasil, que arrancam nossos direitos!

– Suspender a cobrança de água, luz, telefone e internet! Distribuição de cesta básica, medicamentos e insumos de limpeza para os mais pobres!

– Garantir que haja equipamentos de proteção individual para todos os que trabalham nos serviços essenciais.

– Políticas de cuidado para as pessoas em situação de rua! Abertura de abrigos emergenciais com estrutura que respeite as recomendações de saúde da OMS, tanto para a população em situação de rua, quanto para os profissionais que forem trabalhar ali.

Em nome da nossa saúde mental, precisamos derrotar Bolsonaro! Seguir o exemplo da greve da Chery, em Jacareí! A CUT, a CTB, as demais centrais sindicais, as federações como CNTE, as entidades estudantis, como a UNE e a UBES, e os partidos da oposição precisam convocar panelaços coordenados em todo o país e organizar uma grande Greve Geral para exigir uma política efetiva de combate ao Coronavírus! Não podemos aceitar nenhum ataque, nossas vidas e saúde mental precisam ser prioridade! 

 

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