LÊNIN, o “arquiteto” da revolução de outubro

LÊNIN, 150 ANOS DO SEU NASCIMENTO (1870-2020)

Por: João Santiago – Prof. Dr em  ciência política (UFPA)

Breve Biografia Política

Em sua “História da Revolução Russa” (Rearmamento do Partido), Trotsky fez uma das perguntas mais decisivas acerca de Lênin na Revolução Russa: “Como se teria desenrolado as evolução revolucionária se Lenine não tivesse podido chegar à Rússia em abril de 1917?”.  Em outras palavras: o Partido Bolchevique sozinho, teria encontrado o caminho do poder? Trotsky responde categoricamente que “não”. Mas, por quê? Por quê Lênin fora tão fundamental para o giro de 360 graus na linha do partido?

Novamente a resposta de Trotsky é incisiva: a individualidade de Lênin, manifestada em proporções gigantescas naquele período, fez a diferença, mas a individualidade como um elo da cadeia histórica, não de um indivíduo fortuito, qualquer; só a autoridade pessoal e política de Lênin seria capaz de mudar a linha conciliatória do partido (de Stálin e Kamenev), que estava apoiando o governo provisório. Lênin era um produto de todo o passado da história da Rússia, pois ao lado de operários avançados participara de todas as lutas durante todo um quarto de século que precedeu a revolução de outubro.

De fato, quando aos 17 anos, foi expulso da Universidade de Kazan, no curso de direito (estava há cerca de 4 meses apenas), ao participar dos protestos estudantis contra o czarismo que havia abolido as sociedades estudantis, seu destino já havia sido traçado. Seu primeiro castigo foi um exílio na propriedade de sua família, uma forma de prisão domiciliar, sem poder voltar à cidade. Acabado seu pequeno “exílio”, pode voltar para a cidade de Kazan, por intercessão de sua mãe, onde pela primeira vez leu O Capital de Marx. Era seu primeiro e definitivo encontro com o marxismo. Mas ainda faltava o despertar para a organização política e a inserção na luta de classes na Rússia czarista. Essa oportunidade veio quando a família mudou-se para Samara, em 1889. Lá se juntou ao círculo socialista de Alexei Sklyarenko, onde pode traduzir o Manifesto Comunista de Marx e Engels para o russo. Finalmente, em 1893 conseguiu concluir o curso de Direito na Universidade de São Petersburgo, e lá participou de uma célula revolucionária com um grupo que se denominava social-democrata.

Desde então o destino político de Lênin estava determinado: ser o arquiteto da grande Revolução Socialista na Rússia. Para isso, ainda fez suas últimas experiências com o grupo de marxistas russos exilados na Suiça, Emancipação do Trabalho, do qual faziam parte Plekhanov e Pavel Akselrod; nessa viagem, Lênin também passou por Paris, onde conheceu Paul Lafargue, o genro de Marx e fez alguns estudos sobre a Comuna de Paris.  Ao voltar, participou ativamente da propaganda junto aos operários em greve e do jornal Rabochee delo (” A Causa dos Trabalhadores”). Foi preso junto com outros ativistas. Em fevereiro de 1897 foi condenado com outros companheiros ao exílio na Sibéria por três anos. Antes da viagem ao exílio conseguiu reunir com seus companheiros em São Petersburgo para traçar planos e renomearam o grupo para Liga de Luta pela Emancipação da Classe Operária. Em maio de 1898, aquela que seria sua companheira por toda a vida, Nadya Krupskaia, também seria levada para a Sibéria presa, e em julho deste mesmo ano os dois se casaram. Aproveitando o tempo vago na prisão, dedicou-se a traduzir materiais dos socialista ingleses. É ainda na prisão que aparece sua primeira obra sobre a compreensão do capitalismo na Rússia, em 1899, O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia.

Após o exílio da Sibéria, Lênin dedicou-se inteiramente à propaganda do partido, que havia mudado o nome para POSDR (Partido Operário Social-democrata Russo), através do periódico Iskra (A Faísca). Em julho de 1900, mudou-se para a Suíça, de onde o jornal Iskra passou a ser editado, a partir de Munique.

