Debate com La Izquierda Diario/PTS: Nahuel Moreno foi o dirigente mais importante do trotskismo latino-americano

Escrito por: Gabriel Schwerdt, dirigente de Izquierda Socialista, seção da Unidade Internacional de Trabalhadoras e Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI) na Argentina. Traduzido por: Lucas Schlabendorff


No dia 25 de janeiro ocorreu um novo aniversário de Nahuel Moreno e nós temos reivindicado o legado desse que foi o fundador e maestro de nossa corrente. Por outro lado o La Izquierda Diario/PTS (Argentina) aproveitou, uma vez mais, para falsificar suas posições e trajetória.

No artigo “Quem é Nahuel Moreno?” de Gabriela Liszt, publicado no La Izquierda Diario¹ em 25 de janeiro, aparentam reconhecer alguns acertos de Moreno que o fariam mais de esquerda que outras correntes que se reivindicam trotskistas. Mas não é assim, é apenas aparência. O artigo de Liszt e do PTS define Moreno centralmente como um oportunista e centrista que revisou o trotskismo. Lamentavelmente, e como já assinalamos em inúmeras polêmicas com o PTS e outras organizações que criticam Moreno, como é o caso do mandelismo² ou do Partido Obrero³ também da Argentina, o fazem sem polemizar seriamente, mas sim falsificando suas posições políticas históricas e até alguns fatos. É um método que não serve para elucidar os lutadores de esquerda.

Moreno desenvolveu a Teoria da Revolução Permanente

Segundo Liszt e o PTS, Moreno “em 1980 fez uma ‘Atualização do Programa de Transição’ que para além das atualizações necessárias, terminava revisando a lógica e a concepção do Programa elaborado por Trotsky com base na sua Teoria da Revolução Permanente.”

Então qualquer militante de esquerda ou lutador pode se perguntar: Moreno abandonou a teoria e as teses da Revolução Permanente e se tornou etapista? Passou para a teoria menchevique e estalinista que defende que existem duas etapas, uma primeira “democrática” de unidade política com a burguesia e inclusive apoiando um governo burguês? E outra posterior, “socialista”? Existe algum caso no qual o morenismo apoiou governos burgueses ou governos burgueses de Frente Popular como fizeram o estalinismo ou as correntes revisionistas e oportunistas do trotskismo? Nada disso que afirma o PTS é real, nem nos textos e nem na realidade da luta de classes durante 70 anos.

A partir do colossal triunfo que significou a derrota do nazismo, se abriu uma etapa de grandes revoluções, de uma ascensão revolucionária mundial. Se deram triunfos revolucionários que inclusive chegaram a expropriar a burguesia, como ocorreu no Leste Europeu, Iugoslávia, na revolução chinesa de 1949, na cubana de 1959. Surgiram novos estados operários burocratizados ou deformados.

O grande fato novo e não previsto, nem vivido, por Trotsky (assassinado em 1940) é que todos esses triunfos revolucionários foram dirigidos pelos aparatos contrarrevolucionários que controlaram o movimento operário, em primeiro lugar os partidos comunistas burocráticos estalinistas, e diversas direções não socialistas revolucionárias. Se abriu uma etapa revolucionária, com revoluções em quase todos os continentes. Mas sem nenhuma revolução de outubro, ou seja, sem o protagonismo da classe operária e a direção de um partido marxista revolucionário. Essas eram duas premissas das teses escritas por Trotsky. Essas duas premissas não se cumpriram nessa nova etapa de grandes revoluções. E isso abriu para todo tipo de interpretações.

Tanto o oportunismo de Michel Pablo e Ernest Mandel, assim como o sectarismo, disseram: as teses da revolução permanente de 1929 foram cumpridas ao pé da letra, e deram duas interpretações totalmente equivocadas e nefastas.

Os oportunistas para justificar seu dogmatismo qualificaram como marxistas revolucionárias as direções estalinistas ou reformistas que triunfaram. Pegaram o fato verdadeiro de que a condução estalinista e burocrática do PC chinês dirigiu uma revolução triunfante, que inclusive expropriou a burguesia. Mas cometeram o grande e trágico erro de considerá-lo como o partido revolucionário, que encarnava a classe operária chinesa, e assim forçar o suposto “cumprimento” do texto das teses de Trotsky. O mesmo fez Mandel com a revolução cubana: apoiaram a direção castrista e “decretaram” que não era necessário construir uma sessão da Quarta Internacional em Cuba.

As correntes sectárias (Healy, Lambert, Tony Cliff, Lute Ouvriere) disseram: Mao e Fidel Castro não são revolucionários, a classe operária não é protagonista, então negaram aqueles triunfos revolucionários na China e em Cuba, e seu avanço para estados operários burocráticos.

