Saúde indígena em tempos de pandemia e Bolsonaro

Por: Eziel Duarte – Militante da CST-PSOL Pará

 

Os casos de covid-19 preocupam entidades e especialistas

Cerca de 12 indígenas em pelo menos três estados testaram positivo para covid-19, dentre os quais, cinco vieram a óbito, sendo 3 no Amazonas, um jovem Yanomami de 15 anos em Roraima e uma Borari que só foi diagnosticada depois de falecer em Alter do Chão, no Pará . Além disso, dois desses casos não são reconhecidos na contabilização do governo por se tratarem de indígenas não-aldeados que viviam em áreas urbanas.

A APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e outras entidades têm demostrado preocupação pela falta de políticas do governo federal de combate ao coronavirus específicas, levando também em consideração o histórico de doenças que foram trazidas ao Brasil pelos europeus e causaram mortes de indígenas, como a varíola, sarampo e a própria gripe. Um vírus novo pode ser fatal para muitos povos que têm a imunidade mais frágil.”Há um risco incrível de o vírus se alastrar pelas comunidades e provocar um genocídio”, diz a médica sanitarista Sofia Mendonça, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 

Somente no dia 08/04, o ministro Luiz Henrique  Mandetta anunciou a construção de um hospital de campanha para receber a população indígena sem, no entanto, nenhuma informação sobre a adoção de protocolos e fiscalização. 

Victor Moriyama/Divulgação/ISA

O latifúndio e o garimpo ilegal ameaçam

Bolsonaro e sua equipe defendem, por meio do Projeto de Lei 191/2020, a legalização do garimpo em terras indígenas e diversas outras atividades industriais, ameaçando o território e intensificando conflitos. Os assassinatos de indígenas continuam a crescer, a exemplo de  Zezico Rodrigues, do povo Guajajara, morto a tiros no dia 31/03 na Terra Indígena Arariboia. 

A ação de latifundiários e garimpeiros põe em risco a vida dos povos indígenas, pois mesmos podem ser transmissores do coronavírus  nos territórios. 

A falta de fiscalização e punição dessas práticas  intensifica os problemas. A FUNAI está sendo desmontada e servindo aos interesses de Bolsonaro e de Teresa Cristina (Ministério da Agricultura), como no caso das perseguição de servidores e retaliação  á realização de operações contra madeireiros e garimpeiros ilegais. Bolsonaro exonerou o major Olivaldi Borges Azevedo do cargo de diretor de Proteção Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), depois de uma megaoperação para combater o garimpo ilegal em três terras indígenas no interior do Pará, operação que foi exibida no Fantástico do último domingo.

Os ataques de Bolsonaro à SESAI

O governo federal aplica uma política genocida contra os povos indígenas,  tentando desestruturar a SESAI e municipalizar a saúde indígena. Essa falta de estrutura é uma preocupação não só no Brasil como em toda a América latina;

“Os povos indígenas não estão preparados para a pandemia de coronavírus devido à oferta limitada de serviços de saúde (instalações e pessoal de saúde) em suas comunidades, declara o epidemiologista Omar Trujillo, que lida com a população nativa do Ministério da Saúde do Peru, outro país com um alto número de comunidades nativas.” ¹

O orçamento executado pela secretaria de saúde indígena em 2019 foi 8% menor que 2018 e o previsto para 2020 sofreu redução de mais de R$40 milhões de reais. Essa situação se agrava com a falta de novos concursos, com a extinção de cargos e com as mudanças em departamentos, incluindo a falta de médicos, onde das 250 vagas, cerca de 200 não foram preenchidos em diversos  DSEIs (Distritos de Saúde Indígena) após a saída de médicos cubanos do programa mais médicos, segundo estudo do INESC². Alguns dos distritos com ausência de médicos são em regiões com registro de Covid-19 no Amazonas: os DSEIs do Médio e Alto Solimões, somados, carecem de 37 profissionais. Somente dois médicos apareceram até o momento. 

Confira o mapa abaixo:

Os servidores dos DSEIs trabalham em condições precárias e carecem de estrutura física, EPIs e também de mais profissionais. É necessário um programa de contratação emergencial e capacitação de mais profissionais para combater a pandemia e substituir os/as servidores que estão no grupo de risco. Defendemos liberação sem nenhuma redução salarial para as/os servidores com mais de 60 anos e que tenham doenças crônicas que coloquem essas pessoas em grupos de riscos. Sabemos que se essas iniciativas não forem tomadas, os próprios profissionais sem estrutura ou treinamento podem disseminar o vírus, como infelizmente aconteceu nos primeiros casos registrados.