A grande virada, a luta contra o reformismo: O Que Fazer e o  II Congresso do POSDR 

Antes da grande divisão no Partido, Lênin escrevera em 1902, sua grande obra política e organizativa, O Que Fazer, onde defendia um partido de vanguarda, com o recrutamento de operários para serem profissionais. Essa obra vai marcar época, pois praticamente ali estão colocados todas as estratégias revolucionárias organizativas para a tomada do poder político, principalmente a questão que ataca diretamente os reformistas, pois Lênin defende que revolucionários e reformistas não podem estar no mesmo partido.

As teses presente no Que Fazer guiarão as atitudes de Lênin e de seus companheiros no II Congresso do POSDR, realizado em Londres, em 1903. A necessidade de um partido centralizado, com uma direção centralista, defendida por Lênin e pela maioria foi a causa da divisão do Congresso: Martov e a minoria, se colocaram contrários a tese do centralismo democrático, e advogavam o direito à liberdade de expressão individual dos membros do partido. A partir daqui, os destinos teóricos, políticos e organizativos da revolução russa estariam delineados. Os Bolcheviques (a maioria em russo) derrotaram os Mencheviques (minoria em russo). Desde então, os dois grupos passaram a ser conhecidos assim dentro do POSDR e na imprensa. A posição de Trotsky nesse congresso foi de oposição a um partido centralizado, mas nunca se alinhou organizativamente aos Mencheviques.

Guerra e Revolução

A primeira revolução russa de 1905, onde surgiram pela primeira vez os Soviets (Conselhos) de operários e soldados, uma espécie de duplo poder, e conquistaram reformas políticas do czarismo teria sido para Lênin um “Ensaio Geral” da grande revolução operária e socialista que estava por vir. Foi nessa revolução também que Lênin começou a apreciar o papel de Trotsky como um revolucionário consequente, que presidiu o Soviet de Petrogrado nesse “ensaio geral”. Essa revolução serviu também para um balanço teórico e prático sobre qual o caráter da mesma, quem deveria dirigir esse processo e em aliança com quem. A posição de Lênin ainda se mantinha, de que a revolução seria burguesa pelas suas tarefas, mas que a burguesia seria incapaz de dirigir sua própria revolução, cabendo aos operários e camponeses tomarem o poder e formarem um governo da democracia social. Para os mencheviques, a revolução teria um caráter burguês e seria dirigida pela burguesia democrática, e cumprindo um esquema teórico social-democrata, abriria-se um período de luta pelo socialismo; já para Trotsky, a revolução teria já um caráter socialista e só poderia ser dirigida pelo proletariado revolucionário em aliança com os camponeses. 

Foram necessários mais doze anos e uma guerra interimperialista para que as concepções de Lênin amadurecessem para as posições de Trotsky e o próprio Trotsky se convencesse de que o partido centralizado era a arma mais eficaz para conquistar o poder político para o proletariado.

Ainda no início da guerra de rapina imperialista, em 1914, Lênin teve que se defrontar com os defensistas, os que defendiam que seu país deveria ir à guerra contra as potências beligerantes, posição essa defendida por Kautsky e os social-democratas alemães e os mencheviques dentro da Rússia. Foi um duro golpe para Lênin a capitulação da social-democracia alemã, com a exceção honrosa de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, que se mantiveram firmes no princípio de repudiar a guerra imperialista, de transformá-la, como defendia Lênin da Internacional, em um guerra civil.

Isso obrigou Lênin a dar uma última batalha teórica contra os reformistas e capituladores antes da revolução, escrevendo o Estado e a Revolução (agosto de 1917) e publicando Imperialismo, fase superior do capitalismo (setembro de 1917), para reafirmar a doutrina marxista acerca do Estado, de que o mesmo teria que ser destruído e substituído por instituições operárias, soviets, e também para mostrar que o mundo está dividido entre as potências capitalistas, que passaram a assumir desde o início do século XX, um caráter imperialista, e foi isso que levou a eclosão da I Guerra Mundial.

As Teses de Abril e a Revolução de Outubro: Lênin se encontra com Trotsky

Quando Lênin chegou à estação Finlândia em abril de 1917  e proclamou a frase “Nenhuma confiança no Governo Provisório”, a velha guarda bolchevique que estava dando as rédeas na linha política do partido estremeceu, pois Lênin havia acertado na veia da política conciliadora de classes desses dirigentes. Ao falar nesse tom, Trotsky escrevera em sua História da Revolução Russa que Lênin “acabara de penetrar no território da revolução”. A Revolução de Fevereiro havia repetido o fenômeno da primeira revolução, do “ensaio geral”, e havia constituído soviets, que em sua maioria estava na direção dos mencheviques e socialistas-revolucionários. Essa direção conciliadora impedia a tomada do poder pelos operários, camponeses e soldados. Depois da recepção na estação Finlândia, Lênin foi levado para o Palácio Ksheinskaia, o quartel-general dos bolcheviques desde fevereiro quando estourou a revolução. Lá falou por cerca de duas horas para os líderes bolcheviques de Petrogrado, onde colocava a necessidade da tomada do poder pelos soviets. 