Moreno foi o único que, desde uma posição revolucionária e trotskista consequente, reconheceu os novos fatos e lhes deu uma resposta correta, de acordo com as concepções de Trotsky, da Revolução Permanente e do programa da Quarta Internacional. Que se deram por uma combinação de causas: uma grande ascensão revolucionária no pós segunda guerra, crise do imperialismo e ausência de direção revolucionária. A variante “improvável” que havia assinalado Trotsky (ver Programa de Transição) foi a norma.

O fato, que os oportunistas e sectários negaram, é que duas das premissas centrais das teses da Revolução Permanente não se cumpriram. Passaram 100 anos da Revolução Russa e lamentavelmente não se produziu uma nova revolução de “outubro”. Moreno para defender o trotskismo dos ataques do revisionismo oportunista e dos sectários não caiu no dogmatismo de rechaçar aquela realidade nova e contraditória. Não caiu em embelezar as direções triunfantes e em capitular a elas (Tito, Mao, Fidel Castro, etc), nem em rejeitar os grandes triunfos e os avanços da expropriação da burguesia. Tomou a realidade tal qual ela se dava, dando novas ferramentas de análise e política para buscar sua explicação e manter a política e o programa da Quarta Internacional. Foi assim que seguiu defendendo a concepção trotskista da Revolução Permanente, e inclusive o texto das mesmas Teses de 1929, mas enriquecidos com o novo. Por isso se manteve sempre fiel à luta pela construção de partidos trotskistas revolucionários contra o oportunismo do pablismo/mandelismo, que foram abandonando essa luta desde os anos cinquenta. (ver Escola de Quadros de 1984, páginas 23 e 24 no site www.nahuelmoreno.org)

O PST4 nunca propôs um “frente democrático”

Liszt e o PTS acusam Moreno de que em 1974 “frente a ofensiva patronal e a direitização do peronismo que impulsionava os bandos fascistas da Triple A (que assassinou 16 companheiros do PST), levou a um novo desvio oportunista de Moreno e do PST. Em lugar de chamar o fortalecimento de uma frente única operária e formar comitês de autodefesa para enfrentar esses ataques, se uniu ao Grupo dos 8 (UCR, PC, PI, PSP, PDP e Udelpa) privilegiando uma frente democrática. Isso não é assim.

De fato, na quinta-feira, 21 de Março de 1974, se realizou uma reunião desses oito partidos com o presidente na residência de Olivos. O objetivo acordado era expor a Perón a preocupação do conjunto das organizações políticas presentes com a escalada violenta dos atentados da extrema-direita.

Ao contrário do que afirma o PTS, a participação do PST nessa reunião foi uma ação tática delimitada ao terreno da defesa das liberdades democráticas conquistadas pelas massas. Para o PST participar foi, além disso, uma oportunidade para difundir suas denúncias e propostas.

Portanto em nenhum momento se depositaram expectativas de que a reunião por si mesma fosse o caminho para frear a escalada dos atentados da extrema-direita. Assim se demarcava no jornal Avanzada Socialista Nº 97 de 28 de março de 1974: “Que fique claro, pois, o sentido da nossa presença no diálogo presidencial. Não acreditamos que seja o único meio para preservar as liberdades democráticas. Por isso estivemos primeiro na Villa Constitución. Eles, os trabalhadores e o povo de Villa, são os que mais têm feito nos últimos dias pelas liberdades democráticas atuais e pelas futuras liberdades democráticas operárias”.

O centro da política do PST foi a mobilização operária e popular, e nessas reuniões o PST sempre manteve sua total independência política. Nunca o PST deixou de assinalar suas diferenças com a UCR e demais partidos patronais e reformistas e nem de denunciá-los como cúmplices do Pacto Social que impulsionava o governo. (ver Avanzada Socialista Nº 97). Por isso o que argumenta o PTS é falso. Nunca o PST propôs e nem integrou nenhuma “frente democrática” com a UCR e demais partidos burgueses e reformistas. É uma invenção do PTS. Nunca houve tal frente nem dos 8 e nem dos 9. As frentes supõe a existência de organismos comuns, programa e perduram no tempo. Nada disso existiu. O PST aplicou a tática de Trotsky de unidade de ação até com o diabo contra o fascismo e aproveitou as diferenças e rachas que existiam entre esses partidos do regime e o próprio Perón para levar a cabo as posições de mobilização em defesa das liberdades democráticas. No discurso de Nahuel Moreno no ato realizado por ocasião do Massacre de Pacheco5 no final de maio de 1974, quando foram assassinados três militantes do PST (dias antes haviam assassinado também em Pacheco o lutador metalúrgico e militante do PST “Índio” Fernández), confirma a linha principista do PST ao propor a mobilização unitária e a formação de brigadas antifascistas. (ver Avanzada Socialista Nº 104, de 4 de junho de 1974)

Moreno e o MAS queriam uma frente com a burguesia?