Por um plano de emergência efetivo

Taliria Petrone, deputada federal pelo PSOL RJ, é co-autora do projeto de um Plano emergencial para o enfrentamento ao coronavirus em territórios indigenas junto a Joenia Wapichana (Rede) e da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas. Esse projeto foi construído junto as entidades como APIB e outras. Nós somamos a exigência de votação e efetivação rápida desse plano que, entre todos os pontos, apresenta; 

I – distribuição gratuita de sabonete, sabão em barra, detergente, álcool gel, água sanitária e cestas básicas em áreas ocupadas por comunidades indígenas, sejam elas oficialmente reconhecidas ou não, inclusive no contexto urbano;

III – garantia de equipes multidisciplinares de atenção à saúde indígena (EMSI), qualificadas e treinadas para enfrentamento da COVID-19, que possam atender e orientar os Povos Indígenas, com disponibilidade de local adequado e equipado para realização de quarentena antes de entrar em territórios indígenas, e com equipamentos de proteção individual adequados e suficientes; 

IV – garantia do acesso a testes rápidos, exames, medicamentos e equipamentos médicos adequados para identificar e combater a COVID-19 nos territórios indígenas, nos termos do inciso anterior; 

V – elaboração e distribuição de materiais informativos sobre os sintomas da COVID-19, com participação dos Povos Indígenas, em formatos diversos e por meio por rádios comunitárias e redes sociais, com tradução e linguagem acessível, respeitando a diversidade linguística dos Povos Indígenas, e em quantidade que atenda o total de profissionais de saúde e as comunidades indígenas de todo Brasil;

Veja completo: Plano-Emergencial-Povos-Índigenas-1

Além disso, estamos solidários e chamamos as diversas entidades sindicais, estudantis e movimentos a acolher as propostas do CIMI, APIB e demais entidades. 

Nós da CST-PSOL gostaríamos de colaborar para fortalecer as propostas com temas de alternativa financeira para viabilizar não só o projeto, mas um conjunto de políticas para reestruturar a saúde indígena, que resolveria a asfixia financeira e estrutural que é aplicada por  Bolsonaro, Mandetta e Teresa Cristina 

Dentre elas:

1- A suspensão imediata do pagamento da Dívida Pública e que parte desse dinheiro ( cerca de R$ 1 trilhão de reais por ano) seja utilizado para fortalecer os serviços e políticas públicas de enfrentamento à Covid19 e ao fortalecimento da Sesai, conforme temos desenvolvido na campanha junto a Auditoria Cidadã da Dívida (Confira em: http://cstpsol.com/home/index.php/category/especial/avidaacimadadivida/.) Com parte desses recursos se pode garantir a saúde indígena com serviços públicos e viabilizar as pautas urgentes.

2- A taxação das grandes fortunas e dos lucros das maiores empresas e empresários do Brasil, bem como dos lucros das multinacionais. A conta da crise não pode ser jogada na costa dos trabalhadores e os bancos e empresas que mais lucram no Brasil saírem com seus lucros intactos.

3- A utilização do dinheiro de multas, indenizações  por danos ambientais e expropriação das empresas poluidoras, que devastam a floresta, que possuam trabalho escravo ou cometeram crimes socioambientais, as que poluem os rios e ferem seus povos como Vale responsável pelo crime em Mariana e Brumadinho, a Hydro que polui os rios de Barcarena/PA e outras empresas. Será preciso estatizar conglomerados multinacionais como a Cargil e utilizar seus recursos para benefício dos povos da floresta.

4- Fortalecer a luta por uma reforma agrária efetiva, radical e sob controle dos trabalhadores camponeses e sem-terra, bem como garantir a total efetivação da demarcação das terras dos povos indígenas, pra combater o latifúndio, a mineração e o avanço da destruição ambiental.

Com essas medidas teríamos recursos para salvar a vida dos indígenas e das trabalhadoras e trabalhadores do Brasil.


 

¹ http://www.ipsnoticias.net/2020/04/la-pandemia-coloca-indigenas-latinoamericanos-ante-nuevos-desafios/

² http://amazonia.inesc.org.br/destaque/com-mais-da-metade-das-vagas-em-aberto-mais-medicos-de-bolsonaro-abandona-povos-indigenas/

 

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