Finalmente, no dia 4 de abril, Lênin apresentava ao partido um resumo das suas teses sobre a revolução na Rússia, que ficaram conhecidas como “Teses de Abril”, onde pregava abertamente a derrubada dos conciliadores dos Soviets e a tomada do poder pelos mesmos Soviets, para instaurar um regime socialista na Rússia. Assim, com as Teses de Abril, Lênin incorporava definitivamente as teses defendidas por Trotsky acerca do caráter da revolução e de quem deveria dirigi-la. A experiência mostrou a Lênin que a única possibilidade da passagem do poder aos Soviets era ganhar a maioria entre os operários das cidades, “explicar-lhes pacientemente” que os conciliadores mencheviques e socialistas-revolucionários querem manter a situação como está servindo aos interesses imperialistas. Um detalhe impressionante é que Lênin assinou sozinho as teses, ninguém da velha guarda bolchevique quis se comprometer com suas propostas que pareciam estar “no mundo da lua”. Trotsky ainda não havia chegado na Rússia, o que só aconteceria algumas semanas depois, no mês de maio.

Foram necessárias algumas semanas até que Lênin, com sua autoridade política e anos de experiência no partido, pudesse convencer a maioria do partido a aderir às suas teses políticas, da tomada do poder pelo proletariado em aliança com os camponeses. A partir daí estava garantida a ferramenta que iria destronar os conciliadores dos soviets e chegar à tomada do poder político em outubro, o Partido Bolchevique. Mas, ainda era preciso ganhar a consciência e a maioria dos operários e operárias para a tomada do poder. Isso se dará a partir de agosto com a derrota do golpe fascista de Kornilov, onde Lênin propôs ao partido a tática da unidade de ação com Kerensky para derrota a tentativa golpista, mas se depositar nenhuma confiança no governo. Em outubro finalmente, após inúmeros apelos de Lênin ao Comitê central do Partido, para que não desperdiçassem a chance e o tempo que estava maduro, a revolução encontrava-se com o seu arquiteto, que como disse Trotsky na História da Revolução Russa, a individualidade de Lênin, “manifestada em proporções gigantescas” naquele período, fez a diferença, mas a individualidade como “um elo da cadeia histórica”.

Assim, quando os bolcheviques ganharam a maioria dos soviets no mês de setembro, o caminho estava maduro para a revolução, os dias dos conciliadores estavam contados. O “arquiteto da revolução” se encontrara com o seu engenheiro, Leon Trotsky; os dois seriam os dirigentes incontestes da revolução de outubro. Para Lênin, a revolução de outubro, inaugurava a era da revolução socialista mundial.

Como desfecho e coroamento da maior revolução operária da história, Lênin e seus companheiros/companheiras, fundaram a III Intrernacional, para que todos os países onde o capitalismo imperava pudesses seguir o exemplo da Rússia e também fizessem sua revolução para acabar de vez com a exploração dos operários e dos povos no mundo inteiro. Essa, com certeza, foi a maior obra de Lênin. 

Nesses 150 anos de seu nascimento, ainda somos inspirados e nos declaramos seguidores dos ensinamentos de Lênin, que foi um marxista convicto e inflexível, um defensor intransigente da revolução operária e da revolução socialista mundial. Sua morte prematura, em 1924, o impediu de dar o combate mortal contra a burocratização do primeiro estado operário da história, da burocratização comandado por Stálin e sua camarilha. Nessa luta, restou isolado, Leon Trotsky. Mas é uma luta que travamos todos os dias em nossos sindicatos, nos partidos operários e de trabalhadores. É uma luta que tanto a CST no Brasil, como a UIT-QI em vários países, travam sem quartel contra os burocratas de plantão e os conciliadores, em todas as suas variantes atuais, castro-chavismo, stalinistas reciclados, etc. 

Viva Lênin e o seu legado! Viva a Revolução Socialista Mundial.

 

 

 

                                            

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