Para Liszt e o PTS, ao cair da ditadura e logo em seguida (1982-85): “Serão os anos de adaptação ao regime democrático-burguês e de sua maior revisão da teoria da revolução permanente, onde dirá que perante uma ditadura estava colocado fazer uma frente, incluídas as forças burguesas, para derrubá-la, ao que chamou de ‘revolução democrática’”.

Desde já é preciso dizer que é completamente falso o que afirma o PTS, irresponsavelmente. Por isso é que nem pode demonstrar tal afirmação. Nem Moreno e nem o PST na clandestinidade, nem mais tarde o MAS, queriam nenhuma frente com partidos burgueses para tirar a ditadura. Moreno e o PST lutaram contra a ditadura, chamando a mobilização sem confiar em nenhum partido burguês. A esse processo Nahuel Moreno denominou “revolução democrática” porque com a irrupção do movimento de massas se mudou o regime, o da ditadura militar, e também o governo, já que com as eleições gerais de 1983 a UCR com Alfonsín passou a governar o país.

Com essa caracterização do que aconteceu na situação argentina entre 1982 e 1983, Moreno não “revisou” Trotsky como pretende fazer parecer o PTS, se trata apenas de uma definição com a qual Moreno analisou um fato da realidade. Pela falta de uma direção revolucionária triunfam revoluções que derrubam ditaduras, que são freadas e não se transformam em socialistas. Algo similar se deu, por exemplo, nas revoluções árabes de 2011.

Também não é verdade que o MAS foi proposto por Moreno como uma tática socialdemocrata para crescer eleitoralmente em uma frente permanente com o estalinismo. Citam o caso da Frente do Povo de 1985 com setores de esquerda do peronismo e o PC. Segundo a nota de Liszt: “Buscava ganhar setores do peronismo sem uma política de independência de classe”. Isso é falso. Foi uma frente eleitoral para enfrentar a UCR e o PJ, uma tática eleitoral, a concretização da unidade da esquerda naquele momento.

O PTS faz uma caricatura mentirosa do MAS e de sua política para desprestigiar Moreno. Criticam sua orientação sindical como “pragmática” porque chamávamos os lutadores a se somarem nos nossos agrupamentos sindicais do MAS porque o único requisito que se pedia era que fossem “novos” ou “combativos”. E não estava errado, ou por acaso os militantes do PTS hoje quando falam com um ativista sindical colocam como “condição” para lutar conjuntamente que eles se definam como de esquerda? É ridículo. Exigem ao MAS de 30 anos atrás algo que eles nem fazem agora. Por isso não tem nada de “pragmático” o que Moreno e o MAS orientavam para unir forças com os trabalhadores que se colocavam para lutar contra o governo radical apesar da burocracia sindical.

Acusam Nahuel Moreno e o morenismo de etapistas, de mencheviques e revisionistas da teoria da revolução permanente de Trotsky. Os desafiamos para que demonstrem onde a corrente de Moreno, com ele em vida ou com nossa corrente organizada na UIT-QI, tenhamos caído no “etapismo”, ou no “menchevismo”, e que tenhamos apoiado um governo burguês clássico ou de frente popular. Pelo contrário, foi Nahuel Moreno que sempre lutou contra o revisionismo oportunista na Quarta Internacional, essa sim que capitulou aos governos burgueses e de frente popular.

Por que mentem? Porque necessitam desprestigiá-lo para tentar sustentar que o morenismo já não tem validade, o que é desmentido pela realidade, já que os partidos que integramos a UIT-QI e nos reivindicamos continuadores da corrente que fundou Nahuel Moreno há 75 anos, somos uma corrente dinâmica com presença e participação nos principais processos de luta e uma referência para milhares de lutadores e lutadoras no mundo todo.

Publicado originalmente em: http://www.izquierdasocialista.org.ar/2020/index.php/blog/elsocialista/item/16413-debate-con-la-izquierda-diario-pts-nahuel-moreno-fue-el-dirigente-mas-importante-del-trotskismo-latinoamericano

Notas:

¹ Se trata da versão argentina do Esquerda Diário que existe no Brasil, impulsionado pelo MRT. Na argentina o La Izquierda Diario é impulsionado pelo Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS), que compõe a Frente de Izquierda y de los Trabajadores – Unidad (FIT-U) com Izquierda Socialista, Partido Obrero e MST.

² Mandelistas são chamados os trotskistas que reivindicam o dirigente belga Ernest Mandel.

³ O Partido Obrero é um dos partidos que compõem a Frente de Izquierda y de los Trabajadores – Unidad (FIT-U).

O Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) foi um importante partido trotskista argentino dirigido por Nahuel Moreno na década de 70 e que posteriormente daria origem ao Movimento ao Socialismo (MAS). Não confundir o PST de Moreno com o PTS/La Izquierda Diario existente atualmente, apesar das siglas serem parecidas.

5 Para ler online o discurso de Moreno no ato procurar “Discurso por la masacre de Pacheco” no site www.nahuelmoreno.org

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