Texto 4: Os ensinamentos da III Internacional sobre os governos operários

 

Everton Luiz, da CST no Rio de Janeiro

As alianças com a burguesia, o apoio político ou composição ministerial a determinados governos é um tema presente na esquerda. As discussões sempre permeiam o caráter do governo e das coligações em questão e se ele deve ou não ser apoiado. A esquerda deveria denunciar os governos de duplo discurso ou o correto seria divergir, mas sem criticá-los abertamente perante as massas?

Neste texto, queremos relembrar os mestres Lênin e Trotsky e sua contribuição sobre a conciliação de classes a partir dos debates no seio da III Internacional, bem como seus ensinamentos sobre o que são os governos operários e qual é o papel dos revolucionários diante desse tipo de governo.

Contra a conciliação de classes e o estado burguês

A III Internacional defendia a tática da frente única, ou seja, a luta em comum com organizações operárias reformistas, em razão de enfrentar a coalização de forças burguesas e, nesse processo, desmascarar os reformistas. Essa tática deveria se estender a todas as organizações operárias, em defesa da pauta dos trabalhadores, como redução dos preços dos alimentos e taxação das grandes fortunas, e pelo desarmamento dos reacionários, passando a armar a classe trabalhadora. Essa combinação entre o problema econômico e o problema do poder se tornaria parte essencial dos critérios para definir a linha frente a um governo operário. Era necessário opor a tática operária contra um governo burguês, capitalista, que não se dispunha a enfrentar o imperialismo e a burguesia rumo à sua derrota final, e não alimentar nas camadas operárias falsas ilusões de que a crise causada pelos capitalistas pode ser resolvida dentro dos marcos desse sistema desigual e o Estado Burguês. Por sua vez, os reformistas, socialdemocratas, optariam por entrar nos governos e distribuir, quando possível, migalhas ao povo.

A III internacional em seus quatro primeiros congressos, se mantinha fiel as definições de Marx e Engels seguindo a definição de classes do Estado. Marx e Engels, tomando em conta as experiências revolucionárias da I internacional, diziam que A Comuna de Paris teve mesmo de reconhecer, desde logo, que a classe operária, uma vez chegada à dominação, não podia continuar a administrar com a velha máquina de Estado; que esta classe operária, para não perder de novo a sua própria dominação, acabada de conquistar, tinha, por um lado, de eliminar a velha maquinaria de opressão até aí utilizada contra si própria, mas, por outro lado, de precaver-se contra os seus próprios deputados e funcionários, ao declarar estes, sem qualquer exceção, revogáveis a todo o momento (…) o Estado não é outra coisa senão uma máquina de opressão de uma classe por outra, e isso tanto numa república democrática como numa monarquia…” (Prefacio da Guerra Civil na França, 1891).

Com base nessas conclusões, na construção do governo dos Soviets e outras batalhas, a III Internacional estabeleceu uma série de condições para que os revolucionários ingressassem em um governo operário que não fosse dirigido por partidos da III Internacional ou que não tenha conquistado o poder por meio de uma revolução. Entre essas exigências, estava a necessidade da independência política frente à burguesia, tendo como exemplo máximo a degeneração do maior partido socialista do mundo, o Partido Social-Democrata da Alemanha. Em 1914, esse partido havia aprovado no parlamento, junto com a burguesia alemã, os créditos de guerra, enviando milhares de trabalhadores ao front da I Guerra Mundial; o único voto contrário foi o do revolucionário Karl Liebknecht. Dessa forma, já não havia mais independência política da organização que unia, naquele tempo, os revolucionários do mundo. Pouco tempo depois, com a derrota da revolução de 1919, o governo de coalizão da burguesia com a socialdemocracia dissolveu os conselhos de soldados e operários, esmagou as greves de trabalhadores, reergueu o parlamento burguês e culminou assassinando os lideres fundadores do Partido Comunista Alemão, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecth.

