Polêmica com Alberto Fernández: é possível um capitalismo mais nobre?

por Juan Carlos Giordano
Deputado Nacional pela Izquierda Socialista/FIT-U (Argentina)
Tradução Lucas Schlabendorff


Alberto Fernández, presidente da Argentina.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, disse na semana passada, na reunião anual da Associação Cristão de Líderes Empresariais que “não há opção ao capitalismo, mas ele foi se degradando e chegou a hora de colocá-lo em sua verdadeira dimensão”. E acrescentou: “O capitalismo deve rever essas coisas, pois quando o gerente financeiro começou a ter mais importância do que o da produção, o sistema começou a se tornar menos nobre”.

É a segunda vez que Fernández faz referência ao tema. Dá a ideia de que haveria um “capitalismo produtivo” bom, e outro mal, o “capitalismo financeiro”. O mesmo que volta e meia dizem o papa Francisco e outros porta-vozes do establishment mundial. Será verdade que pode existir um capitalismo favorável ao povo trabalhador?

Nós, da Izquierda Socialista, consideramos que o capitalismo é apenas um, e é sinônimo de fome, pobreza, desigualdade social e destruição do planeta. Então, a pergunta que fazemos para Fernández é: onde está o capitalismo “bom” que aumenta os salários, reajusta em 82% o valor das aposentadorias, reabre milhares de fábricas, dá trabalho de verdade e assegura um futuro digno? Esse “paraíso capitalista” não existe nos Estados Unidos, na China, na União Europeia, Rússia, Venezuela e nem na Argentina.

O capitalismo está destruindo a humanidade

O sistema capitalista mundial degrada a classe trabalhadora e a natureza. Nosso dirigente histórico, Nahuel Moreno, dizia: “A partir do final do século 19, com o surgimento dos monopólios, o capitalismo começou a se transformar na sua etapa imperialista. E desde 1914, a existência da burguesia (dona dos meios de produção e circulação) e dos estados burgueses e suas fronteiras nacionais se transformaram em uma barreira definitiva para o crescimento. As forças produtivas deixaram de crescer. A Primeira Guerra Mundial, com sua consequência de milhões de mortos (uma destruição sangrenta e fabulosa das forças produtivas), foi uma expressão monstruosa da decadência do capitalismo.” (Visão Marxista da Sociedade, p. 15, Edições El Socialista, Argentina, 2008).

O fato é que o sistema capitalista tem como eixo o lucro para um punhado de milionários, grupos econômicos, bancos e latifundiários. E em sua decadência, ele apela cada vez mais impiedosamente à sua velha receita de descarregar os planos de superexploração e saque sobre milhões de vidas. O que vemos agora em plena pandemia e o que vimos antes, com as crises capitalistas anteriores, especialmente no auge da crise de 2008, que já havia sido comparada com a depressão de 1929. Em 2008, o Citibank e a General Motors foram salvos com bilhões de dólares. Agora fazem o mesmo com as grandes empresas e multinacionais. Por que não salvam os sistemas de saúde? Porque a essência do capitalismo é outra.

Além disso, o capitalismo se transformou em uma ameaça para a humanidade. 250 cientistas anunciaram que em 2050 a espécie humana corre perigo de extinção devido à mudança climática contaminante produzida pelas multinacionais e o agronegócio. Não somente não há um “capitalismo produtivo”, mas aumentam as forças destrutivas, como o armamentismo. Para combater a mudança climática, por exemplo, é necessário erradicar a atual tecnologia de produção energética e construir outra não contaminante, o que implicaria um custo de 240 bilhões de dólares por ano, menos da metade do que gastam os Estados Unidos em armamento, seguidos pela China, Índia, França e Rússia. E está claro que o desenvolvimento da ciência, em vez de trazer benefícios para as massas do mundo, está provocando mais empobrecimento e crises humanitárias.

Como atua o capitalismo diante da crise? O mais lógico seria abrir fábricas e construir moradias, escolas e hospitais para impulsionar a economia. Mas nada disso ocorre e nem ocorrerá. Precisamente porque desde o final dos anos 60 o capitalismo é mais parasitário do que nunca. Sempre tratou de superar as quedas em seus lucros com investimentos especulativos ou recolhendo capitais. Por trás das subidas e quedas do preço do petróleo ou da soja, por exemplo, se escondem enormes manobras financeiras a serviço dos lucros capitalistas, não da produção. Isso é o capitalismo.

Precisamos substituir o capitalismo pelo socialismo

Quando caiu o muro de Berlim em 1989, os políticos capitalistas pregaram que se tratava da “vitória do capitalismo” e que com a “globalização” capitalista iríamos ficar bem. Passaram 31 anos e o capitalismo está mostrando sua verdadeira cara. Também se dizia que os países do primeiro mundo eram um exemplo diante das chamadas “Repúblicas de Bananas” latino-americanas. Mas se existem países capitalistas onde há uma maior renda per capita, isso se explica pela exploração que fazem dos nossos povos através dos pagamentos das dívidas e uma maior dependência e submissão. Todos os países são parte de um mesmo capitalismo mundial que funciona para o lucro de uns poucos, nos Estados Unidos, Europa, Ásia e América Latina. Essa é a realidade nua e crua. Jeff Bezos, da Amazon, um dos homens mais ricos do mundo, possui uma fortuna de 171 bilhões de dólares, produto da superexploração de seus trabalhadores/entregadores e de um sistema capitalista que o permite fazê-lo, não porque possua alguma inteligência ou capacidade especial.

Tudo isso demonstra que não há dois capitalismos, um mal e outro bom ou “produtivo”. Alberto Fernández faz essas afirmações para dar a entender que os males atuais são culpa dos governos “neoliberais” ou de direita e que, com uma maior intervenção do Estado, como prega o peronismo, haveria uma mudança favorável. Mas quando governaram as alternativas patronais, “populares” ou “progressistas, não se combateu em nada o capitalismo. Lula no Brasil, Néstor e Cristina Kirchner na Argentina, Mujica no Uruguai, Correa no Equador, Evo na Bolívia e Chávez-Maduro na Venezuela mantiveram os pilares capitalistas, pagaram religiosamente a dívida externa e os bancos e as multinacionais seguiram ganhando enquanto o povo trabalhador seguiu se afundando na pobreza. Sob todos os governos, de direita ou de centro-esquerda, os resultados têm sido os mesmos: desemprego, reduções de salários, miséria crescente e destruição do meio ambiente. Ocorre agora com o republicano magnata racista e deplorável, Donald Trump, assim como antes ocorreu com o democrata afrodescendente Barack Obama; nos Estados Unidos governados por um direitista e na China capitalista sob a ditadura do Partido Comunista.

Afirmamos a necessidade de não confiar no duplo discurso de Alberto Fernández e do peronismo da Frente de Todos, e lutar por verdadeiras transformações sociais, avançando no combate contra os ricos e os grandes grupos econômicos, para colocar todas as capacidades da economia a serviço de acabar com os males sociais. Isso nós só conseguiremos derrotando o capitalismo e construindo outro sistema, socialista, onde sejam os trabalhadores e as trabalhadoras, com plena democracia operária, os que planejem um modelo econômico e social totalmente distinto do atual, que só beneficia uma minoria de parasitas que estão nos levando ao desastre permanente.

O sistema capitalista imperialista não pode ser regulado ou reformado. Precisamos derrotá-lo. Sabemos que não é uma tarefa fácil, mas é a única saída possível. Pois a afirmação de Alberto Fernández, de que é possível existir um capitalismo que possa favorecer o povo trabalhador, é uma mentira completa.

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