A crise na Alemanha foi decisiva: o capitalismo mais avançado do mundo derrotou a revolução socialista e isso ficou na memória dos revolucionários, que, ao redigir suas exigências para participar ou apoiar um governo, elencaram a necessidade inegociável de que os aparatos do Estado passassem para as mãos dos trabalhadores, do controle operário das fábricas ao armamento: “O programa mais elementar de um governo operário deve consistir em armar o proletariado, em desarmar as organizações burguesas contrarrevolucionárias, em instaurar o controle da produção e fazer recair sobre os ricos o maior peso dos impostos e em destruir a resistência da burguesia contrarrevolucionária”.

Governos operários desse tipo enfrentarão, de certo, uma resistência violenta da burguesia. Por isso, é necessário que se apoiem na mobilização e organização permanente da classe trabalhadora, algo irrealizável sob um governo em conciliação com os patrões. Seria como se os trabalhadores fizessem uma greve para garantir mais direitos, até chegar à expropriação da fábrica, e o seu patrão aceitasse de bom grado, por que é o mais justo a se fazer.

Essa diferença na política em relação aos reformistas já havia sido posta em prática pelos bolcheviques em 1917, quando derrubaram o governo de Kerensky, nomeado por Trotsky como o primeiro governo de Frente Popular da história. Os governos de coalizão não deveriam contar com os comunistas; ao contrário, esses deveriam denunciar todo o tempo a política burguesa do governo e sua intenção em desviar o foco da massa trabalhadora da revolução. Tal é a lição da Alemanha e da Rússia soviética, que enfrentou o capitalismo e destruiu a ordem política burguesa, substituindo-a por uma nova, na qual o soviete de trabalhadores e operários ocupava o lugar dos parlamentos burgueses; armou a classe operaria para se defender da reação imperialista, construindo o exército vermelho; expropriou as fábricas e colocou o seu funcionamento sob o controle dos operários, expropriando o latifúndio no campo. Era esse o papel transitório do governo operário apontado pela III Internacional: avançar no sentido da tomada do poder pela classe trabalhadora.

 Os tipos de governo

No período do IV Congresso da III Internacional, existiram alguns tipos de governos operários. Nos deteremos em dois tipos nos quais a Internacional rejeitou a participação dos comunistas: os governos operário-liberal e operário socialdemocrata“Os dois primeiros tipos de governos operários não são governos operários revolucionários, mas sim governos camuflados de coalizão entre a burguesia e os líderes operários contrarrevolucionários. Esses ‘governos operários’ são tolerados nos períodos críticos de fragilização da burguesia para enganar o proletariado sobre o verdadeiro caráter de classe do Estado ou para postergar o ataque revolucionário do proletariado e ganhar tempo, com a ajuda dos líderes operários corrompidos. Os comunistas não deverão participar em semelhantes governos. Pelo contrário, desmascararão impiedosamente perante as massas o verdadeiro caráter destes falsos ‘governos operários’…”. Essa foi a política da Internacional de Lenin e Trotsky frente a esses governos.

Os governos operário-camponeses, sem patrões, nos quais se pode participar ainda que não fossem uma ditadura do proletariado, poderiam ser utilizados como seu ponto de partida. Nesse sentido também trabalha o Partido Comunista, dizendo ao proletariado que suas mazelas só poderão ser aniquiladas a partir da tomada do poder e da revolução socialista.

São ensinamentos válidos, pois, atualmente, muitas organizações não defendem o critério adotado pela III Internacional. No Brasil, por exemplo, é o que vemos com a participação de organizações do PSOL em governos comuns com a burguesia. No primeiro governo Lula, várias organizações ultrapassaram a fronteira da independência de classe. A DS, que naquele momento era uma corrente pertencente à autodenominada “IV Internacional” (antigo SU), ocupou um ministério no primeiro governo de coalização de Lula (que tinha como vice o Industrial José Alencar). Não participar dos atuais governos da frente ampla, seja nos estados ou em prefeituras, como a de Edmilson, em Belém, é uma questão de princípios que nós, da CST, mantemos de pé. Seguimos, assim, os ensinamentos da III Internacional.

 

Leia também:

A III Internacional e a construção de partidos revolucionários em todo o mundo

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III internacional uma escola de Estratégia Revolucionária:

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Teses Sobre a Questão Parlamentar – III Internacional, Julho de 1920

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